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Dissertacao Sem Fotos

Date post: 05-Jul-2018
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  • 8/15/2019 Dissertacao Sem Fotos

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    Raquel Wiggers

    Família em conflito: violência, espaço doméstico e categorias de

     parentesco em grupos populares de Florianópolis

     

    Dissertação apresentada no Programa de

    Pós-Graduação em ntropologia !ocial da

    "niversidade Federal de !anta #atarina,

    como re$uisito parcial % o&tenção do título

    de 'estre em ntropologia !ocial(

    )rientador: Prof( Dr( )scar #alavia !ae*

    +la de !anta #atarina, agosto de ...(

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    Para minha família.

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    RESUMO

     /a an0lise de conflitos domésticos ocorridos em famílias de grupos populares de

    Florianópolis são tra*idos a tona elementos importantes $ue devem ser considerados ao

    se tratar da $uestão da violência doméstica( ) principal deles é a ampliação do $uadro

    de protagonistas envolvidos nas situaç1es de conflitos domésticos, demonstrando a

    necessidade de se deslocar a an0lise do ei2o vítima3 agressor, geralmente privilegiado

    nos estudos de violência doméstica ou violência contra a muler( /o e2ercício de

    deslocamento do ei2o vítima3 agressor a violência dei2a de ser uma via de mão 4nica

    em $ue vítimas e agressores tem perfis pré-definidos e passa a ser uma $uestão $ue di*

    respeito tam&ém aos parentes( lém disso, esta dissertação salienta os diferentes

    significados e concepç1es $ue têm os atos violentos e $ue precisam ser considerados

    nas atuaç1es de agentes sociais 5unto a populaç1es de grupos populares(

    ABSTRACT

    6e analisis of domestic conflicts in lo7 income families of Florianópolis reveals

    important aspects tat sould &e ta8en into account 7en discussing a&out domestic

    violence( 6e main aspect is te e2pansion in te focus 7en considering te cast

    involved in tese situations, 7ic so7s te necessit9 to consider some aspects &esides

    te victim3 agressor relationsip, 7ic is 7ell reported in domestic violence studies

    and in violence against 7omen studies too( en oter aspects are considered, violenceis no longer a one 7a9 relationsip in 7ic victims and agressors ave 7ell defined

    roles and it &ecomes a matter tat envolves relatives too( 'oreover tis stud9 remar8s

    te various meanings and concepts tat violent acts ave and tat must &e ta8en into

    account &9 te social agents 7o are 7or8ing in tese lo7 income comunities(

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    !"';A?/#+VW((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((KC

    CONC)USES..........................................................................................................................................+/

     0egativa&'o da violência# utopia$......................................................................................................7,

     A amplia&'o do uadro de protagonistas............................................................................................7

     )i9o vtima : agressor e o seu sentido ;nico................................................................................. ......72 

    “"ul!er apan!a uieta”.....................................................................................................................77

    Violência e desestrutura&'o familiar.................................................................................................1

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    (n5i6e 5e qua5r7s e figuras

    Pg( CS - Foto da !ervidão

    Pg( CT - Foto da #asa de 6alita(

    Pg( CK - Foto do #ampino(

    Pg( C X ne2o as Figuras:

    +( 'apa do @airro 'onte #risto

    ++( Foto aérea do &airro 'onte #risto

    +++( Foto aérea da comunidade #ico 'endes(

    +=( Foto aérea da comunidade #ico 'endes com a marcação apro2imada

    dos locais de residência das famílias estudadas(

    Pg( N - uadro C: s trinta famílias pes$uisadas caracteri*adas pelo nome fictício damuler 

    Pg( HT - uadro : #ategorias de referência de parentesco

    Pg( N X Gr0fico de parentesco da família de #reonice(

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    A1RADECIMENTOS

    gradeço % #PA! pelo financiamento do meu curso de mestrado em forma de

     &olsa de estudo( Ava e linne pela cola&oração durante os créditos e na discussão dos pro5etos(

    #ada uma delas sa&e como foi importante nossa ami*ade, firmada por dificuldades e

    alegrias comuns durante todo o curso de mestrado( linne por fa*er me sentir normal(

    Ava pela precisão de suas o&servaç1es(

    >is e MelY pela ami*ade construída(

    os meus amigos Dilma e Paulo, pelo apoio(

    '9rnaia, pela ami*ade mesmo $ue distante( raci, uma grande amiga(

    Danielle, pela ami*ade(

    os meus professores das disciplinas do curso, )scar #alavia !ae*, Bean >angdon,

    'aria mélia Dic8ie, 6eopilos

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    Família em conflito

     PRIMEIRO CAP(TU)O

    UDe início, é preciso di*er $ue a violência

    não é alguma coisa peculiar % nossa época ou %

    nossa sociedade( Am todas as sociedades, em todas

    as épocas ocorrem aç1es $ue se podem caracteri*ar 

    como violentas 50 $ue apelam para o uso da força

     &ruta, se5a através de $ue instrumento for, ao invés

    de apelar para o consentimento( ) $ue varia são as

    suas formas de manifestação e as regras sociais $ueas controlam(W \]aluar, CKKH^(

    Introdução

     /este primeiro capítulo inicio uma &reve revisão nos estudos so&re violência,

    fa*endo um levantamento do tratamento dado pelos estudiosos ao assunto( Passo então a

    analisar algumas &i&liografias &rasileiras $ue tratam da violência, apontando formas

    diversas de perce&ê-la e ressaltando uma necessidade de pes$uisas mais específica $ue

    considere o conte2to em $ue estou inserindo os estudos so&re violência(

    naliso tam&ém os princípios $ue cola&oram na formação da teoria so&re violência

    $ue rege os pensamentos de $ue partem os agentes sociais ao lidarem com os grupos

    atendidos pelas políticas de UcontençãoW da violência e $ue aparecem tam&ém nas

     produç1es acadêmicas $ue tratam do assunto(

     /a se$Zência esclareço a tra5etória acadêmica, teórico e metodológica $ue me

    direcionou ao tema proposto nesta dissertação, onde pretendo uma an0lise de conflitos

    domésticos e suas formas de resolução, violentas ou não, com ênfase na ampliação do

    $uadro dos protagonistas envolvidos( Para isso descrevo e defino neste capítulo a

     população e o lugar em $ue a pes$uisa foi desenvolvida(

    Violência: um problema geral 

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    Família em conflito

    Am&ora a violência se5a um tema $ue vem ocupando o ser umano desde muito

    tempo, nas 4ltimas décadas ela passou a ser um sím&olo da contemporaneidade( Mo5e se

    est0 dando grande import_ncia ao fenYmeno, fa*endo $ue ele este5a presente em diversos

    discursos so&re nossa sociedade( violência supostamente invadiu todas as 0reas da vida e

    da relação do indivíduo com o mundo das coisas, com o mundo das pessoas, com seu

    corpo e sua mente \Freire e #osta, CKTH:K^( ssim, se configura como um grande pro&lema

    socialC, principalmente nas grandes cidades, onde diariamente são noticiados um elevado

    n4mero de casos de assaltos, omicídios, estupros e acidentes de tr_nsito, entre outros( Asta

    enorme $uantidade de situaç1es violentas vividas e anunciadas provocam estudos em

    diferentes 0reas do sa&er, 0reas estas relacionadas com a sa4de p4&lica, com a

    criminalidade, com as favelas das grandes cidades, com a segurança p4&lica(

    A2iste uma ampla discussão nos meios acadêmicos, na mídia e nos organismos

    nacionais e internacionais de defesa dos direitos umanos, so&re a violência( /o @rasil o

    assunto tornou-se emergente no início dos anos T., com o aumento de diferentes formas de

    violência, ocorridos principalmente nas grandes cidades como assaltos, assassinatos,

    estupros( violência é, desta forma, associada ao ur&ano e % modernidade(

    istória da sociedade &rasileira foi constituída com recurso constante % força e %

    violência( )s conflitos decorrentes das diferenças de classe, etnia, gênero ou geração,

    foram muitas ve*es solucionados com o uso da força( @asta lem&rar a longa tradição de

    lutas populares, desde o século O+O, nas diferentes regi1es do país, como a revolta

    Farroupila, o uilom&o dos Palmares e a #a&anada( A mesmo assim, a violência é

    recusada sistematicamente no nível ideológico, o $ue pode ser constatado na idéia de $ue o

     &rasileiro tem uma índole pacífica erdada do português, $ue teria sa&ido promover a

    mistura de três raças, criando uma sociedade armYnica \)liven, CKTK^(

    ) te2to de )liven \CKTK^, escrito no fim da década de T., aponta $ue o termo

    `violência ur&ana` refere-se $uase $ue somente % delin$Zência de classe &ai2a, $uena$uele momento dei2ou 0reas po&res da cidade para atingir redutos das classes médias e

    altas( =ale comparar esta situação com a$uela vivida no final dos anos K., em $ue a

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    Família em conflito

     preocupação passou a ser tam&ém o narcotr0fico e a violência policial, tornando evidente

    $ue a violência é um fenYmeno istórico e mut0vel(

    A 8i7l9n6ia :ara alguns au;7res

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    Família em conflito

     passado &rasileiro e apontando $ue, em muitos momentos, a violência foi usada para

    resolver conflitos de ordens diversas( !egundo o autor, é possível aí Uentrever o car0ter 

    costumeiro, institucionali*ado e de imperativo moral de $ue ain5a se revestem as aç1es

    violentas na sociedade &rasileira contempor_neaW \dorno,CKKR:.H( Grifos meus^(

    crescenta $ue a an0lise dos cen0rios distintos, porém interconectados, demonstra $ue

    fatos de nature*a violenta não são episódicos, ocasionais ou con5unturais, pelo contr0rio,

    Uapontam para uma conclusão inversa: trata-se de fatos rotineiros, cotidianos, com larga

    aceitação entre diferentes grupos da sociedade( Parece aver uma inclinação da sociedade

     para reconecê-los como normaisb, como se fossem meios naturais de resolução de

    conflito se5a nas relaç1es entre classes sociais se5a nas relaç1es intersu&5etivasW

    \dorno,CKKR:C^(

     /este te2to dorno ilustra o car0ter constituidor $ue a violência muitas ve*es

    assume em diversos segmentos sociais da sociedade &rasileira( A aponta $ue em muitas

    situaç1es ela é pensada como uma forma legítima de se resolver conflitos de ordens

    diversas( !eu esforço é no sentido de reforçar uma necessidade de e2plicar e desconstruir 

    esta Unaturali*açãoW, ao defender $ue ela só acontece por causa das desigualdades sociais,

     pela m0 distri&uição de renda, falta de escola para os 5ovens, o não acesso % 5ustiça por 

    todos indistintamente( #om isso retira dos atores a responsa&ilidade por seus atos e os

    e2plica como resposta a um estímulo e2terno( #om esta posição o autor torna negativa a

    concepção de violência, retirando dos atos violentos a possi&ilidade de configurarem-se

    como formas de resolução dos conflitos e remetendo esta função ao aparelo 5udici0rio(

    Para este autor, é mediante a cultura política democr0tica $ue se torna possível desconstruir 

    a linguagem $ue naturali*a e normali*a a violência(

    Asta postura de tentar retirar dos atos violentos o car0ter constituidor $ue eles

     possam ter tam&ém pode ser constatada no discurso oficial so&re violência doméstica(

    #omo veremos a seguir, este vem sendo o 0&ito de diversos agentes sociaisR  $uetra&alam com a $uestão, como delegados de polícia, assistentes sociais ou conseleiras

    tutelares( A é importante por$ue marca a crescente oficiali*ação de uma forma de conce&er 

    a violência, predominante nestas 4ltimas décadas, em $ue $ual$uer agressão é perce&ida

    como tal, mesmo não incluindo $ual$uer tipo de contato físico( violência desta forma,

    R  /o decorrer do te2to ser0 usada a categoria agentes sociais, $ue neste caso refere-se aos psicólogos,assistentes sociais, agentes censit0rios, entre outros, $ue tra&alam em Ucomunidades carentesW sendo

    funcion0rios de órgãos governamentais, tra&alam em )/Gs, ou ainda em car0ter volunt0rio( Astas pessoasintervêm no cotidiano das pessoas de formas diversas e geralmente compartilam da visão oficial so&reviolência doméstica(

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    Família em conflito

    dei2a de ser apenas um ata$ue físico ao corpo do outro e passa a englo&ar tam&ém atitudes

    de outras ordens, como a violência sim&ólica ou psicológica(

    Por sua ve*, Diógenes \CKKT^ em um e2emplo de uma pes$uisa recente $ue trata da

    violência, nos remete novamente a constatação de !oares de $ue ela é um fenYmeno

    interpretado e vivenciado de diferentes maneiras por diferentes pessoas( o tra&alar com

    gangues em Fortale*a a autora centrou-se na pergunta: o $ue os 5ovens consideram

    violênciaV Ala perce&eu $ue entre estes 5ovens avia uma idéia `esva*iada` da violência,

    como se não fosse lógico falar so&re ela( +sso ficou claro $uando de seus informantes disse

    $ue `eles não vêem a violência, violência é rotina`( os olos da investigadora a violência

    é um acontecimento, para a e2periência das gangues ela diluia-se até tornar-se

    imperceptível, entranava-se no cotidiano até cegar a ser invisível( autora sugere tratar 

    da violência em termos de pr0ticas e relaç1es ense5adas no seu campo( +sso por$ue `nas

    gangues a violência não est0 sim&oli*ada, é muda de significantes, ela não tem pro5eto e

    não aponta, intencionalmente, um outro código de conduta` \Diógenes, CKKT:N^(

    "m outro e2emplo de uma forma diferente de se pensar teoricamente so&re o tema

    é a$uela proposta por rendt \CKTH^, $ue prop1em a distinção entre os conceitos de poder,

    força e violência, conceitos estes $ue são retomados e tra&alados por #auí \CKTR^ e

    Felipe \CKKN^, e a eles acrescentam o de agressão N( @aseados nesta distinção teórica

     podemos associar % agressão muitos atos $ue são considerados violência por outros

    autores, uma ve* $ue, no caso destas autoras, am&os são definidos a partir do efeito $ue o

    ato violento tem so&re o agredido( 6emos assim $ue en$uanto os autores tratados até a$ui

    redu*em todos estes conceitos a um, estas autoras desdo&ram o conceito de violência em

    outros, a&rindo assim a possi&ilidade de se desmem&rar o conceito em outros tantos $ue se

    mostrarem 4teis para a an0lise(

    >i7l9n6ia 57m?s;i6a

    N ) :75er é a capacidade coletiva para tomar decis1es concernentes % vida p4&lica de uma coletividade,e2pressão de 5ustiça, espaço de criação de direitos e garantias( f7r@a é a ausência do poder( /a relação deforça 0 ausência de poder e presença do dese5o de mando e de opressão de uma classe so&re a outra, de umgrupo social so&re o outro, de um indivíduo so&re o outro( >i7l9n6ia é uma reali*ação determinada dasrelaç1es de força( L a conversão de uma diferença ou uma assimetria numa relação ier0r$uica dedesigualdade com fins de dominação, de e2ploração e de opressão( L tam&ém uma ação $ue trata um ser umano como não su5eito, mas como uma coisa, $ue se caracteri*a pela inércia, pela passividade e pelo

    silêncio, de modo $ue $uando a atividade e a fala de outrem são impedidas ou anuladas, 0 violência( agress7 é um ato $ue envolve dois indivíduos em situaç1es mais ou menos igualit0ria, $ue &rigam usandoforça física e ameaças ver&ais, sem $ue no entanto um ani$uile o outro(

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    Família em conflito

    violência doméstica refere-se principalmente % violência ocorrida dentro do lar e

    entre pessoas $ue vivem relaç1es familiares e afetivas( L um conceito $ue vem a&rangendo

    outros dois: violência contra mul!eres e violência contra crian&as e adolescentes, mas $ue

    não pode ser completamente tradu*ido por eles, 50 $ue e2istem outras violências $ue

     podem ser aí incluídas(

    Astes conceitos estão carregados de significado político, $ue são acionados na luta,

     perpetrada principalmente pelas integrantes do movimento feminista \!oares, CKKK^, pela

    $ue&ra da ierar$uia $ue coloca muleres e crianças so& dominação masculina, e em

    defesa dos direitos destas minorias( violência doméstica est0 sendo focali*ada como um

    espaço privilegiado de encenação de um dos mais importantes de&ates sociais

    contempor_neos( A as mo&ili*aç1es em torno deste tema estão gerando modificaç1es

     profundas no comportamento social, na medida $ue passaram a representar e a e2pressar 

    as disputas em torno dos direitos civis, dos direitos das camadas minorias, das novas

    formas de relacionamento afetivo e se2ual entre os gênerosS(

    Astes conceitos de violência contra mul!er   e violência contra crian&as e

    adolescentes, foram for5ados no _m&ito das discuss1es e reivindicaç1es feministas, $ue

    iniciaram seus protestos mais enf0ticos no fim dos anos S. e início dos T.( Astas

    mo&ili*aç1es cola&oraram muito para o aumento da visi&ilidade dos casos em $ue

    muleres eram assassinadas por seus companeiros e tomaram como ponto principal a

    impunidade dos assassinos, tra*endo para a ordem do dia a den4ncia de opressão da

    muler na sociedade &rasileira( Desta forma o movimento feminista tem grande

    responsa&ilidade na visuali*ação crescente $ue teve a violência nas 4ltimas décadas(

    )s estudos so&re violência domésticaT, $ue centram-se principalmente nos temas

    da violência contra muler, contra criança e, recentemente tam&ém contra idosos, têm em

    comum o fato de privilegiar o ei2o vítima3 agressor( postura analítica destes estudos

    tende a salientar a relação entre o agressor e o agredido, construindo, a partir do atoviolento, um personagem $ue é o detentor do poder de agredir, e outro $ue é o receptor da

    agressão( +sto fa* $ue estas posiç1es se5am relativamente estan$ues, opostas e

    contraditórias( /os casos de violência contra muler, esta postura torna a muler vítima e o

    omem agressor, muitas ve*es sem considerar o papel de cada um na situação analisada K(

    S =er !oares \CKKK^(T Gregori,CKK Grossi, CKKN Guerra,CKTR, !afioti,CKTT Bunvêncio e @atista,CKKN *evedo e Guerra

    \CKKS^ !ilva \CKTT^, entre outros(K Am algumas ve*es vai além, $uando, em se tratando de violência sim&ólica, remete a todos os omens o papel de agressor e a todas as muleres o papel de vítima em potencial da dominação masculina(

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    Família em conflito

    Desta forma ela é comumente associada ao aspecto negativo ou anYmico da violência,

    sendo considerado um fenYmeno $ue deve ser &anido, uma ve* $ue contradi* o $ue seria,

    em nossa sociedade, a &ase da instituição familiar: amor e carino( família configura-se

    em nossa sociedade como um conte2to muito sensível(

    "ma tentativa de relativi*ar a fi2ide* destas posiç1es é pensar na violência como

    constituidora de relaç1es sociais, se2uais e sentimentais, e neste sentido Gregori e Grossi

    são autoras inovadoras( m&as, cada uma a seu modo, argumentam $ue a violência contra

    muler, $ue ocorre dentro da relação con5ugal pode ter um aspecto relacional, ou se5a,

     pode fa*er parte do 5ogo con5ugal, em $ue as regras são compartiladas pelos parceiros(

    Desta forma, a violência pode ser uma das linguagens $ue e2pressa, entre outras coisas, os

    conflitos intrínsecos % própria relação( /este conte2to, não ca&e % muler apenas o papel

    de vtimaC. da violência mas, tam&ém o de uma parte atuante no 5ogo esta&elecido entre

    marido e esposa(

    A2istem estudos $ue tratam de muleres $ue foram denunciadas nas delegacias

     por terem assassinado seus filos recém-nascidos ou se envolvido em discuss1es ou

    agress1es com outras muleres por motivos variados( /estes tra&alos é comum ser 

    esva*iado o papel agressor da muler, di*endo-se delas $ue são vítimas do sistema $ue as

    oprime e as o&riga a tais atitudes \!oiet,CKTK Pedro,CKKH !oares,CKKK^( L interessante o

    discurso diferenciado para omens e muleres agressores, o $ue ressalta a posição ideal de

    vítima e agressor, ocupada respectivamente por muleres e omens( 'esmo $uando 0 a

    agressão por parte de uma muler, a ela é remetido o papel de vítima, neste caso vítima do

    sistema $ue a o&riga a agir da$uela forma(

    Discutir a violência doméstica tra* a tona uma outra discussão so&re os limites da

    intervenção do Astado nas relaç1es pertencentes ao universo privado, as relaç1es

    familiares( !oares \CKKK^ levanta $ue Utrata-se agora de e2periências e tentativas de

    regulação da vida privada em matéria p4&lica, uma ve* $ue se reali*am em nome daigualdade de direitos e do com&ate % discriminaçãoW(

    >i7l9n6ia n7 5is6urs7 7fi6ial

    C. !oares \CKKK^ aponta para os diferentes car0teres $ue este termo est0 im&uído no @rasil e nos A"(An$uanto $ue nos A" 0 um movimento de se positivar a posição de vítima, conce&endo-as comoUso&reviventesW e fa*endo-as assumirem o papel ativo de politi*ar o seu discurso no @rasil as muleres

    vítimas de violência doméstica não falam diretamente para o p4&lico e sua fala é intermediada por umnarrador( uando falam da violência sofrida ficam envergonadas e constrangidas( /o @rasil, a vítima tra*consigo um estigma culposo e uma am&ígua identificação com a criminalidade do ato $ue a vitimou(

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    Família em conflito

    M0 uma tendência assumida principalmente nos 4ltimos R anos, de

    desconsideração das formas violentas de resolução de conflitos( Passou a aver em

    influentes segmentos da sociedade uma negativi*ação da violência( Postura esta $ue pode

    ser constatada o5e, em r0pidas an0lises de notícias divulgadas nos meios de comunicação,

    na atuação de diferentes agentes sociais ou na produção acadêmica so&re violência( L este

     paradigma $ue rege neste fim de século a formação do $ue eu camei de discurso oficial 

    so&re a violência(

    #omo e2emplo do discurso oficial  so&re violência doméstica encontrei duas fontes

    $ue o sistemati*am de forma e2emplar( primeira é a apostilaCC do curso de capacitação de

    #onseleiros 6utelares e de Direitos de !#( /esta apostila são e2plicitados diferentes

    conceitos so&re violência doméstica( segunda fonte é a fala de uma delegada de polícia

    $ue entrevistei durante meu tra&alo de campo( /ela e2plicita um discurso coerente so&re

    as causas da violência doméstica e o perfil dos agressores e das vítimas em potencial(

     /a citada apostila \CKKK^ a violência física é Ucaracteri*ada por $ual$uer ação

    4nica ou repetida, não acidental \ou intencional^, perpetrada por um agente agressor adulto

    ou mais velo, $ue promove dano físico % criança ou ao adolescente, dano este causado

     pelo ato a&usivo pode variar de lesão leve a conse$Zências e2tremas como a morteWC( A

    acrescentam $ue Utoda ação $ue causa dor física numa criança, desde um simples tapa até

    um espancamento fatal, representam um ato contínuo de violênciaW(

    !o&re o a&uso se2ual é utili*ada na apostila uma citação do te2to de *evedo e

    Guerra \CKKR^ Ué todo ato ou 5ogo se2ual, relação eterosse2ual ou omosse2ual, entre um

    ou mais adultos e uma criança menor de CT anos, tendo por finalidade estimular 

    se2ualmente ou utili*0-la para o&ter uma estimulação se2ual so&re sua pessoa ou de outra

     pessoaW( /a apostila 0 ainda a definição de violência psicológica e negligência(

     primeira é de difícil visi&ilidade uma ve* $ue não dei2a marcas físicas e são: umilação,

    tortura psicológica, e2posição indevida da imagem da criança, ausência de limites,corromper, isolar, negligência afetiva( negligência est0 relacionada, segundo a apostila,

    Ucom as condiç1es estruturais da sociedade, $ue e2clui grande camada da população das

    oportunidades de acesso ao conecimento, % geração de renda e distri&uição de ri$ue*asW

    \pgR^(

    CC Asta apostila \CKKK^ foi organi*ada pelo #entro #rescer sem =iolência, $ue é ligado a "F!#(

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    Família em conflito

    Astes conceitos são ela&orados a partir de uma série de princípios: C^ em primeiro

    lugar $ue 8i7l9n6ia gera 8i7l9n6ia ^ depois, $ue dentro da família o amor, $ue é natural,

     pode ser solapado por diversos fatores, geralmente relacionados com o Ucaldo da cultura

     propício ao desenvolvimento do desamorW \pgCS^( Desta forma os laços de

    consangZinidade não são totalmente capa*es de assegurar sentimentos como amor e

    carino, uma ve* $ue 0 momentos em $ue outros sentimentos Uo esmagam no seio da

    famíliaW ^ e por fim, em função de tudo isso, a violência é algo $ue as pessoas tentam

    ocultar da sociedade( A dificilmente um pai ou uma mãe assumir0 $ue agride seu filo,

    sa&endo $ue pode pesar so&re si a culpa, a desaprovação social, além do risco de incorrer 

    em sanção penal \pgC^(

    Podemos concluir disto $ue e2istem famílias em $ue a violência tem mais

     pro&a&ilidade de surgir, $ue são a$uelas em $ue os pais vivenciaram situaç1es de violência

    $uando crianças e onde e2istem conflitos famíliares $ue produ*am sentimentos de

    desamor( Astes pressupostos são compartilados por diferentes agentes sociais envolvidos

    na $uestão da violência doméstica, e têm como pano de fundo um modelo ideal de família

    UestruturadaW, amorosa, sem conflitos, e onde a violência não teria motivos para acontecer(

     /a entrevista com a delegada da polícia civil $ue atende a região o&tive

    e2plicaç1es so&re o $ue ela conce&e por violência, suas causas e efeitos( +nformada so&re o

    interesse de meu tra&alo so&re violência doméstica na comunidade onde ela atua, fe* uma

    careta, fran*indo o nari* e entortando a &oca, e disse, Uisso a$ui parece o programa do

    esão #orporal e meaça, e continuou discursando so&re o assunto sem

    $ue eu precisasse fa*er $ual$uer coment0rio ou perguntaCH:Uo omem é o patriarca $ue su&mete a muler e as filas( 'olesta a fila e

    su&mete a mãe( ) am&iente familiar é o seguinte: o omem é o superior e a

    muler se su&mete e as filas são criadas nessa situação doentia em $ue a

    muler tem medo de se e2por, de mudar uma situação( Por $ue tem medo de

    C "m programa de televisão transmitido durante o or0rio no&re, $ue tra* para o cen0rio pessoas $ue temalguma desavença, o $ue fa* com $ue muitas ve*es aca&em se agredindo em frente %s c_meras(CH !eu discurso foi transcrito praticamente na íntegra, tendo sido retirado apenas a$uelas e2press1es usadas

    na fala $ue tornariam a leitura mais truncada( 'inas intervenç1es foram mínimas( ) discurso da delegadame parece $ue estava pré-ela&orado e foi pronunciado $uando demonstrei interesse em sa&er so&re o assuntoda violência doméstica, desconsiderando minas perguntas(

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    Família em conflito

    encarar a situação de ser muler separada su&metem-se durante anos %

    situaç1es de violênciaW \CT3.T3CKKK^(

    delegada acredita $ue

    Uno primeiro tapa aca&ou o respeito( /o segundo aca&ou o amor, então, e

    não pode dei2ar acontecer o segundo( 6em $ue tomar uma decisão( /o

     primeiro a muler 50 tem $ue se posicionar( !e e2iste ainda amor de alguma

    das partes, ou de am&as as parte, tem $ue ser conversado( violência

    doméstica independe de classe social, é uma $uestão da su&missão do gênero

    mulerW \CT3.T3CKKK^(

    mina pergunta so&re o caso registrado na$uela delegacia, em $ue a mãe

    denunciou o filo $ue le agrediu e ameaçou \caso $ue ser0 tratado mais adiante^ ela

    respondeu com um discurso $ue nada di*ia de um caso específico:

    UAu teno uma tese: de um lar conflituoso o fruto desse lar 50 é

     pro&lem0tico, concordaV "m menino ou uma menina $ue cresce em um

    am&iente $ue vê o pai todo dia em&riagado dando porrada na mãe, onde ele

    vai e2travasar a violência $ue ele vê dentro de casaV )nde ele vai e2travasar 

    toda essa violênciaV /a rua( ual a primeira porta de entrada $ue ele vêV

    droga, normal( menina $ue foi molestada se2ualmente, $uando ela atinge

    uma certa idade, na primeira oferta o $ue ela vai fa*erV !e prostituir( L a

    realidade $ue ela teve dentro de casa( Antão, não se 5ustifica o menor estar na

    rua se drogando, por $ue teve um lar conflituoso, mas se entende por $ue $ue

    ele t0 na rua( ) $ue eu senti foi o seguinte, eu pegava essas meninas $ue

    estavam se prostituindo e invariavelmente elas tinam istória de a&uso se2ual

    na inf_ncia e na adolescência passou a se prostituir( L $uase regra, e a$uele

    menino $ue est0 na rua se drogando, é $uase regra $ue ele na inf_ncia presenciou muita violência( ) filo de um lar conflituoso é uma isca muito

    f0cil para o traficante( /ão tem 5ovem mais f0cil de ser aliciado para usar 

    droga do $ue a$uele $ue veio de conflitos, veio de violência( "m 5ovem $ue

    tem estrutura familiar sem conflito, mesmo $ue não se5a a$uela estrutura

     padrão, dificilmente vai cegar a esse tipo de envolvimentoW \di0rio de campo,

    entrevista feita no dia CT3.T3KK^(

     

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    Família em conflito

    Destes discursos podemos concluir $ue a violência seria um refle2o condicionado

    $ue se desencadeia ou não( L um sentimento $ue depois de ser desencadeado tem $ue ser 

    descarregado em alguma coisa ou pessoa( M0 um determinismo, um camino de mão 4nica

    $ue define $ue pessoas $ue vivem em famílias UdesestruturadasW - ou se5a, com pro&lemas

    financeiros, analfa&etos, $ue não tem o pai vivendo na mesma casa com a mãe e os filos

    ou $uando vivem 5untos estão em permanente conflito - são a$uelas $ue serão

     protagonistas de cenas de violência doméstica( Fica determinado $ue o conflito leva

    necessariamente % violência, e não seria errado afirmar $ue violência e conflito mesclam-

    se em determinados momentos(

    Parece aver uma pré-definição de $ue a&uso se2ual resulta em prostituição e

    surras na inf_ncia produ*em um omem adulto violento( /estes discursos perce&e-se a

    definição da vítima: a criança, no primeiro caso e a muler neste 4ltimo( Partindo deste

     ponto de vista, definem o omem adulto com pro&lemas de relacionamento familiar e $ue

    sofreu violência na inf_ncia como o agressor em potencial( s posiç1es de vítima e

    agressor 50 estão dadas, fa*-se necess0rio agora é resolver o pro&lema(

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    Família em conflito

    Am um segundo momento centrei mina atenção na an0lise de dois processos

     penais de crimes de parricídio $ue tiveram resolução 5urídica diferentes em decorrência da

    aceitação ou não, pela família, do ato do agressor( Am am&os o filo matou o pai e foi

     5ulgado em uma inst_ncia p4&lica de resolução de conflitos, respondendo a processo

     5udicial( )s assassinatos aconteceram em casa e foram os parentes e vi*inos $ue

    forneceram os depoimentos $ue compuseram os autos  do processo( s pessoas $ue

    compunam as relaç1es domésticas foram camadas para opinar na resolução 5urídica dos

    casos e a decisão do 5ui* foi &aseada nestes testemunos( ssim, o _m&ito doméstico foi o

    locus do acontecimento e de onde partiram os discursos $ue resolveram 5udicialmente o

     processo(

    Am um dos casos, o filo assassinou o pai e o es$uarte5ou, 5ogando as partes do

    corpo em uma latrina nos fundos da casa( família recusou-se a manifestar-se

     pu&licamente, dei2ando claro $ue condenava a atitude do rapa*( Durante o processo penal

    ele foi a&solvido so& alegação de sofrer pro&lemas psi$ui0tricos e internado no manicYmio

     5udici0rio por tempo indeterminado( Depois de $uatro anos ouve uma nova perícia

     psi$ui0trica $ue o considerou apto ao convívio social( 'as a li&ertação somente seria

     possível se a família se dispusesse a rece&ê-lo, o $ue não aconteceu( )s mem&ros da

    família recusaram-se a aceit0-lo em casa, mantendo a condenação manifestada no decorrer 

    do processo, $ue tornou sua li&erdade impossível(

    Am decorrência da forma como foi tratado no processo penal, $ue e2igia da família

    $ue aceitasse o rapa* novamente no convívio doméstico depois da reclusão, &us$uei

    informaç1es so&re a repercussão do caso em outros _m&itos da sociedade( /os 5ornais da

    época, encontrei uma reportagem pu&licada no dia seguinte ao assassinato $ue descrevia o

    acontecimento( /os dias su&se$uentes, porém, não ouve mais manifestaç1es no 5ornal

    so&re o assunto( Depois do laudo psi$ui0trico $ue assegurava $ue o rapa* estava apto ao

    convívio social e a negativa da família em rece&ê-lo, procurei pessoas $ue tra&alaram na pastoral carcer0ria e $ue entraram em contato com a família numa tentativa de

    reconciliação com o filo assassino( s alegaç1es dos integrantes da pastoral carcer0ria

    eram de $ue o rapa* era um &om moço, muito simp0tico e $ue não merecia estar preso no

    manicYmio por não sofrer doença psi$ui0trica( Foi possível constatar $ue o caso não

     provocou repercuss1es negativas na sociedade( credito $ue a falta delas demonstra $ue

    este tipo de situação não ofendia demasiadamente a sensi&ilidade social( Podemos

    consider0-la e2emplar na medida $ue indica a e2trema e enorme diversidade de opç1escom $ue se perce&e a violência em nossa sociedade(

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    Família em conflito

     /o outro caso de parricídio analisado a atitude do filo não foi condenada pela mãe

    e pelos irmãos, fa*endo $ue ele tena sido li&ertado um ano e três meses após o crime(

     /este segundo processo foi possível perce&er $ue aviam depoimentos contraditórios

    narrando o mesmo fato, e $ue estes partiam de dois lugares diferentes nas relaç1es de

     parentesco $ue a vítima estava incluída( )s consang>neos da vítima \com e2ceção do

    filo $ue matou o pai^ tendiam a defende-lo, di*endo ser ele um &om omem, $ue

    sustentava a casa, e $ue tratava a todos muito &em( An$uanto os afins  criticavam-no

    di*endo ser um &ê&ado $ue não cola&orava nas despesas da casa e &atia na esposa(

    Durante a pes$uisa nos processos penais citada anteriormente, participei tam&ém

    da organi*ação e ela&oração do 'apa de =iolência do Astado de !anta #atarinaCR e de um

    levantamento de dados da Delegacia da 'uler de FlorianópolisCN so&re muleres vítimas

    de agress1es registrados nos @oletins de )corrência dos 4ltimos de* anos( /esta pes$uisa

    recoli dados so&re vítimas e agressores, e da relação entre eles, e os tipos de agress1es

    registradas(

    6anto na pes$uisa na delegacia, $uanto no caso do estudo de violência contra

    muler foi possível constatar $ue a maior parte dos casos em $ue as muleres sofreram

    algum ato violento, ocorreram dentro do lar e3ou o agressor fa*ia parte das relaç1es

    afetivas da$uela muler \iggers, CKKNa^( L comum muleres denunciarem nas delegacia

    agress1es perpetradas por seus e2-maridos, maridos, amantes ou namorados( Aste fato

    aponta para as violências $ue acontecem nas relaç1es familiares, principalmente entre o

    casal(

    ) resultado da an0lise destes $uatro tra&alos em $ue participei indicavam dois

    fatores a serem considerados em tra&alos posteriores: C( Mavia uma diferença de

     percepção da situação dependendo da posição na estrutura de parentesco $ue estavam os

    atores $ue se manifestavam no processo ( família e a rede de parentesco tem um papel

    importante na resolução dos casos de violência doméstica, se5a ela 5urídica ou não\iggers, CKKN&^(

    Astes tra&alos promoveram uma refle2ão so&re situaç1es de violência em $ue as

     pessoas envolvidas mantinam uma relação doméstico-familiar( #asos assim são

    denominados por muitos estudiosos e pelo senso comum de violência doméstica, e

     provocaram meu interesse em o&ter mais esclarecimentos so&re o assunto, principalmente

    com relação ao papel dos diferentes mem&ros da família nas situaç1es de violência(

    CR 6ra&alo ainda não concluído e desenvolvido no >a&oratório de Astudo das =iolências \>A=+!^ - "F!#,e $ue participei nas primeiras fases(CN Aste tra&alo foi encomendado pela professora Aleiet !afiotti(

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    Família em conflito

    #entro-me desta forma em um ponto pouco desenvolvido nos estudos so&re o tema: as

    relaç1es de parentesco permeadas pelas relaç1es de violência(

    O objeto da etnografia

    #omo meu interesse foi estudar formas de resolução de conflitos domésticos,

     &us$uei informação so&re situaç1es em $ue famílias necessitam intervenção estatal em

    decorrência de den4ncias deste tipo de violência( Fa*endo isso estaria englo&ando em

    mina pes$uisa famílias $ue são consideradas, nos órgãos governamentais $ue atuam nas

    0reas de residência de  grupos popularesCS, como o locus  de maior propensão deste

     pro&lema social( Pes$uisando a população indicada por estes agentes sociais eu estaria meapro2imando das famílias $ue provocam, com suas aç1es, as atuaç1es destes agentes(

    Depois de investigar nos diferentes órgãos a possi&ilidade de pes$uisar estas

    famílias, ceguei ao #onselo 6utelar - um órgão municipal respons0vel pela proteção dos

    direitos de crianças e adolescentes( Asta apro2imação aconteceu ainda na fase de definição

    do o&5eto da pes$uisa, $uando procurei informaç1es so&re violência doméstica no

    #onselo 6utelar de Florianópolis \#ontinente^, na intenção de tra&alar com famílias

    atendidas por essa instituição( )&tive a informação de $ue os casos atendidos por eles são

     principalmente os de processo de reconecimento de paternidade e de violência e3ou

    a&usos cometidos contra crianças e adolescentes, denunciados na maior parte das ve*es por 

     parentes ou vi*inos( !ão atendidas principalmente famílias muito po&res moradoras das

    favelas da cidade, caracteri*adas pelas conseleiras tutelares como Ufamílias carentesW(

    "ma conseleira tutelar me sugeriu $ue eu pes$uisasse as famílias residentes na

    UcomunidadeW #ico 'endes( Por ser este lugar, segundo os registros do próprio órgão,

    e2tremamente  problem?tico no $ue se refere a violência contra crianças, além de ser 

    considerada pelos agentes uma grande fornecedora de meninos de rua para o centro de

    FlorianópolisCT( catei a sugestão e delimitei mina pes$uisa %s famílias desta

    comunidade(

    #ico 'endes é uma UcomunidadeW em $ue residem prioritariamente camadas

    da população ur&ana de &ai2íssima renda, $ue como define Fonseca \CKTS^ em tra&aloCS ) termo grupos populares é usado para caracteri*ar uma população de &ai2íssima renda, $ue geralmentenão est0 inserida no mercado formal de tra&alo e $ue compartila valores e significados, e as formassim&ólicas em $ue se acam incorporados \6ompson, CKKT^(

    CT =er dissertação de

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    Família em conflito

    nas vilas de Porto legre, poderiam ser camados de su&-proletariado( Diferem de grupos

    oper0rios por viverem de &iscates e de tra&alos espor0dicos \os omens na construção

    civil e as muleres como fa2ineiras^, da mendic_ncia, de 5untar papelão e metais para

    reciclagem e da recuperação do li2o das casas mais a&astadas( !ão principalmente pessoas

    $ue na maior parte do tempo não estão incluídas no mercado formal de tra&alo(

    Geralmente rece&em muito pouco pelo seu tra&alo, o $ue cola&ora para viverem

     po&remente( 'as não é uma a&ordagem econYmica $ue pretendo, uma ve* $ue estou mais

    interessada no sistema sim&ólico $ue informa os modos de agir e pensar desta população(

    credito $ue e2iste um perigo em se tratar destas populaç1es 5ustificando todas as

    formas de vida pela falta de condiç1es econYmicas, de educação, de sa4de, ou ainda, de

     possi&ilidades de vida( Aste determinismo cega-nos para elementos $ue tem relação com o

     poder a$uisitivo mas $ue não são por ele determinados, uma ve* $ue estão relacionados

    com outros valores compartilados pelo grupo( M0 uma tendência no uso da denominação

    Upo&resW por autores como ]aluar \CKTK^ e !arti \CKKN^ de positivar o termo defendendo a

    não generali*ação do aspecto da UfaltaW como definidor do grupo( Alas referem-se aos

     po&res considerando $ue 0 uma parcela da população $ue vive com recursos financeiros

    escassos, $ue les imp1e condiç1es de vida onde muitas ve*es falta-les até mesmo o

    alimento di0rio, mas tam&ém $ue compartilam uma cultura própria, com valores e

    atitudes comuns( Desta forma, apesar de sofrerem privaç1es materiais, não são apenas as

    faltas $ue merecem ser salientadas, 50 $ue o econYmico não define por si só a cultura, e

    falta de dineiro não significa falta de cultura(

    ssim, esta população pode ser caracteri*ada como  grupos populares urbanos

     por$ue e2istem em forma de grupo e se pode detectar aspectos de uma cultura própria $ue

    informa os comportamentos e esta&elece uma rede de significados \Fonseca, CKKR^( ) fato

    das famílias po&res residirem concentradas em uma localidade delimitada e formarem uma

    rede de relaç1es esta&elecidas, com uma sociali*ação $ue ocorre tam&ém em espaço p4&lico da favela, possi&ilitou meu tra&alo de campo semelante a uma etnografia

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    Família em conflito

    cl0ssica, em $ue o pes$uisador via5a até a Utri&oW a ser estudada, convive com o grupo e

    fa* uma descrição densa das atitudes e significadosCK \Geert*, CKTK^(

    A2iste uma especificidade do grupo por mim pes$uisado $ue se distingue dos

    estudados por diferentes autores $ue tratam de populaç1es de &ai2a renda.( facilidade da

    conversa esta&elecida na rua e nas casas com os moradores, $ue é citada em diversos

    tra&alos, não ocorre na #ico 'endes( 'uitas pessoas recusam-se a manter uma

    conversação com pessoas $ue não são moradores do lugar, se5a na rua ou na porta de sua

    casa( 'as as conversas entre os moradores do &airro são comuns e fre$Zentemente

    acontecem nas casas e nos &ecos e %s portas a&ertas( Astas conversas, mesmo $ue se5am na

    maior parte das ve*es restritas aos conecidos, remetem a um reconecimento pelos

    moradores do lugar de uma maneira de viver receada de um con5unto de valores, $ue não

    é a$uele do modelo dominante, mas $ue é compartilado pelo grupo(

    o definir esta população como  grupos populares urbanos  não pretendo uma

    omogenei*ação e muito menos um isolamento dos sistemas sim&ólicos destes grupos( L

     perceptível $ue as pessoas moradoras da #ico 'endes compartilam elementos

    sim&ólicos com as pessoas do lugar onde moram C, e ao mesmo tempo estão em contato

    com os referenciais da sociedade comple2a( Ales transitam entre o tradicional e o moderno

    e destes dois universos &uscam elementos para significar seu próprio universo ( ssim,

    falar em  grupos populares nos remete % uma idéia mais a&rangente do $ue classe ou

    camada, uma ve* $ue estas fa*em referência a um estrato social particular definido ou em

    relação ao mundo do tra&alo ou pela categori*ação determinada por uma lógica social

    egemYnica(

    A por fim, é importante lem&rar $ue o fato do conceito grupos populares estar no

     plural remete-nos % eterogeneidade das diferentes com&inaç1es de valores $ue comp1e os

    recortes dos grupos e implica pensarmos na e2istência de aspectos políticos, econYmicos e

    CK Geert* distingue os conceitos Upró2imos da e2periênciaW e Udistantes da e2periênciaW, sendo $ue com os primeiros é $ue se pode cegar %s concepç1es nativas, dei2ando as nossas de lado( 'arcus e Fiscer \CKTN^$uestionam o método desta antropologia interpretativa defendida por Geert*, di*endo $ue ainda é umainterpretação do antropólogo( !ugerem uma nova maneira de relatar os escritos etnogr0ficos, tirando oantropólogo do centro da $uestão( #lifford \CKTT^, tam&ém preocupado com a autoridade do etnógrafo,

     prop1em uma postura dialógica no tra&alo de campo, $ue consiste em dar UouvidosW %s diversas vo*es $uese apresentam $uando o pes$uisador fa* seu tra&alo, tirando das mãos do etnólogo a UautoriaW do tra&alo(uero dei2ar claro $ue neste tra&alo, apesar de conecer as $uest1es colocadas por 'arcus, Fiscer e#lifford, optei por me &asear em Geert*(. Para maiores esclarecimentos ver >andes \CKNS^, Fonseca \CKTK,CKKR^, ]aluar \CKKH^, !arti \CKKN ,̂

    =íctora \CKKT^, Bardim \CKKT^, Paim \CKKT^(C ue poderia ser comparado ao conceito de peda&o ela&orado por 'agnani, CKKT(  =er 'agnani, U/a 'etrópoleW, CKKN(

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    Família em conflito

    de crenças informados por valores específicos( o mesmo tempo $ue estes grupos não se

    encontram isolados do conte2to social mais amplo, tam&ém não estão dissolvidos nele(

    Da57s s7

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    Família em conflito

    ) terreno é relativamente plano, com algumas inclinaç1es em determinados

    lugares, e foi dividido em pe$uenos lotes onde foram construídas casas de diferentes

    materiais( /a maioria das casas 0 uma pe$uena 0rea de terreno onde não 0 nada

    construído( L uma espécie de $uintal onde são estendidas as roupas e onde são guardados

    os materiais recolidos nas ruas para serem vendidos, como ferros, papelão, latinas( Am

    uma conversa com uma adolescente ela me e2plicou uma outra utilidade destes $uintais(

    Disse $ue $uando 0 U&atida policialW na UfavelaW as pessoas correm para dentro dos

    $uintais, por $ue as agress1es ou morte sofridas pelos policiais dentro da residência - e os

    $uintais estão incluídos - são, ou podem ser, consideradas legítima defesa, principalmente

    se estas U&atidasW acontecerem durante a noite( ssim, segundo ela, a polícia não entra nos

    $uintais por medo de sofrerem agress1es físicas( Ales servem assim, como uma proteção

     para os moradores contra a polícia(

    )s lotes servem, algumas ve*es, a mais de uma família nuclear tornando os

     parentes, principalmente os irmãos, vi*inos( 'as o propriet0rio da casa tem toda

    li&erdade de vendê-la( ssim, podemos encontrar imóveis $ue foram inicialmente

    divididos entre os irmãos casados e com filos, estarem sendo a&itados por pessoas sem

    relação de parentesco( Astes imóveis são casas em $ue foram fecadas as portas internas e

    a&ertas portas para a rua, formando-se assim uma nova residência( !egundo uma

    informante, moram na #ico 'endes apro2imadamente ... mil famílias(

    A2istem muitas casas construídas com restos de madeira, pl0stico e material recolido no

    li2o, e algumas delas muito mal alicerçadas, com perigo de caírem a $ual$uer momento,

     por estarem podres as madeiras $ue as sustentam(

     @oto da cas da alita

    Podemos encontrar casas de alvenaria de dois andares, concluídas e pintadas, ao

    lado de outras de madeira muito velas e $uase caindo( 6odas as casas $ue eu conecitinam &aneiro com um vaso sanit0rio e uma pia( Am muitas casas 0 apenas um &uraco

    na parede onde dever0 ser, um dia, instalado um cuveiro( credito $ue estes &aneiros

    foram construídos durante a o&ra de instalação de esgoto( #!/ R além do esgoto

    levou 0gua tratada %s casas da #ico 'endes( )utra característica da comunidade é o fato

    de aver energia elétrica em todas as casas, providas pela #A>A!#N,  não se fa*endo

    R #ompania de ;gua e !aneamento de !anta #atarina(N #ompania de Anergia Alétrica de !#(

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    Família em conflito

    necess0rio o uso de ligaç1es clandestinas( pesar das casas contarem com energia elétrica,

    os caminos não foram iluminados(

    Para uma tentativa de descrição da #ico 'endes não é possível dei2ar de lado o

    UcampinoW( Aste é o lugar onde as UcoisasW acontecem e poderia ser considerado o

     peda&o  \'agnani, CKKT^( L um espaço no meio da comunidade onde não foram

    construídas casas( #onstruíram, com a5uda financeira da prefeitura dois campos de fute&ol

    com cão de areia, um ao lado do outro, cercados cada um, com um muro de

    apro2imadamente um metro de altura e com duas entradas laterais( Ale marca a fronteira

    entre a comunidade /ossa !enora da Glória e a #ico 'endes, a primeira fica ao norte

    do UcampinoW e num nível mais elevado do terreno( ssim, em um dos lados 0 um

     &arranco de apro2imadamente metros, e deste podemos ter uma visão ampla do lugar(

     @oto do campin!o

    ) cão em volta do campino é de &arro como o das ruas $ue ligam o meio da

    comunidade #ico 'endes com o asfalto da @< T( uando cove, o lugar fica muito

    enlameado, por ser completamente plano e a 0gua não ter para onde escorrer( Aste lugar ou

    tem ceiro de terra molada ou de poeira levantada pelo vento(

     /este lugar as crianças &rincam, 5ogam &ola, correm soltas( L ali tam&ém $ue foi

    colocado um conteiner  da #)'#PS, o $ual é recolido três ve*es por semana todo o

    li2o 5ogado pelos moradores( lgumas ve*es a diversão da criançada é revirar o enorme

    latão de li2o, e por duas ve*es eu vi $ue 5ogaram neste lugar roupas e sapatos velos, $ue

    foram recolidos pelas crianças em meio a muitos risos(

    L neste espaço $ue em certos dias os traficantes aglomeram-se e é possível ver 

    carros su&indo pelas ruas $ue dão acesso ao UcampinoW( !ão compradores das drogas

    vendidas e muitas ve*es consumidas a&ertamente nos &ecos( 6am&ém é ali $ue durante a

    noite os adolescentes re4nem-se para tocar violão e cantar( A nos dias de sol as muleresconversam sentadas no muro( Foi graças a este espaço apropriado para a pr0tica de esporte,

    $ue as moças do lugar resolveram fa*er um time de fute&ol feminino, $ue no ano de CKKK

    estava treinando com empolgação(

    Aste é um espaço de sociali*ação da comunidade além de marcar fronteiras

    internas( >aura, uma adolescente moradora do lugar, me disse $ue os meninos ficam

     &rincando por ali todos 5untos, U$uando crescem não se largam mais, se depois de

    crescidos um vai ser &andido todos vão ser tam&émW(S #)'#P é a compania de recolimento de li2o e saneamento da #apital(

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    ANEOS

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    Chi67 Men5es fa8ela 7u 67muni5a5eF

     /a descrição feita até agora perce&e-se $ue para referir-se ao lugar com termos

    outros $ue não o próprio nome U#ico 'endesW, foram usados dois termos: comunidade e

    favela( De acordo com o Dicion0rio urélio da língua portuguesa comunidade é

    U$ualidade ou estado do $ue é comum, comunão o corpo social a sociedade

    $ual$uer grupo social cu5os mem&ros a&itam uma região determinada, têm um

    mesmo governo e estão irmanados por uma mesma erança cultural e istórica

    $ual$uer con5unto populacional considerado como um todo, em virtude de

    aspectos geogr0ficos, econYmicos e3ou culturais comuns ou ainda um agrupamento

    $ue se caracteri*a por forte coesão &aseada no consenso espont_neo dos

    indivíduos concord_ncia, conformidade, identidadeW \urélio, CKTN^(

    !egundo a mesma fonte, o termo favela significa: Ucon5unto de a&itaç1es

     populares toscamente construídas e desprovidas de recursos igiênicosW( /a opinião de

    ]aluar e lvito \CKKT^

    Ua favela ficou tam&ém registrada oficialmente como a 0rea de a&itaç1es

    irregularmente construídas, sem arruamentos, sem plano ur&ano, sem esgoto, sem

    0gua, sem lu*( Dessa precariedade ur&ana, resultado da po&re*a de seus a&itantes

    e do descaso do poder p4&lico, surgiram as imagens $ue fi*eram da favela o lugar 

    da carência, da falta, do va*io a ser preencido pelos sentimentos umanit0rios, do

     perigo a ser erradicado pelas estratégias políticas $ue fi*eram do favelado um &ode

    e2piatório dos pro&lemas da cidadeW \]aluar e lvito, CKKT:S^(

     

    ) termo favela é usado informalmente pelos adolescentes e alguns outros

    moradores, $uando remetem-se negativamente ao lugar onde moram ou % sua posição

    social, $uando di*em serem UfaveladosW(

    Falam em UcomunidadeW os moradores $ue participam ativamente de

    reivindicaç1es políticas $ue interferem na vida da$uela população( ) sentido de

    comunidade $ue mo&ili*a as aç1es políticas destas pessoas est0 relacionado com uma

     possi&ilidade de se pensar nos moradores da #ico 'endes como um con5unto $ue

    compartila modos de vida( 6am&ém referem-se ao lugar em termos de UcomunidadeW osdiferentes agentes sociais $ue atuam na 0rea, entre estes estão os conseleiros tutelares e as

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    assistentes sociais da prefeitura( Aste mesmo termo pode ser encontrado tam&ém no

    relatório feito pelo +nstituto de Plane5amento "r&ano de Florianópolis \+P"F^ em CKK, do

    UPerfil das #omunidade #arentes de FlorianópolisW $ue, como o próprio nome di*,

    referem-se %s comunidades carentes do município( /este podemos perce&er noção de $ue

    no lugar todos são mais ou menos iguais na carência geral de diversos &ens materiais, e

    esta noção é geralmente compartilada por agentes sociais $ue intervêm na região(

     /os dados contidos no relatório do +P"F é possível apontar para uma percepção

    dos limites espaciais diferente da$uele $ue vigora entre a população estudada: os limites

    espaciais reconecidos pelo órgão estatal são a$ueles com as ruas da cidade, en$uanto $ue

     para o grupo de moradores e2istem limites internos $ue definem comunidades diferentes(

    L possível di*er $ue ouve por parte dos respons0veis pela ela&oração do relatório do

    +P"F um interesse em definir e delimitar a 0rea de a&itação da população po&re % um

    território específicoT( Definir o lugar de residência desta população poderia tornar mais

    f0cil para aç1es governamentais de Ucom&ate a po&re*aW direcionadas a um espaço físico

    definido( ) fato dos limites internos da favela não serem e2plicitados me leva a pensar em

    dois pontos com relação ao tra&alo de levantamento de dados $ue resultou no relatório(

    Am primeiro lugar acredito não ter avido contato prolongado com a população do lugar 

     para se perce&er os limites internos( !egundo, estes limites não importam realmente, na

    medida $ue são agrupados como pertencentes a mesma categoria: população carente(

    Podemos concluir disto $ue estes agentes sociais estão UconstruindoW um foco de

     pro&lema social delimitado territorialmente, e este caracteri*a-se por ser um discurso

    legítimo $ue define a po&re*a pelas faltas, entre elas a falta de organi*ação espacial das

    residências( Podemos tomar esta atitude como uma continuidade ao movimento $ue

    iniciou-se no @rasil, 50 no século passado de igieni*ação das cidades e a transferência da

     população po&re para 0reas distantes das 0reas centrais, formando as periferias(

    !oiet \CKKS CKTK^K  demarca os anos de CTK.-CK. como a$ueles em $uedespontaram a moderni*ação e igieni*ação do país pelos grupos ascendentes,

     preocupados $ue estavam em tornar civili*ados os 0&itos das metrópoles( autora aponta

    como a causa deste movimento a passagem do tra&alo compulsório para o tra&alo livre,

    $uando fe*-se necess0rio tomar medidas para ade$uar omens e muleres dos segmentos

     populares ao novo estado das coisas( Mo5e este e2ercício de delimitar territorialmente o

    lugar da população mais miser0vel da nossa sociedade pode ser perce&ido no tratamento

    T =er ane2o na foto aérea do &airro como a organi*ação das construç1es na #ico 'endes diferenciam-nodas outras residências pró2imas(K Dou*elot, em Polícia das Famílias levanta a mesma $uestão, tratando da França(

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    Família em conflito

    dispensado pelos órgãos municipais respons0veis pelo plane5amento ur&ano, $ue fa*em os

     pro&lemas sociais relacionados a este grupo específico, como o tr0fico, a su5eira, a miséria,

    a violência, ficarem restritos a esta população e ao local onde moram( o menos no

    imagin0rio do senso comum é a UfavelaW $ue detém o estigma da po&re*a-miséria-

    violência.(

     A construção do problema da pesquisa

    s conseleiras tutelares de Florianópolis são principalmente muleres \em CKKK

    avia apenas um omem no cargo de conseleiro tutelar^ com formação universit0ria em

    Psicologia ou !erviço !ocial( Alas partem de um lugar &em específico no trato dos pro&lemas sociais advindos de situação de violência( Fa*em parte da população $ue

    rece&eu instrução de terceiro grau e cursos de especiali*ação na 0rea da violência contra

    crianças, e desta forma compartilam valores desenvolvidos na classe média C( Astes

    valores estão relacionados com a$ueles caracteri*ados como o discurso oficial so&re

    violência(

    A2iste uma diferença de valores $ue informam a percepção do $ue se5a violência

    entre outras coisas, para estes agentes sociais e para os grupos populares ur&anos, e talve*

    isto se5a um fator determinante da dificuldade e2pressada por uma delas, e $ue me

    incitaram algumas $uest1es $ue vinam ao encontro de meus estudos anteriores so&re

    violência( Foi-me e2plicado $ue a maior dificuldade $ue as conseleiras tutelares vinam

    se deparando era a de conscienti*ar as famílias das UcomunidadesW mais UcarentesW da

    região de $ue muitas de suas atitudes são 8i7l9n6ia, sendo necess0rio $ue fossem

    ministrados cursos e palestras so&re o assunto( /esta afirmação ficou claro $ue as pessoas

    destas Ucomunidades carentesW não compartilam com as conseleiras tutelares do mesmo

    entendimento do conceito de violência, partindo de pontos de vista, de vivências, de

    famílias, de vida, diferentes(

    o e2pressarem a dificuldade em fa*er as famílias carentes entenderem $ue suas

    atitudes são violência, perce&i $ue as conseleiras tutelares consideravam $ue estes grupos

     populares tinam uma percepção errada dos seus próprios atos( Alas partiam do princípio

    de $ue les faltava discernimento para perce&erem suas próprias atitudes como violência(

    . =er #una \CKKN^ em te2to $ue a autora levanta cinco formas de se perce&er as favelas do

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    Família em conflito

    Astas idéias me levaram a procurar compreender melor as populaç1es alvo de programas

    de com&ate % violência doméstica, principalmente no $ue se refere %s suas formas de

    resolução de conflito, se5am elas violentas ou não( Por$ue se muitas de suas atitudes não

    são entendidas, por eles próprios, como violência \da mesma forma como as conseleiras

    tutelares a entendem^, o $ue é violência para estas famílias carentes de FlorianópolisV Por 

    $ue e2istem diferentes entendimentos do $ue se5a violênciaV ual a lógica $ue est0

    informando os comportamentos destes gruposV

    Desta forma, o $ue pretendo com este tra&alo est0 relacionado com dois pontos 50

    levantados: família3 parentesco e entendimentos diferenciados do $ue se5a violência(

     proposta é de ampliar as fronteiras das relaç1es omem3 muler, geralmente esta&elecida

    nos estudos de violência contra muler, e nas de pais3 filos nos estudos de violência

    contra crianças e adolescentes, e centrar a atenção nas outras relaç1es presentes e atuantes

    nos conflitos domésticos( Pretendo, assim, com a an0lise das relaç1es de parentesco,

    ampliar o foco dos atores sociais em cena nos momentos de conflito, a&rindo a

     possi&ilidade de ressaltar os aspectos constituidores da própria relação( /este caso, cada

     posição no sistema de parentesco define uma atri&uição na promoção e na resolução do

    conflito( /ão é mina intenção discutir ou minimi*ar os efeitos pessoais e sociais das

    situaç1es de violência, mas sim, propor uma forma outra de perce&er o pro&lema $ue não

    a$uela 50 amplamente divulgada e $ue é carregada de valores, ou é &om ou ruim(

     /esta dissertação o&5etivo analisar o papel dos elos de parentesco no con5unto de

    relaç1es de violência doméstica vivenciadas por um grupo de famílias da comunidade

    #ico 'endes( A para isso recorro % descrição de uma série de processos de tensão e

    conflito através do relato de seus protagonistas, delimitando dentro destes relatos o $ue é

    considerado violência doméstica( /este sentido são tra*idos a tona as categorias relativas a

     parentesco colocadas em cena nos relatos e delimitado $ual o papel destas relaç1es na

    geração do conflito e3ou na sua resolução(pesar dos tra&alos com grupos ur&anos privilegiarem os estudos de família, eu

    optei neste tra&alo por uma a&ordagem das relaç1es de parentesco ao estudar as famílias

    da #ico 'endes( +sto por$ue o parentesco caracteri*a-se &asicamente pela forma de

    com&inação das relaç1es, e durante os conflitos domésticos diferentes relaç1es de

     parentesco foram acionadas, e2trapolando o universo da$uilo $ue se considera família(

    Duran \CKT^ e2plica a distinção entre os estudos de família e de parentesco,

    argumentando $ue o sistema de parentesco é considerado fundamentalmente um artefato

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    Família em conflito

    intelectual e cultural, na medida $ue não é uma estrutura sólida, material, mas é comum a

    todas as sociedades(

    U) $ue caracteri*a &asicamente um sistema de parentesco não é o conte4do

    das relaç1es $ue se esta&elecem através dele, mas a forma da com&inação

    dessas relaç1es( /este sentido os sistemas de parentesco constituem

     propriamente uma linguagem, e sistemas semelantes podem ser encontrados

    em sociedades economicamente muito diversas e, inclusive em tipos de

    famílias diferentesW \Duran, CKT:-^(

     

    Por isso, o parentesco não pode ser conce&ido como uma e2tensão dos laços

    familiares, sendo, ao contr0rio, um pressuposto, $ue é manipulado na constituição dos

    grupos $ue podemos denominar famílias( família, por sua ve*, é pensada como um

    sistema real, concreto, palp0vel, em $ue as propriedades materiais e as relaç1es de poder 

    entre seus mem&ros servem para defini-la( 'ina pes$uisa de campo levou-me muito mais

    %s formas como as relaç1es se com&inavam, e assim, optei pelo parentesco(

    Para $ue esta an0lise fosse possível foi necess0rio um convívio cotidiano 5unto a

    algumas famílias da #ico 'endes( Para tal, fui recomendada por uma conseleira tutelar 

    a procurar um morador da comunidade, envolvido em aç1es comunit0rias, $ue poderia me

    a5udar, apresentando-me algumas famílias(

    Minha inser@7 em 6am:7

    s conseleiras tutelares $ue procurei inicialmente me indicaram D0rio,   um

    morador da comunidade $ue se dedica a tra&alos sociais, como um possível contato para

    o início de meu tra&alo( Ale reside em uma casa comunit0ria camada U#entro de

    tividades #omunit0rias #ico 'endesW, em $ue residem outras cinco pessoas e por onde

    circulam outros tantos moradores da comunidade, principalmente adolescentes( L neste

    local $ue são desenvolvidas atividades como aula de teatro, artesanato, tapeçaria, pintura,

     &em como os encontros da cate$uese e da crisma(

    lém disto, esta casa é sede de uma )/G $ue tem como atividade principal o

     pro5eto 6ecendo =ida( D0rio é o coordenador deste pro5eto $ue tra&ala com . famílias da

    comunidade( 6rês educadoras fa*em visitas domiciliares di0rias, além de serem

     6odos os informantes tiveram seus nomes trocados, passando a serem tratados por nomes fictícios(

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    Família em conflito

     promovidos encontros $uin*enais com as famílias atendidas para conversar so&re diversos

    temas, entre eles a família, os pro&lemas com as crianças, tra&alo, li2o e violência

    doméstica( /as visitas as educadoras conversam muito com as famílias, procuram ouvir os

     pro&lemas vivenciados e &uscam fa*ê-las assumirem os cuidados e responsa&ilidades com

    relação a si próprios e principalmente com as crianças e adolescentes da família( lém

    disso, 0 a distri&uição mensal de uma cesta &0sica para cada família atendida pelo pro5eto(

    Am março, no início do meu tra&alo de campo, encontrei-me com D0rio na casa

    dele e apresentei a mina proposta de tra&alo no mestrado, pedindo a5uda a ele para

    iniciar a pes$uisa( Ale ouviu sem comentar e me convidou para caminarmos pela

    comunidade( Durante o tra5eto D0rio conversou com muita gente, apresentando- me as

     pessoas( 'uitas crianças o a&ordavam, falavam so&re a escola e a família( Au falei pouco,

    o&servei as coisas e as pessoas e sorri muito( Astava procurando ficar % vontade(

     /este mesmo dia encontramos uma professora da "F!# $ue avia levado sete de

    suas alunas para uma visita % comunidade( Duas delas entraram no $uintal de uma casa em

    $ue avia uma 5ovem senora com epatite e fi*eram muitas perguntas so&re ervas $ue ela

    tina no $uintal, en$uanto as outras ficaram esperando na servidão, olando( Fran*iam o

    ceno ao verem suas colegas me2erem nas plantas e o&5etos 5ogados pelo $uintal, comiam

    e ofereciam &olacas %s pessoas( lguns rapa*es $ue estavam sentados em uma escada

     pró2ima, gritavam $ue elas precisavam ir na casa deles e les fa*iam propostas se2uais,

    di*endo: Unão $uero comer &olaca, $uero o teu &iscoito( =em c0 $ue eu vou te comer(

    =ocês tão precisando de pauW( Au e D0rio seguimos o camino e $uando passei por eles eu

    sorri e fi* um gesto com a ca&eça em forma de cumprimento, sem me intimidar com as

     palavras proferidas, todos me olaram e um deles riu para mim, cumprimentando-me(

    Depois, $uando 50 est0vamos voltando D0rio comentou o comportamento das

    Umoças da universidadeW, e 5ustificou as palavras usadas pelos moços do camino di*endo

    $ue eles fa*iam isso para intimid0-las Upor$ue ficavam muito &ra&os com a forma $ue elasse apro2imavam: parecia $ue tinam no5oW( !enti $ue a forma como me portei na$uela

    situação e depois 5unto das famílias, foi o&servado, e de certa forma foi aprovado( Passei

    assim, por uma espécie de rito de passagem em $ue rece&i aprovação do D0rio, e $uando

    voltamos para sua casa disse para eu voltar em dois dias para ser apresentada %s

    educadoras do pro5eto e, tam&ém, aos moradores do lugar( Foi D0rio $uem me apresentou

    algumas muleres moradoras do lugar, entre elas Franci, Dalva e #leo, as educadoras do

     pro5eto 6ecendo =ida, $ue me acompanaram em minas primeiras visitas ao lugar da pes$uisa(

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    Família em conflito

     /ão seria e2agerado di*er $ue a forma de contato $ue esta&eleci com as famílias

     pes$uisadas foi marcada por este rito de passagem( Durante mina pes$uisa de campo, em

    minas conversas com as pessoas, pertencentes ao universo de mina pes$uisa, eu sentava

    no cão do U&ecoW se todos estivessem ali reunidos, entrava nas casas, tomava café e

    cimarrão se me ofereciam( !entava nas camas, muitas ve*es 4midas com a urina das

    crianças $ue dormiam ali amontoadas, por ser geralmente este o 4nico lugar para sentar(

    Am minas visitas iniciais eu fi$uei muito tempo calada( Antrava nas casas,

    cumprimentava a dona da casa e dei2ava $ue Dalva fi*esse as perguntas $ue $ueria, ou

    conversasse com elas( >imitava-me a sorrir e o&servar tudo em torno de mim, algumas

    ve*es fa*ia uma pergunta so&re as crianças e os parentes, 50 $ue em pouco tempo eu teria

    $ue fa*er minas visitas so*ina e seria preciso identificar as crianças e outros moradores

    de cada casa(

    Depois de 50 mais familiari*ada com as pessoas passei a fa*er so*ina meu tra&alo

    de cegar nas casas ou nos grupos reunidos na rua e pu2ar conversa, ou algumas ve*es só

    ouvir a$uela $ue 50 estava acontecendo( 'eu contato com os omens das casas foi restrito

    e intermediado pelas esposas( !omente depois de muita conversa com elas é $ue, em

    algumas casas, pude conversar tam&ém com os maridos, e principalmente entrar nas casas

    $uando estes tam&ém l0 estavam( Por$ue a mina conversa acontecia geralmente com as

    muleres, em primeiro lugar por$ue referir-se %s famílias da #ico 'endes re$uer 

    necessariamente $ue se fale das3com as muleres( !ão os seus primeiros nomes $ue são

    usados para caracteri*ar uma família nuclear( A além disso, eu era uma pes$uisadora

    muler, e o universo a $ual eu tive acesso mais facilitado foi o feminino (

    pes$uisa foi feita principalmente no período vespertino por $ue durante a manã,

     principalmente no inverno, a maioria das pessoas \os $ue podem por não terem tra&alo

    com ora marcada^ dormem até tarde( >ogo depois de acordar os omens saem para

    tra&alar e as muleres, ou saem para providenciar a refeição do dia, ou estão muitoocupadas nos afa*eres domésticos( ssim, $uando mina visita era neste período, elas

    evitavam me dar atenção, demonstrando algumas ve*es $ue eu estava atrapalando(

    Durante as tardes, algumas ve*es os maridos continuam na rua tra&alando, $ue

     pode ser na própria comunidade, algumas ve*es ficam pelos &ecos conversando em grupo

     )s integrantes do pro5eto 6ecendo =ida durante meu tra&alo de campo estavam discutindo em umareunião so&re a escola de outra educadora, 50 $ue uma delas saiu do pro5eto( Franci propYs $ue seescolesse um omem, 50 $ue elas como muleres tinam difícil acesso aos omens das famílias estudadas(

    Franci alega $ue omem pode falar melor com omem( ssim, penso $ue mina dificuldade em conversar com os omens não é uma e2clusividade da mina pes$uisa, $ue foi feita em apenas sete meses, mas umacaracterística da divisão de papéis de gênero(

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    Família em conflito

    de omens, 5ogando &olica, ou ainda, sentam-se nos &ares para tomar cacaça( s

    muleres aproveitam o tempo para lavar a roupa, &uscar lena, mendigar, conversar com

    as vi*inas, ou visitar os parentes( Foi durante estes períodos $ue pude cegar nas casas,

    sentar na roda de conversa, escut0-las e fa*er minas perguntas so&re diversos assuntos

    cotidianos( @uscava sa&er principalmente so&re suas relaç1es de parentesco, a istória de

    suas vidas, $uantos irmãos tinam, 0 $uanto tempo eram casados, $uantos filos, &em

    como so&re os conflitos familiares, agress1es entre parentes e entre vi*inos(

    L &astante recorrente o fato de marido e muler fre$Zentarem a casa em momentos

    diferentes do dia, com e2ceção do período noturno, mas depois de $uase um mês de

    minas primeiras visitas tive acesso a uma roda de conversa no &eco onde mora a família

    de #reonice, em $ue os maridos participavam( /este dia eu fui UtestadaW, 50 $ue o marido

    de #reonice resolveu se insinuar para mim( !orrindo com a &oca faltando dentes na frente,

    ele di*ia $ue sua muler estava muito vela e $ue estava na ora de troc0-la por outra, ao

    mesmo tempo $ue me convidava para ficar toda a noite ali sentada conversando com ele(

    Au sorri da mesma forma $ue estava sorrindo antes, evitei mudar mina e2pressão, e disse

    $ue minas filas estavam me esperando em casa, e este era um motivo muito forte para

    não continuar conversando tam&ém durante a noite( !enti muito medo de #reonice ficar 

    enciumada e cortar minas visitas % sua casa, mas aco $ue ela gostou de mina resposta,

     por$ue sorriu para mim e continuou a conversa, e não me vetou nos encontros

    su&se$uentes(

    Aste comportamento não foi e2clusivo do marido de #reonice, outros omens de

    outras casas e nas ruas tam&ém me UcantavamW insinuando propostas se2uais, camando

    de UgostosaW, olando nos olos com um sorriso de canto de l0&ios passavam a mão no

     pênis, convidavam-me para entrar em suas casas( Depois de dois meses visitando as

    famílias isto dei2ou de acontecer, e meu contato com os maridos foi maior, mas sempre

    com a presença da esposa( uando elas não estavam eu evitava ficar, para $ue nãoouvesse ci4mes por parte delas com relação % mina presença, e conse$uentemente,

    minas visitas fossem proi&idas, o $ue feli*mente não aconteceu(

    !o&re a mina relação com a população masculina da comunidade 0 um ponto

    $ue merece ser ressaltado por apontar especificidade do lugar e remeter a alguns elementos

    importantes a serem considerados na entrada em campo( Di* respeito aos adolescentes

    omens, mas tam&ém a aceitação da mina presença pelos moradores da #ico 'endes(

    Desde o início da pes$uisa eu intuía $ue a aceitação dos adolescentes omens dolugar era muito importante( Ales aglomeram-se em pontos estratégicos do camino,

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    Família em conflito

    fumando e conversando( )lam com olar de desafio, $ue muitas ve*es me provocava

    medo( A mina estratégia de passar por eles era não olar nos olos de nenum, a menos

    $ue eu 50 tivesse sido apresentada a algum deles em alguma casa, aí sim, olava para este

    rapa* e o cumprimentava( +sto me dava uma sensação de segurança(

    Aste medo não é infundado( "m certo dia duas irmãs de sete e de* anos, filas de

    uma das minas informante, resolveram andar pela comunidade comigo( Fomos em um

    lugar $ue elas não costumavam circular( muler $ue eu procurava não estava em casa,

     &em como suas vi*inas, resolvi voltar e as meninas voltaram comigo( uando est0vamos

     passando em uma parte do &eco em $ue 0 casas dos dois lados do camino dois omens

     5ovens vieram andando atr0s de nós( uando as meninas sentiram a presença dos omens,

    olaram para tr0s e $uando viram $ue não eram conecidos, apro2imaram-se de mim(

    mais moça cegou a agarrar-se ao meu casaco, ficando com o corpo colado ao meu( Fi$uei

    com medo( #omecei a andar mais devagar para o&rig0-los a passar por nós( uando eles se

    apro2imaram nos retraímos, dando espaço no camino para permitir a passagem( Ales

    foram em&ora e nós rela2amos e nos espalamos na passagem do &eco, ocupando todo o

    espaço e respirando aliviadas( menina soltou mina &lusa(

    #omo 50 foi colocado, no início eu apenas intuía o perigo $ue estes meninos

     podiam representar( !ó &em mais tarde em uma conversa com uma moradora do lugar, foi-

    me dada uma informação e2plícita do papel $ue estes moços desempenam na

    UcomunidadeW( Am uma reunião da associação de moradores uma das participantes falava

    das suas visitas $ue aviam aca&ado de ir em&ora, di*ia $ue sua cunada sentia medo de

    le visitar, por$ue ela morava em uma favela( !eu pai e uma outra muler, #arina, $ue

    estavam na reunião comentaram $ue isso era Uuma &o&agem, por $ue se não me2er com

    eles, eles não me2em com a genteW( Au perguntei: Ueles $uemVW ao $ual me responderam:

    Uos meninos da maconaW( #omo minas perguntas $ue&ravam o ritmo da conversa, fi$uei

    calada ouvindo( #ontinuaram di*endo $ue Uperigoso é se tem alguém de foraW( #arinacontou $ue outro dia ela voltava do tra&alo por volta das :.. oras e entrou por um

     &eco $ue nunca utili*ava como camino para casa( Disse $ue vina andando e sentiu uma

     presença de uns moços atr0s dela( /ão virou para olar mas perce&eu $ue eram três,

    apertou o passo e eles tam&ém andaram mais r0pido( #ontinuou di*endo $ue ficou com

    medo, principalmente por$ue avia rece&ido seu sal0rio $ue estava todo dentro da &olsa(

    Ala contou $ue entrou em uma entrada do &eco e l0 estavam uns rapa*es do lugar e um

    deles colocou os moços $ue a seguiam para correr di*endo: Unão me2e com a muler $ueela é da nossa 0reaW( #arina di*ia $ue U$uem defendeu era um dos nossos da$uiW(

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    Família em conflito

    conversa continuou so&re olar ou não para tr0s $uando se perce&e estar sendo seguida, e

    eles tinam opini1es diferentes( #oncluí $ue o pertencimento ao grupo evita maiores

     pro&lemas com os rapa*es(

    Am uma conversa com um adolescente morador do lugar o&tive mais e2plicaç1es

    so&re o papel $ue estes adolescentes desempenam na comunidade( alter contou $ue o

    seu tio vai morar em uma casa onde tem uma escada $ue é um ponto em $ue os meninos

    fumam macona( ) coment0rio de alter foi: Uele vai ficar capado só com o ceiroW( Au

     perguntei: os meninos sempre fumam macona l0( Por$ueV

    : Upor $ue l0 polícia não vaiW(

    Au: Upor$ueVW

    : Upor $ue l0 é perigoso para a polícia( /o &eco a polícia nunca entraW

    Au: Upor$ueVW

    (: Uos meninos ficam l0 e sempre tem uns na entrada, cuidando( !e a polícia entrar leva

     pedra ou cum&o( )utro dia eu tava de noite no campino sem documento, a polícia

    cegou, eu corri pro &uraco X l0 é camado de &uraco por $ue $uando a gente ola de fora,

    l0 fa* &em um &uraco, assim, ó X a polícia veio até um pedaço, mas l0 ela não entra(

     /unca(W

    Au: Umas eu não teno medo de ir l0( Por $ueVW

    (: Umas tu não é políciaW(

     /este momento me foi e2plicitado $ue os moços controlam os acessos aos

    diferentes espaços da UcomunidadeW, eles cumprem assim função de polícia( !ão eles $ue

     5ulgam $uem entra ou não nos &ecos e em $ue or0rios isto é possível( Antendi $ue meu

    acesso irrestrito aos diferentes espaços do lugar foi aprovado por estes moçosH( A isto est0

    relacionado com o comportamento e a postura $ue assumi ao fa*ê-lo( Antrar nos &ecos sem

    o aval dos moradores, principalmente dos adolescentes omens, é, senão, impossível, ao

    menos, muito difícil( 6er sido aprovada pelos integrantes do pro5eto 6ecendo =ida e pelosmoradores possi&ilitou, além de mina r0pida entrada em campo, um sentimento de

    segurança $uando transito pelas servid1es do lugar( Depois desta conversa com alter 

     passei a pensar no privilégio $ue eles me dão em dei2ar $ue eu transite pelo seu espaço(

    Questões metodológicas

    H !o&re este assunto ver Fonseca \CKKR^ e ]aluar \CKKH^(

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    Família em conflito

    6ra&alei durante sete meses - de a&ril a outu&ro de CKKK - com apro2imadamente

    trinta famílias( 'uitas delas eram atendidas pelo 6ecendo =ida, mas não me ative % estas,

     50 $ue com as visitas constantes fui conecendo outras pessoas e incluindo-as em meu

    tra&alo( #entrei minas atenç1es em metade delas, tra&alando sistematicamente( #om a

    outra metade eu tive contatos espor0dicos, se5a na reuni'o de mul!eres promovida pelo

    6ecendo =ida, se5a em suas casas ou $uando as encontrava na rua(

    uando a dona da casa estava so*ina eu cegava e perguntava: Ue daíV ) $ue me

    contas de novoVW e procurava um lugar para me sentar ou encostar, tentando demonstrar 

    $ue estava com &astante tempo para o $ue eles camavam de Uprosa fiadaW( /ormalmente

    elas respondiam: Ude novo nadaW e começavam a conversa so&re o assunto $ue les

    interessava( /ão foram poucas as ve*es $ue a conversa não se desenvolvia, tornando o

    am&iente um pouco desconfort0vel( #om o tempo aprendi $ue nestes momentos é melor 

    calar-se ou ir em&ora, por $ue fa*er muitas perguntas os fa*iam calar e até ficarem irritados

    comigo( uando mina opção era ir em&ora, fa*ia-se necess0rio voltar nos dias seguintes

     para manter certa const_ncia em mina presença( Por$ue para se sa&er das coisas

    cotidianas é preciso $ue se5am comentadas en$uanto estavam acontecendo, depois $ue

     passou algum tempo é mais difícil fa*er as pessoas falarem so&re o assunto( Depois de

    certo tempo de pes$uisa minas informantes perce&eram $ue eu gostava de sa&er so&re as

     &rigas entre os parentes, e assim, a primeira coisa $ue me contavam era das novidades de

    $uem tina &rigado com $uem nos 4ltimos dias(

    'uitas ve*es, $uando algumas pessoas estavam reunidas eu cegava e ficava

    calada durante muito tempo, dei2ando $ue a conversa fluísse, sempre com meu &loco de

    notas na mão e mina &olsa enorme a tiracolo com a alça larga atravessada no peito( Fa*ia

    anotaç1es so&re tudo $ue me camasse a atenção, e aperfeiçoei a técnica de escrever 

    olando para a pessoa $ue falava( /o início eu era um figura $ue causava curiosidade,

    $ueriam sa&er o $ue eu escrevia e o $ue eu tina na &olsa( Depois $ue eu mostrei algumasve*es o $ue estava escrito no &loco e as &ugigangas $ue carregava na &olsa, tornando-a

    e2cessivamente pesada, eles perderam a curiosidade com relação a mina pessoa(

    Am um dia de reunião no &eco, uma muler sentou-se ao meu lado lendo o $ue eu

    escrevia( #omeçou a me contar mentiras para $ue eu escrevesse, como ela di*ia, Ucoisas

    erradasW( 'as todos rapidamente desmentiam( Ala perguntou se me pagavam para ficar 

    escrevendo Uprosa fiadaW( Au disse $ue meu tra&alo era escrever, e $ue eu ia escrever um

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    Família em conflito

    livroR, por isso escrevia r0pido e durante a conversa( Ala espantou-se por eu escrever sem

    olar no papel( Au disse $ue fa*ia outras coisas tam&ém além de escrever prosa fiada, e ela

    ficou mais tran$Zila por eu produ*ir algo mais $ue a$uelas U&o&agensW(

     /o início do tra&alo eu me apresentava como sendo estudante da universidade,

    mas isso não les significava a mesma coisa $ue significava para mim, perguntavam-me

    então se eu era assistente social( Depois de muito tentar e2plicar $ue eu estava fa*endo

    uma pes$uisa so&re as famílias da #ico 'endes, resolvi di*er $ue estava escrevendo um

    livro so&re as famílias da #ico 'endes e para isso eu precisava conversar muitas ve*es

    com diversas pessoas( ) termo "niversidade não les di*ia nada, perguntavam o $ue era

    isso, o $ue foi muito difícil e2plicar por$ue e2igia $ue tivessem certo conecimento so&re

    a diferença entre a escolaridade de primeiro e segundo grau, o $ue não era recorrente(

    lgumas pessoas associavam-no ao Mospital "niversit0rio, local a $ue recorriam nos

    momentos em $ue era preciso internação ospitalar gratuita(

    Di*er $ue estava escrevendo um livro me tornou, ao seus olos, diferente das

    assistentes sociais $ue l0 atuavam( /ão foi a 4nica forma de distinção $ue marcou mina

     presença( mina postura com relação %s suas necessidades materiais tam&ém era

    diferente( /o início da pes$uisa de campo todos me pediam coisas como roupa, café,

    co&ertores, apesar de sentir uma enorme vontade de providenciar algumas coisas $ue les

    eram necess0rias, principalmente gêneros alimentícios, pensei $ue isto poderia pre5udicar 

    meu tra&alo, por aver a possi&ilidade de eu ser identificada com os agentes sociais $ue

    atuam na 0rea( ssim, eu sorria e di*ia Uvou verW ou Utem $ue pedir para a DalvaW, e não

     providenciavaN( "ma situação $ue demonstra $ue esta mina atitude cola&orou para o

    esta&elecimento de uma relação diferente da$uela $ue as assistentes sociais esta&elecem

    com a população local est0 em meu di0rio de campo de .C3.S3KK:

    Undré acordou e estava todo mi5ado, pedi e insisti para $ue

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