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Raquel Wiggers
Família em conflito: violência, espaço doméstico e categorias de
parentesco em grupos populares de Florianópolis
Dissertação apresentada no Programa de
Pós-Graduação em ntropologia !ocial da
"niversidade Federal de !anta #atarina,
como re$uisito parcial % o&tenção do título
de 'estre em ntropologia !ocial(
)rientador: Prof( Dr( )scar #alavia !ae*
+la de !anta #atarina, agosto de ...(
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Para minha família.
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RESUMO
/a an0lise de conflitos domésticos ocorridos em famílias de grupos populares de
Florianópolis são tra*idos a tona elementos importantes $ue devem ser considerados ao
se tratar da $uestão da violência doméstica( ) principal deles é a ampliação do $uadro
de protagonistas envolvidos nas situaç1es de conflitos domésticos, demonstrando a
necessidade de se deslocar a an0lise do ei2o vítima3 agressor, geralmente privilegiado
nos estudos de violência doméstica ou violência contra a muler( /o e2ercício de
deslocamento do ei2o vítima3 agressor a violência dei2a de ser uma via de mão 4nica
em $ue vítimas e agressores tem perfis pré-definidos e passa a ser uma $uestão $ue di*
respeito tam&ém aos parentes( lém disso, esta dissertação salienta os diferentes
significados e concepç1es $ue têm os atos violentos e $ue precisam ser considerados
nas atuaç1es de agentes sociais 5unto a populaç1es de grupos populares(
ABSTRACT
6e analisis of domestic conflicts in lo7 income families of Florianópolis reveals
important aspects tat sould &e ta8en into account 7en discussing a&out domestic
violence( 6e main aspect is te e2pansion in te focus 7en considering te cast
involved in tese situations, 7ic so7s te necessit9 to consider some aspects &esides
te victim3 agressor relationsip, 7ic is 7ell reported in domestic violence studies
and in violence against 7omen studies too( en oter aspects are considered, violenceis no longer a one 7a9 relationsip in 7ic victims and agressors ave 7ell defined
roles and it &ecomes a matter tat envolves relatives too( 'oreover tis stud9 remar8s
te various meanings and concepts tat violent acts ave and tat must &e ta8en into
account &9 te social agents 7o are 7or8ing in tese lo7 income comunities(
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!"';A?/#+VW((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((KC
CONC)USES..........................................................................................................................................+/
0egativa&'o da violência# utopia$......................................................................................................7,
A amplia&'o do uadro de protagonistas............................................................................................7
)i9o vtima : agressor e o seu sentido ;nico................................................................................. ......72
“"ul!er apan!a uieta”.....................................................................................................................77
Violência e desestrutura&'o familiar.................................................................................................1
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(n5i6e 5e qua5r7s e figuras
Pg( CS - Foto da !ervidão
Pg( CT - Foto da #asa de 6alita(
Pg( CK - Foto do #ampino(
Pg( C X ne2o as Figuras:
+( 'apa do @airro 'onte #risto
++( Foto aérea do &airro 'onte #risto
+++( Foto aérea da comunidade #ico 'endes(
+=( Foto aérea da comunidade #ico 'endes com a marcação apro2imada
dos locais de residência das famílias estudadas(
Pg( N - uadro C: s trinta famílias pes$uisadas caracteri*adas pelo nome fictício damuler
Pg( HT - uadro : #ategorias de referência de parentesco
Pg( N X Gr0fico de parentesco da família de #reonice(
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A1RADECIMENTOS
gradeço % #PA! pelo financiamento do meu curso de mestrado em forma de
&olsa de estudo( Ava e linne pela cola&oração durante os créditos e na discussão dos pro5etos(
#ada uma delas sa&e como foi importante nossa ami*ade, firmada por dificuldades e
alegrias comuns durante todo o curso de mestrado( linne por fa*er me sentir normal(
Ava pela precisão de suas o&servaç1es(
>is e MelY pela ami*ade construída(
os meus amigos Dilma e Paulo, pelo apoio(
'9rnaia, pela ami*ade mesmo $ue distante( raci, uma grande amiga(
Danielle, pela ami*ade(
os meus professores das disciplinas do curso, )scar #alavia !ae*, Bean >angdon,
'aria mélia Dic8ie, 6eopilos
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Família em conflito
PRIMEIRO CAP(TU)O
UDe início, é preciso di*er $ue a violência
não é alguma coisa peculiar % nossa época ou %
nossa sociedade( Am todas as sociedades, em todas
as épocas ocorrem aç1es $ue se podem caracteri*ar
como violentas 50 $ue apelam para o uso da força
&ruta, se5a através de $ue instrumento for, ao invés
de apelar para o consentimento( ) $ue varia são as
suas formas de manifestação e as regras sociais $ueas controlam(W \]aluar, CKKH^(
Introdução
/este primeiro capítulo inicio uma &reve revisão nos estudos so&re violência,
fa*endo um levantamento do tratamento dado pelos estudiosos ao assunto( Passo então a
analisar algumas &i&liografias &rasileiras $ue tratam da violência, apontando formas
diversas de perce&ê-la e ressaltando uma necessidade de pes$uisas mais específica $ue
considere o conte2to em $ue estou inserindo os estudos so&re violência(
naliso tam&ém os princípios $ue cola&oram na formação da teoria so&re violência
$ue rege os pensamentos de $ue partem os agentes sociais ao lidarem com os grupos
atendidos pelas políticas de UcontençãoW da violência e $ue aparecem tam&ém nas
produç1es acadêmicas $ue tratam do assunto(
/a se$Zência esclareço a tra5etória acadêmica, teórico e metodológica $ue me
direcionou ao tema proposto nesta dissertação, onde pretendo uma an0lise de conflitos
domésticos e suas formas de resolução, violentas ou não, com ênfase na ampliação do
$uadro dos protagonistas envolvidos( Para isso descrevo e defino neste capítulo a
população e o lugar em $ue a pes$uisa foi desenvolvida(
Violência: um problema geral
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Am&ora a violência se5a um tema $ue vem ocupando o ser umano desde muito
tempo, nas 4ltimas décadas ela passou a ser um sím&olo da contemporaneidade( Mo5e se
est0 dando grande import_ncia ao fenYmeno, fa*endo $ue ele este5a presente em diversos
discursos so&re nossa sociedade( violência supostamente invadiu todas as 0reas da vida e
da relação do indivíduo com o mundo das coisas, com o mundo das pessoas, com seu
corpo e sua mente \Freire e #osta, CKTH:K^( ssim, se configura como um grande pro&lema
socialC, principalmente nas grandes cidades, onde diariamente são noticiados um elevado
n4mero de casos de assaltos, omicídios, estupros e acidentes de tr_nsito, entre outros( Asta
enorme $uantidade de situaç1es violentas vividas e anunciadas provocam estudos em
diferentes 0reas do sa&er, 0reas estas relacionadas com a sa4de p4&lica, com a
criminalidade, com as favelas das grandes cidades, com a segurança p4&lica(
A2iste uma ampla discussão nos meios acadêmicos, na mídia e nos organismos
nacionais e internacionais de defesa dos direitos umanos, so&re a violência( /o @rasil o
assunto tornou-se emergente no início dos anos T., com o aumento de diferentes formas de
violência, ocorridos principalmente nas grandes cidades como assaltos, assassinatos,
estupros( violência é, desta forma, associada ao ur&ano e % modernidade(
istória da sociedade &rasileira foi constituída com recurso constante % força e %
violência( )s conflitos decorrentes das diferenças de classe, etnia, gênero ou geração,
foram muitas ve*es solucionados com o uso da força( @asta lem&rar a longa tradição de
lutas populares, desde o século O+O, nas diferentes regi1es do país, como a revolta
Farroupila, o uilom&o dos Palmares e a #a&anada( A mesmo assim, a violência é
recusada sistematicamente no nível ideológico, o $ue pode ser constatado na idéia de $ue o
&rasileiro tem uma índole pacífica erdada do português, $ue teria sa&ido promover a
mistura de três raças, criando uma sociedade armYnica \)liven, CKTK^(
) te2to de )liven \CKTK^, escrito no fim da década de T., aponta $ue o termo
`violência ur&ana` refere-se $uase $ue somente % delin$Zência de classe &ai2a, $uena$uele momento dei2ou 0reas po&res da cidade para atingir redutos das classes médias e
altas( =ale comparar esta situação com a$uela vivida no final dos anos K., em $ue a
C
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preocupação passou a ser tam&ém o narcotr0fico e a violência policial, tornando evidente
$ue a violência é um fenYmeno istórico e mut0vel(
A 8i7l9n6ia :ara alguns au;7res
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passado &rasileiro e apontando $ue, em muitos momentos, a violência foi usada para
resolver conflitos de ordens diversas( !egundo o autor, é possível aí Uentrever o car0ter
costumeiro, institucionali*ado e de imperativo moral de $ue ain5a se revestem as aç1es
violentas na sociedade &rasileira contempor_neaW \dorno,CKKR:.H( Grifos meus^(
crescenta $ue a an0lise dos cen0rios distintos, porém interconectados, demonstra $ue
fatos de nature*a violenta não são episódicos, ocasionais ou con5unturais, pelo contr0rio,
Uapontam para uma conclusão inversa: trata-se de fatos rotineiros, cotidianos, com larga
aceitação entre diferentes grupos da sociedade( Parece aver uma inclinação da sociedade
para reconecê-los como normaisb, como se fossem meios naturais de resolução de
conflito se5a nas relaç1es entre classes sociais se5a nas relaç1es intersu&5etivasW
\dorno,CKKR:C^(
/este te2to dorno ilustra o car0ter constituidor $ue a violência muitas ve*es
assume em diversos segmentos sociais da sociedade &rasileira( A aponta $ue em muitas
situaç1es ela é pensada como uma forma legítima de se resolver conflitos de ordens
diversas( !eu esforço é no sentido de reforçar uma necessidade de e2plicar e desconstruir
esta Unaturali*açãoW, ao defender $ue ela só acontece por causa das desigualdades sociais,
pela m0 distri&uição de renda, falta de escola para os 5ovens, o não acesso % 5ustiça por
todos indistintamente( #om isso retira dos atores a responsa&ilidade por seus atos e os
e2plica como resposta a um estímulo e2terno( #om esta posição o autor torna negativa a
concepção de violência, retirando dos atos violentos a possi&ilidade de configurarem-se
como formas de resolução dos conflitos e remetendo esta função ao aparelo 5udici0rio(
Para este autor, é mediante a cultura política democr0tica $ue se torna possível desconstruir
a linguagem $ue naturali*a e normali*a a violência(
Asta postura de tentar retirar dos atos violentos o car0ter constituidor $ue eles
possam ter tam&ém pode ser constatada no discurso oficial so&re violência doméstica(
#omo veremos a seguir, este vem sendo o 0&ito de diversos agentes sociaisR $uetra&alam com a $uestão, como delegados de polícia, assistentes sociais ou conseleiras
tutelares( A é importante por$ue marca a crescente oficiali*ação de uma forma de conce&er
a violência, predominante nestas 4ltimas décadas, em $ue $ual$uer agressão é perce&ida
como tal, mesmo não incluindo $ual$uer tipo de contato físico( violência desta forma,
R /o decorrer do te2to ser0 usada a categoria agentes sociais, $ue neste caso refere-se aos psicólogos,assistentes sociais, agentes censit0rios, entre outros, $ue tra&alam em Ucomunidades carentesW sendo
funcion0rios de órgãos governamentais, tra&alam em )/Gs, ou ainda em car0ter volunt0rio( Astas pessoasintervêm no cotidiano das pessoas de formas diversas e geralmente compartilam da visão oficial so&reviolência doméstica(
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dei2a de ser apenas um ata$ue físico ao corpo do outro e passa a englo&ar tam&ém atitudes
de outras ordens, como a violência sim&ólica ou psicológica(
Por sua ve*, Diógenes \CKKT^ em um e2emplo de uma pes$uisa recente $ue trata da
violência, nos remete novamente a constatação de !oares de $ue ela é um fenYmeno
interpretado e vivenciado de diferentes maneiras por diferentes pessoas( o tra&alar com
gangues em Fortale*a a autora centrou-se na pergunta: o $ue os 5ovens consideram
violênciaV Ala perce&eu $ue entre estes 5ovens avia uma idéia `esva*iada` da violência,
como se não fosse lógico falar so&re ela( +sso ficou claro $uando de seus informantes disse
$ue `eles não vêem a violência, violência é rotina`( os olos da investigadora a violência
é um acontecimento, para a e2periência das gangues ela diluia-se até tornar-se
imperceptível, entranava-se no cotidiano até cegar a ser invisível( autora sugere tratar
da violência em termos de pr0ticas e relaç1es ense5adas no seu campo( +sso por$ue `nas
gangues a violência não est0 sim&oli*ada, é muda de significantes, ela não tem pro5eto e
não aponta, intencionalmente, um outro código de conduta` \Diógenes, CKKT:N^(
"m outro e2emplo de uma forma diferente de se pensar teoricamente so&re o tema
é a$uela proposta por rendt \CKTH^, $ue prop1em a distinção entre os conceitos de poder,
força e violência, conceitos estes $ue são retomados e tra&alados por #auí \CKTR^ e
Felipe \CKKN^, e a eles acrescentam o de agressão N( @aseados nesta distinção teórica
podemos associar % agressão muitos atos $ue são considerados violência por outros
autores, uma ve* $ue, no caso destas autoras, am&os são definidos a partir do efeito $ue o
ato violento tem so&re o agredido( 6emos assim $ue en$uanto os autores tratados até a$ui
redu*em todos estes conceitos a um, estas autoras desdo&ram o conceito de violência em
outros, a&rindo assim a possi&ilidade de se desmem&rar o conceito em outros tantos $ue se
mostrarem 4teis para a an0lise(
>i7l9n6ia 57m?s;i6a
N ) :75er é a capacidade coletiva para tomar decis1es concernentes % vida p4&lica de uma coletividade,e2pressão de 5ustiça, espaço de criação de direitos e garantias( f7r@a é a ausência do poder( /a relação deforça 0 ausência de poder e presença do dese5o de mando e de opressão de uma classe so&re a outra, de umgrupo social so&re o outro, de um indivíduo so&re o outro( >i7l9n6ia é uma reali*ação determinada dasrelaç1es de força( L a conversão de uma diferença ou uma assimetria numa relação ier0r$uica dedesigualdade com fins de dominação, de e2ploração e de opressão( L tam&ém uma ação $ue trata um ser umano como não su5eito, mas como uma coisa, $ue se caracteri*a pela inércia, pela passividade e pelo
silêncio, de modo $ue $uando a atividade e a fala de outrem são impedidas ou anuladas, 0 violência( agress7 é um ato $ue envolve dois indivíduos em situaç1es mais ou menos igualit0ria, $ue &rigam usandoforça física e ameaças ver&ais, sem $ue no entanto um ani$uile o outro(
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violência doméstica refere-se principalmente % violência ocorrida dentro do lar e
entre pessoas $ue vivem relaç1es familiares e afetivas( L um conceito $ue vem a&rangendo
outros dois: violência contra mul!eres e violência contra crian&as e adolescentes, mas $ue
não pode ser completamente tradu*ido por eles, 50 $ue e2istem outras violências $ue
podem ser aí incluídas(
Astes conceitos estão carregados de significado político, $ue são acionados na luta,
perpetrada principalmente pelas integrantes do movimento feminista \!oares, CKKK^, pela
$ue&ra da ierar$uia $ue coloca muleres e crianças so& dominação masculina, e em
defesa dos direitos destas minorias( violência doméstica est0 sendo focali*ada como um
espaço privilegiado de encenação de um dos mais importantes de&ates sociais
contempor_neos( A as mo&ili*aç1es em torno deste tema estão gerando modificaç1es
profundas no comportamento social, na medida $ue passaram a representar e a e2pressar
as disputas em torno dos direitos civis, dos direitos das camadas minorias, das novas
formas de relacionamento afetivo e se2ual entre os gênerosS(
Astes conceitos de violência contra mul!er e violência contra crian&as e
adolescentes, foram for5ados no _m&ito das discuss1es e reivindicaç1es feministas, $ue
iniciaram seus protestos mais enf0ticos no fim dos anos S. e início dos T.( Astas
mo&ili*aç1es cola&oraram muito para o aumento da visi&ilidade dos casos em $ue
muleres eram assassinadas por seus companeiros e tomaram como ponto principal a
impunidade dos assassinos, tra*endo para a ordem do dia a den4ncia de opressão da
muler na sociedade &rasileira( Desta forma o movimento feminista tem grande
responsa&ilidade na visuali*ação crescente $ue teve a violência nas 4ltimas décadas(
)s estudos so&re violência domésticaT, $ue centram-se principalmente nos temas
da violência contra muler, contra criança e, recentemente tam&ém contra idosos, têm em
comum o fato de privilegiar o ei2o vítima3 agressor( postura analítica destes estudos
tende a salientar a relação entre o agressor e o agredido, construindo, a partir do atoviolento, um personagem $ue é o detentor do poder de agredir, e outro $ue é o receptor da
agressão( +sto fa* $ue estas posiç1es se5am relativamente estan$ues, opostas e
contraditórias( /os casos de violência contra muler, esta postura torna a muler vítima e o
omem agressor, muitas ve*es sem considerar o papel de cada um na situação analisada K(
S =er !oares \CKKK^(T Gregori,CKK Grossi, CKKN Guerra,CKTR, !afioti,CKTT Bunvêncio e @atista,CKKN *evedo e Guerra
\CKKS^ !ilva \CKTT^, entre outros(K Am algumas ve*es vai além, $uando, em se tratando de violência sim&ólica, remete a todos os omens o papel de agressor e a todas as muleres o papel de vítima em potencial da dominação masculina(
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Desta forma ela é comumente associada ao aspecto negativo ou anYmico da violência,
sendo considerado um fenYmeno $ue deve ser &anido, uma ve* $ue contradi* o $ue seria,
em nossa sociedade, a &ase da instituição familiar: amor e carino( família configura-se
em nossa sociedade como um conte2to muito sensível(
"ma tentativa de relativi*ar a fi2ide* destas posiç1es é pensar na violência como
constituidora de relaç1es sociais, se2uais e sentimentais, e neste sentido Gregori e Grossi
são autoras inovadoras( m&as, cada uma a seu modo, argumentam $ue a violência contra
muler, $ue ocorre dentro da relação con5ugal pode ter um aspecto relacional, ou se5a,
pode fa*er parte do 5ogo con5ugal, em $ue as regras são compartiladas pelos parceiros(
Desta forma, a violência pode ser uma das linguagens $ue e2pressa, entre outras coisas, os
conflitos intrínsecos % própria relação( /este conte2to, não ca&e % muler apenas o papel
de vtimaC. da violência mas, tam&ém o de uma parte atuante no 5ogo esta&elecido entre
marido e esposa(
A2istem estudos $ue tratam de muleres $ue foram denunciadas nas delegacias
por terem assassinado seus filos recém-nascidos ou se envolvido em discuss1es ou
agress1es com outras muleres por motivos variados( /estes tra&alos é comum ser
esva*iado o papel agressor da muler, di*endo-se delas $ue são vítimas do sistema $ue as
oprime e as o&riga a tais atitudes \!oiet,CKTK Pedro,CKKH !oares,CKKK^( L interessante o
discurso diferenciado para omens e muleres agressores, o $ue ressalta a posição ideal de
vítima e agressor, ocupada respectivamente por muleres e omens( 'esmo $uando 0 a
agressão por parte de uma muler, a ela é remetido o papel de vítima, neste caso vítima do
sistema $ue a o&riga a agir da$uela forma(
Discutir a violência doméstica tra* a tona uma outra discussão so&re os limites da
intervenção do Astado nas relaç1es pertencentes ao universo privado, as relaç1es
familiares( !oares \CKKK^ levanta $ue Utrata-se agora de e2periências e tentativas de
regulação da vida privada em matéria p4&lica, uma ve* $ue se reali*am em nome daigualdade de direitos e do com&ate % discriminaçãoW(
>i7l9n6ia n7 5is6urs7 7fi6ial
C. !oares \CKKK^ aponta para os diferentes car0teres $ue este termo est0 im&uído no @rasil e nos A"(An$uanto $ue nos A" 0 um movimento de se positivar a posição de vítima, conce&endo-as comoUso&reviventesW e fa*endo-as assumirem o papel ativo de politi*ar o seu discurso no @rasil as muleres
vítimas de violência doméstica não falam diretamente para o p4&lico e sua fala é intermediada por umnarrador( uando falam da violência sofrida ficam envergonadas e constrangidas( /o @rasil, a vítima tra*consigo um estigma culposo e uma am&ígua identificação com a criminalidade do ato $ue a vitimou(
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M0 uma tendência assumida principalmente nos 4ltimos R anos, de
desconsideração das formas violentas de resolução de conflitos( Passou a aver em
influentes segmentos da sociedade uma negativi*ação da violência( Postura esta $ue pode
ser constatada o5e, em r0pidas an0lises de notícias divulgadas nos meios de comunicação,
na atuação de diferentes agentes sociais ou na produção acadêmica so&re violência( L este
paradigma $ue rege neste fim de século a formação do $ue eu camei de discurso oficial
so&re a violência(
#omo e2emplo do discurso oficial so&re violência doméstica encontrei duas fontes
$ue o sistemati*am de forma e2emplar( primeira é a apostilaCC do curso de capacitação de
#onseleiros 6utelares e de Direitos de !#( /esta apostila são e2plicitados diferentes
conceitos so&re violência doméstica( segunda fonte é a fala de uma delegada de polícia
$ue entrevistei durante meu tra&alo de campo( /ela e2plicita um discurso coerente so&re
as causas da violência doméstica e o perfil dos agressores e das vítimas em potencial(
/a citada apostila \CKKK^ a violência física é Ucaracteri*ada por $ual$uer ação
4nica ou repetida, não acidental \ou intencional^, perpetrada por um agente agressor adulto
ou mais velo, $ue promove dano físico % criança ou ao adolescente, dano este causado
pelo ato a&usivo pode variar de lesão leve a conse$Zências e2tremas como a morteWC( A
acrescentam $ue Utoda ação $ue causa dor física numa criança, desde um simples tapa até
um espancamento fatal, representam um ato contínuo de violênciaW(
!o&re o a&uso se2ual é utili*ada na apostila uma citação do te2to de *evedo e
Guerra \CKKR^ Ué todo ato ou 5ogo se2ual, relação eterosse2ual ou omosse2ual, entre um
ou mais adultos e uma criança menor de CT anos, tendo por finalidade estimular
se2ualmente ou utili*0-la para o&ter uma estimulação se2ual so&re sua pessoa ou de outra
pessoaW( /a apostila 0 ainda a definição de violência psicológica e negligência(
primeira é de difícil visi&ilidade uma ve* $ue não dei2a marcas físicas e são: umilação,
tortura psicológica, e2posição indevida da imagem da criança, ausência de limites,corromper, isolar, negligência afetiva( negligência est0 relacionada, segundo a apostila,
Ucom as condiç1es estruturais da sociedade, $ue e2clui grande camada da população das
oportunidades de acesso ao conecimento, % geração de renda e distri&uição de ri$ue*asW
\pgR^(
CC Asta apostila \CKKK^ foi organi*ada pelo #entro #rescer sem =iolência, $ue é ligado a "F!#(
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Astes conceitos são ela&orados a partir de uma série de princípios: C^ em primeiro
lugar $ue 8i7l9n6ia gera 8i7l9n6ia ^ depois, $ue dentro da família o amor, $ue é natural,
pode ser solapado por diversos fatores, geralmente relacionados com o Ucaldo da cultura
propício ao desenvolvimento do desamorW \pgCS^( Desta forma os laços de
consangZinidade não são totalmente capa*es de assegurar sentimentos como amor e
carino, uma ve* $ue 0 momentos em $ue outros sentimentos Uo esmagam no seio da
famíliaW ^ e por fim, em função de tudo isso, a violência é algo $ue as pessoas tentam
ocultar da sociedade( A dificilmente um pai ou uma mãe assumir0 $ue agride seu filo,
sa&endo $ue pode pesar so&re si a culpa, a desaprovação social, além do risco de incorrer
em sanção penal \pgC^(
Podemos concluir disto $ue e2istem famílias em $ue a violência tem mais
pro&a&ilidade de surgir, $ue são a$uelas em $ue os pais vivenciaram situaç1es de violência
$uando crianças e onde e2istem conflitos famíliares $ue produ*am sentimentos de
desamor( Astes pressupostos são compartilados por diferentes agentes sociais envolvidos
na $uestão da violência doméstica, e têm como pano de fundo um modelo ideal de família
UestruturadaW, amorosa, sem conflitos, e onde a violência não teria motivos para acontecer(
/a entrevista com a delegada da polícia civil $ue atende a região o&tive
e2plicaç1es so&re o $ue ela conce&e por violência, suas causas e efeitos( +nformada so&re o
interesse de meu tra&alo so&re violência doméstica na comunidade onde ela atua, fe* uma
careta, fran*indo o nari* e entortando a &oca, e disse, Uisso a$ui parece o programa do
esão #orporal e meaça, e continuou discursando so&re o assunto sem
$ue eu precisasse fa*er $ual$uer coment0rio ou perguntaCH:Uo omem é o patriarca $ue su&mete a muler e as filas( 'olesta a fila e
su&mete a mãe( ) am&iente familiar é o seguinte: o omem é o superior e a
muler se su&mete e as filas são criadas nessa situação doentia em $ue a
muler tem medo de se e2por, de mudar uma situação( Por $ue tem medo de
C "m programa de televisão transmitido durante o or0rio no&re, $ue tra* para o cen0rio pessoas $ue temalguma desavença, o $ue fa* com $ue muitas ve*es aca&em se agredindo em frente %s c_meras(CH !eu discurso foi transcrito praticamente na íntegra, tendo sido retirado apenas a$uelas e2press1es usadas
na fala $ue tornariam a leitura mais truncada( 'inas intervenç1es foram mínimas( ) discurso da delegadame parece $ue estava pré-ela&orado e foi pronunciado $uando demonstrei interesse em sa&er so&re o assuntoda violência doméstica, desconsiderando minas perguntas(
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encarar a situação de ser muler separada su&metem-se durante anos %
situaç1es de violênciaW \CT3.T3CKKK^(
delegada acredita $ue
Uno primeiro tapa aca&ou o respeito( /o segundo aca&ou o amor, então, e
não pode dei2ar acontecer o segundo( 6em $ue tomar uma decisão( /o
primeiro a muler 50 tem $ue se posicionar( !e e2iste ainda amor de alguma
das partes, ou de am&as as parte, tem $ue ser conversado( violência
doméstica independe de classe social, é uma $uestão da su&missão do gênero
mulerW \CT3.T3CKKK^(
mina pergunta so&re o caso registrado na$uela delegacia, em $ue a mãe
denunciou o filo $ue le agrediu e ameaçou \caso $ue ser0 tratado mais adiante^ ela
respondeu com um discurso $ue nada di*ia de um caso específico:
UAu teno uma tese: de um lar conflituoso o fruto desse lar 50 é
pro&lem0tico, concordaV "m menino ou uma menina $ue cresce em um
am&iente $ue vê o pai todo dia em&riagado dando porrada na mãe, onde ele
vai e2travasar a violência $ue ele vê dentro de casaV )nde ele vai e2travasar
toda essa violênciaV /a rua( ual a primeira porta de entrada $ue ele vêV
droga, normal( menina $ue foi molestada se2ualmente, $uando ela atinge
uma certa idade, na primeira oferta o $ue ela vai fa*erV !e prostituir( L a
realidade $ue ela teve dentro de casa( Antão, não se 5ustifica o menor estar na
rua se drogando, por $ue teve um lar conflituoso, mas se entende por $ue $ue
ele t0 na rua( ) $ue eu senti foi o seguinte, eu pegava essas meninas $ue
estavam se prostituindo e invariavelmente elas tinam istória de a&uso se2ual
na inf_ncia e na adolescência passou a se prostituir( L $uase regra, e a$uele
menino $ue est0 na rua se drogando, é $uase regra $ue ele na inf_ncia presenciou muita violência( ) filo de um lar conflituoso é uma isca muito
f0cil para o traficante( /ão tem 5ovem mais f0cil de ser aliciado para usar
droga do $ue a$uele $ue veio de conflitos, veio de violência( "m 5ovem $ue
tem estrutura familiar sem conflito, mesmo $ue não se5a a$uela estrutura
padrão, dificilmente vai cegar a esse tipo de envolvimentoW \di0rio de campo,
entrevista feita no dia CT3.T3KK^(
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Família em conflito
Destes discursos podemos concluir $ue a violência seria um refle2o condicionado
$ue se desencadeia ou não( L um sentimento $ue depois de ser desencadeado tem $ue ser
descarregado em alguma coisa ou pessoa( M0 um determinismo, um camino de mão 4nica
$ue define $ue pessoas $ue vivem em famílias UdesestruturadasW - ou se5a, com pro&lemas
financeiros, analfa&etos, $ue não tem o pai vivendo na mesma casa com a mãe e os filos
ou $uando vivem 5untos estão em permanente conflito - são a$uelas $ue serão
protagonistas de cenas de violência doméstica( Fica determinado $ue o conflito leva
necessariamente % violência, e não seria errado afirmar $ue violência e conflito mesclam-
se em determinados momentos(
Parece aver uma pré-definição de $ue a&uso se2ual resulta em prostituição e
surras na inf_ncia produ*em um omem adulto violento( /estes discursos perce&e-se a
definição da vítima: a criança, no primeiro caso e a muler neste 4ltimo( Partindo deste
ponto de vista, definem o omem adulto com pro&lemas de relacionamento familiar e $ue
sofreu violência na inf_ncia como o agressor em potencial( s posiç1es de vítima e
agressor 50 estão dadas, fa*-se necess0rio agora é resolver o pro&lema(
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Família em conflito
Am um segundo momento centrei mina atenção na an0lise de dois processos
penais de crimes de parricídio $ue tiveram resolução 5urídica diferentes em decorrência da
aceitação ou não, pela família, do ato do agressor( Am am&os o filo matou o pai e foi
5ulgado em uma inst_ncia p4&lica de resolução de conflitos, respondendo a processo
5udicial( )s assassinatos aconteceram em casa e foram os parentes e vi*inos $ue
forneceram os depoimentos $ue compuseram os autos do processo( s pessoas $ue
compunam as relaç1es domésticas foram camadas para opinar na resolução 5urídica dos
casos e a decisão do 5ui* foi &aseada nestes testemunos( ssim, o _m&ito doméstico foi o
locus do acontecimento e de onde partiram os discursos $ue resolveram 5udicialmente o
processo(
Am um dos casos, o filo assassinou o pai e o es$uarte5ou, 5ogando as partes do
corpo em uma latrina nos fundos da casa( família recusou-se a manifestar-se
pu&licamente, dei2ando claro $ue condenava a atitude do rapa*( Durante o processo penal
ele foi a&solvido so& alegação de sofrer pro&lemas psi$ui0tricos e internado no manicYmio
5udici0rio por tempo indeterminado( Depois de $uatro anos ouve uma nova perícia
psi$ui0trica $ue o considerou apto ao convívio social( 'as a li&ertação somente seria
possível se a família se dispusesse a rece&ê-lo, o $ue não aconteceu( )s mem&ros da
família recusaram-se a aceit0-lo em casa, mantendo a condenação manifestada no decorrer
do processo, $ue tornou sua li&erdade impossível(
Am decorrência da forma como foi tratado no processo penal, $ue e2igia da família
$ue aceitasse o rapa* novamente no convívio doméstico depois da reclusão, &us$uei
informaç1es so&re a repercussão do caso em outros _m&itos da sociedade( /os 5ornais da
época, encontrei uma reportagem pu&licada no dia seguinte ao assassinato $ue descrevia o
acontecimento( /os dias su&se$uentes, porém, não ouve mais manifestaç1es no 5ornal
so&re o assunto( Depois do laudo psi$ui0trico $ue assegurava $ue o rapa* estava apto ao
convívio social e a negativa da família em rece&ê-lo, procurei pessoas $ue tra&alaram na pastoral carcer0ria e $ue entraram em contato com a família numa tentativa de
reconciliação com o filo assassino( s alegaç1es dos integrantes da pastoral carcer0ria
eram de $ue o rapa* era um &om moço, muito simp0tico e $ue não merecia estar preso no
manicYmio por não sofrer doença psi$ui0trica( Foi possível constatar $ue o caso não
provocou repercuss1es negativas na sociedade( credito $ue a falta delas demonstra $ue
este tipo de situação não ofendia demasiadamente a sensi&ilidade social( Podemos
consider0-la e2emplar na medida $ue indica a e2trema e enorme diversidade de opç1escom $ue se perce&e a violência em nossa sociedade(
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/o outro caso de parricídio analisado a atitude do filo não foi condenada pela mãe
e pelos irmãos, fa*endo $ue ele tena sido li&ertado um ano e três meses após o crime(
/este segundo processo foi possível perce&er $ue aviam depoimentos contraditórios
narrando o mesmo fato, e $ue estes partiam de dois lugares diferentes nas relaç1es de
parentesco $ue a vítima estava incluída( )s consang>neos da vítima \com e2ceção do
filo $ue matou o pai^ tendiam a defende-lo, di*endo ser ele um &om omem, $ue
sustentava a casa, e $ue tratava a todos muito &em( An$uanto os afins criticavam-no
di*endo ser um &ê&ado $ue não cola&orava nas despesas da casa e &atia na esposa(
Durante a pes$uisa nos processos penais citada anteriormente, participei tam&ém
da organi*ação e ela&oração do 'apa de =iolência do Astado de !anta #atarinaCR e de um
levantamento de dados da Delegacia da 'uler de FlorianópolisCN so&re muleres vítimas
de agress1es registrados nos @oletins de )corrência dos 4ltimos de* anos( /esta pes$uisa
recoli dados so&re vítimas e agressores, e da relação entre eles, e os tipos de agress1es
registradas(
6anto na pes$uisa na delegacia, $uanto no caso do estudo de violência contra
muler foi possível constatar $ue a maior parte dos casos em $ue as muleres sofreram
algum ato violento, ocorreram dentro do lar e3ou o agressor fa*ia parte das relaç1es
afetivas da$uela muler \iggers, CKKNa^( L comum muleres denunciarem nas delegacia
agress1es perpetradas por seus e2-maridos, maridos, amantes ou namorados( Aste fato
aponta para as violências $ue acontecem nas relaç1es familiares, principalmente entre o
casal(
) resultado da an0lise destes $uatro tra&alos em $ue participei indicavam dois
fatores a serem considerados em tra&alos posteriores: C( Mavia uma diferença de
percepção da situação dependendo da posição na estrutura de parentesco $ue estavam os
atores $ue se manifestavam no processo ( família e a rede de parentesco tem um papel
importante na resolução dos casos de violência doméstica, se5a ela 5urídica ou não\iggers, CKKN&^(
Astes tra&alos promoveram uma refle2ão so&re situaç1es de violência em $ue as
pessoas envolvidas mantinam uma relação doméstico-familiar( #asos assim são
denominados por muitos estudiosos e pelo senso comum de violência doméstica, e
provocaram meu interesse em o&ter mais esclarecimentos so&re o assunto, principalmente
com relação ao papel dos diferentes mem&ros da família nas situaç1es de violência(
CR 6ra&alo ainda não concluído e desenvolvido no >a&oratório de Astudo das =iolências \>A=+!^ - "F!#,e $ue participei nas primeiras fases(CN Aste tra&alo foi encomendado pela professora Aleiet !afiotti(
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#entro-me desta forma em um ponto pouco desenvolvido nos estudos so&re o tema: as
relaç1es de parentesco permeadas pelas relaç1es de violência(
O objeto da etnografia
#omo meu interesse foi estudar formas de resolução de conflitos domésticos,
&us$uei informação so&re situaç1es em $ue famílias necessitam intervenção estatal em
decorrência de den4ncias deste tipo de violência( Fa*endo isso estaria englo&ando em
mina pes$uisa famílias $ue são consideradas, nos órgãos governamentais $ue atuam nas
0reas de residência de grupos popularesCS, como o locus de maior propensão deste
pro&lema social( Pes$uisando a população indicada por estes agentes sociais eu estaria meapro2imando das famílias $ue provocam, com suas aç1es, as atuaç1es destes agentes(
Depois de investigar nos diferentes órgãos a possi&ilidade de pes$uisar estas
famílias, ceguei ao #onselo 6utelar - um órgão municipal respons0vel pela proteção dos
direitos de crianças e adolescentes( Asta apro2imação aconteceu ainda na fase de definição
do o&5eto da pes$uisa, $uando procurei informaç1es so&re violência doméstica no
#onselo 6utelar de Florianópolis \#ontinente^, na intenção de tra&alar com famílias
atendidas por essa instituição( )&tive a informação de $ue os casos atendidos por eles são
principalmente os de processo de reconecimento de paternidade e de violência e3ou
a&usos cometidos contra crianças e adolescentes, denunciados na maior parte das ve*es por
parentes ou vi*inos( !ão atendidas principalmente famílias muito po&res moradoras das
favelas da cidade, caracteri*adas pelas conseleiras tutelares como Ufamílias carentesW(
"ma conseleira tutelar me sugeriu $ue eu pes$uisasse as famílias residentes na
UcomunidadeW #ico 'endes( Por ser este lugar, segundo os registros do próprio órgão,
e2tremamente problem?tico no $ue se refere a violência contra crianças, além de ser
considerada pelos agentes uma grande fornecedora de meninos de rua para o centro de
FlorianópolisCT( catei a sugestão e delimitei mina pes$uisa %s famílias desta
comunidade(
#ico 'endes é uma UcomunidadeW em $ue residem prioritariamente camadas
da população ur&ana de &ai2íssima renda, $ue como define Fonseca \CKTS^ em tra&aloCS ) termo grupos populares é usado para caracteri*ar uma população de &ai2íssima renda, $ue geralmentenão est0 inserida no mercado formal de tra&alo e $ue compartila valores e significados, e as formassim&ólicas em $ue se acam incorporados \6ompson, CKKT^(
CT =er dissertação de
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nas vilas de Porto legre, poderiam ser camados de su&-proletariado( Diferem de grupos
oper0rios por viverem de &iscates e de tra&alos espor0dicos \os omens na construção
civil e as muleres como fa2ineiras^, da mendic_ncia, de 5untar papelão e metais para
reciclagem e da recuperação do li2o das casas mais a&astadas( !ão principalmente pessoas
$ue na maior parte do tempo não estão incluídas no mercado formal de tra&alo(
Geralmente rece&em muito pouco pelo seu tra&alo, o $ue cola&ora para viverem
po&remente( 'as não é uma a&ordagem econYmica $ue pretendo, uma ve* $ue estou mais
interessada no sistema sim&ólico $ue informa os modos de agir e pensar desta população(
credito $ue e2iste um perigo em se tratar destas populaç1es 5ustificando todas as
formas de vida pela falta de condiç1es econYmicas, de educação, de sa4de, ou ainda, de
possi&ilidades de vida( Aste determinismo cega-nos para elementos $ue tem relação com o
poder a$uisitivo mas $ue não são por ele determinados, uma ve* $ue estão relacionados
com outros valores compartilados pelo grupo( M0 uma tendência no uso da denominação
Upo&resW por autores como ]aluar \CKTK^ e !arti \CKKN^ de positivar o termo defendendo a
não generali*ação do aspecto da UfaltaW como definidor do grupo( Alas referem-se aos
po&res considerando $ue 0 uma parcela da população $ue vive com recursos financeiros
escassos, $ue les imp1e condiç1es de vida onde muitas ve*es falta-les até mesmo o
alimento di0rio, mas tam&ém $ue compartilam uma cultura própria, com valores e
atitudes comuns( Desta forma, apesar de sofrerem privaç1es materiais, não são apenas as
faltas $ue merecem ser salientadas, 50 $ue o econYmico não define por si só a cultura, e
falta de dineiro não significa falta de cultura(
ssim, esta população pode ser caracteri*ada como grupos populares urbanos
por$ue e2istem em forma de grupo e se pode detectar aspectos de uma cultura própria $ue
informa os comportamentos e esta&elece uma rede de significados \Fonseca, CKKR^( ) fato
das famílias po&res residirem concentradas em uma localidade delimitada e formarem uma
rede de relaç1es esta&elecidas, com uma sociali*ação $ue ocorre tam&ém em espaço p4&lico da favela, possi&ilitou meu tra&alo de campo semelante a uma etnografia
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cl0ssica, em $ue o pes$uisador via5a até a Utri&oW a ser estudada, convive com o grupo e
fa* uma descrição densa das atitudes e significadosCK \Geert*, CKTK^(
A2iste uma especificidade do grupo por mim pes$uisado $ue se distingue dos
estudados por diferentes autores $ue tratam de populaç1es de &ai2a renda.( facilidade da
conversa esta&elecida na rua e nas casas com os moradores, $ue é citada em diversos
tra&alos, não ocorre na #ico 'endes( 'uitas pessoas recusam-se a manter uma
conversação com pessoas $ue não são moradores do lugar, se5a na rua ou na porta de sua
casa( 'as as conversas entre os moradores do &airro são comuns e fre$Zentemente
acontecem nas casas e nos &ecos e %s portas a&ertas( Astas conversas, mesmo $ue se5am na
maior parte das ve*es restritas aos conecidos, remetem a um reconecimento pelos
moradores do lugar de uma maneira de viver receada de um con5unto de valores, $ue não
é a$uele do modelo dominante, mas $ue é compartilado pelo grupo(
o definir esta população como grupos populares urbanos não pretendo uma
omogenei*ação e muito menos um isolamento dos sistemas sim&ólicos destes grupos( L
perceptível $ue as pessoas moradoras da #ico 'endes compartilam elementos
sim&ólicos com as pessoas do lugar onde moram C, e ao mesmo tempo estão em contato
com os referenciais da sociedade comple2a( Ales transitam entre o tradicional e o moderno
e destes dois universos &uscam elementos para significar seu próprio universo ( ssim,
falar em grupos populares nos remete % uma idéia mais a&rangente do $ue classe ou
camada, uma ve* $ue estas fa*em referência a um estrato social particular definido ou em
relação ao mundo do tra&alo ou pela categori*ação determinada por uma lógica social
egemYnica(
A por fim, é importante lem&rar $ue o fato do conceito grupos populares estar no
plural remete-nos % eterogeneidade das diferentes com&inaç1es de valores $ue comp1e os
recortes dos grupos e implica pensarmos na e2istência de aspectos políticos, econYmicos e
CK Geert* distingue os conceitos Upró2imos da e2periênciaW e Udistantes da e2periênciaW, sendo $ue com os primeiros é $ue se pode cegar %s concepç1es nativas, dei2ando as nossas de lado( 'arcus e Fiscer \CKTN^$uestionam o método desta antropologia interpretativa defendida por Geert*, di*endo $ue ainda é umainterpretação do antropólogo( !ugerem uma nova maneira de relatar os escritos etnogr0ficos, tirando oantropólogo do centro da $uestão( #lifford \CKTT^, tam&ém preocupado com a autoridade do etnógrafo,
prop1em uma postura dialógica no tra&alo de campo, $ue consiste em dar UouvidosW %s diversas vo*es $uese apresentam $uando o pes$uisador fa* seu tra&alo, tirando das mãos do etnólogo a UautoriaW do tra&alo(uero dei2ar claro $ue neste tra&alo, apesar de conecer as $uest1es colocadas por 'arcus, Fiscer e#lifford, optei por me &asear em Geert*(. Para maiores esclarecimentos ver >andes \CKNS^, Fonseca \CKTK,CKKR^, ]aluar \CKKH^, !arti \CKKN ,̂
=íctora \CKKT^, Bardim \CKKT^, Paim \CKKT^(C ue poderia ser comparado ao conceito de peda&o ela&orado por 'agnani, CKKT( =er 'agnani, U/a 'etrópoleW, CKKN(
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de crenças informados por valores específicos( o mesmo tempo $ue estes grupos não se
encontram isolados do conte2to social mais amplo, tam&ém não estão dissolvidos nele(
Da57s s7
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) terreno é relativamente plano, com algumas inclinaç1es em determinados
lugares, e foi dividido em pe$uenos lotes onde foram construídas casas de diferentes
materiais( /a maioria das casas 0 uma pe$uena 0rea de terreno onde não 0 nada
construído( L uma espécie de $uintal onde são estendidas as roupas e onde são guardados
os materiais recolidos nas ruas para serem vendidos, como ferros, papelão, latinas( Am
uma conversa com uma adolescente ela me e2plicou uma outra utilidade destes $uintais(
Disse $ue $uando 0 U&atida policialW na UfavelaW as pessoas correm para dentro dos
$uintais, por $ue as agress1es ou morte sofridas pelos policiais dentro da residência - e os
$uintais estão incluídos - são, ou podem ser, consideradas legítima defesa, principalmente
se estas U&atidasW acontecerem durante a noite( ssim, segundo ela, a polícia não entra nos
$uintais por medo de sofrerem agress1es físicas( Ales servem assim, como uma proteção
para os moradores contra a polícia(
)s lotes servem, algumas ve*es, a mais de uma família nuclear tornando os
parentes, principalmente os irmãos, vi*inos( 'as o propriet0rio da casa tem toda
li&erdade de vendê-la( ssim, podemos encontrar imóveis $ue foram inicialmente
divididos entre os irmãos casados e com filos, estarem sendo a&itados por pessoas sem
relação de parentesco( Astes imóveis são casas em $ue foram fecadas as portas internas e
a&ertas portas para a rua, formando-se assim uma nova residência( !egundo uma
informante, moram na #ico 'endes apro2imadamente ... mil famílias(
A2istem muitas casas construídas com restos de madeira, pl0stico e material recolido no
li2o, e algumas delas muito mal alicerçadas, com perigo de caírem a $ual$uer momento,
por estarem podres as madeiras $ue as sustentam(
@oto da cas da alita
Podemos encontrar casas de alvenaria de dois andares, concluídas e pintadas, ao
lado de outras de madeira muito velas e $uase caindo( 6odas as casas $ue eu conecitinam &aneiro com um vaso sanit0rio e uma pia( Am muitas casas 0 apenas um &uraco
na parede onde dever0 ser, um dia, instalado um cuveiro( credito $ue estes &aneiros
foram construídos durante a o&ra de instalação de esgoto( #!/ R além do esgoto
levou 0gua tratada %s casas da #ico 'endes( )utra característica da comunidade é o fato
de aver energia elétrica em todas as casas, providas pela #A>A!#N, não se fa*endo
R #ompania de ;gua e !aneamento de !anta #atarina(N #ompania de Anergia Alétrica de !#(
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necess0rio o uso de ligaç1es clandestinas( pesar das casas contarem com energia elétrica,
os caminos não foram iluminados(
Para uma tentativa de descrição da #ico 'endes não é possível dei2ar de lado o
UcampinoW( Aste é o lugar onde as UcoisasW acontecem e poderia ser considerado o
peda&o \'agnani, CKKT^( L um espaço no meio da comunidade onde não foram
construídas casas( #onstruíram, com a5uda financeira da prefeitura dois campos de fute&ol
com cão de areia, um ao lado do outro, cercados cada um, com um muro de
apro2imadamente um metro de altura e com duas entradas laterais( Ale marca a fronteira
entre a comunidade /ossa !enora da Glória e a #ico 'endes, a primeira fica ao norte
do UcampinoW e num nível mais elevado do terreno( ssim, em um dos lados 0 um
&arranco de apro2imadamente metros, e deste podemos ter uma visão ampla do lugar(
@oto do campin!o
) cão em volta do campino é de &arro como o das ruas $ue ligam o meio da
comunidade #ico 'endes com o asfalto da @< T( uando cove, o lugar fica muito
enlameado, por ser completamente plano e a 0gua não ter para onde escorrer( Aste lugar ou
tem ceiro de terra molada ou de poeira levantada pelo vento(
/este lugar as crianças &rincam, 5ogam &ola, correm soltas( L ali tam&ém $ue foi
colocado um conteiner da #)'#PS, o $ual é recolido três ve*es por semana todo o
li2o 5ogado pelos moradores( lgumas ve*es a diversão da criançada é revirar o enorme
latão de li2o, e por duas ve*es eu vi $ue 5ogaram neste lugar roupas e sapatos velos, $ue
foram recolidos pelas crianças em meio a muitos risos(
L neste espaço $ue em certos dias os traficantes aglomeram-se e é possível ver
carros su&indo pelas ruas $ue dão acesso ao UcampinoW( !ão compradores das drogas
vendidas e muitas ve*es consumidas a&ertamente nos &ecos( 6am&ém é ali $ue durante a
noite os adolescentes re4nem-se para tocar violão e cantar( A nos dias de sol as muleresconversam sentadas no muro( Foi graças a este espaço apropriado para a pr0tica de esporte,
$ue as moças do lugar resolveram fa*er um time de fute&ol feminino, $ue no ano de CKKK
estava treinando com empolgação(
Aste é um espaço de sociali*ação da comunidade além de marcar fronteiras
internas( >aura, uma adolescente moradora do lugar, me disse $ue os meninos ficam
&rincando por ali todos 5untos, U$uando crescem não se largam mais, se depois de
crescidos um vai ser &andido todos vão ser tam&émW(S #)'#P é a compania de recolimento de li2o e saneamento da #apital(
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ANEOS
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Chi67 Men5es fa8ela 7u 67muni5a5eF
/a descrição feita até agora perce&e-se $ue para referir-se ao lugar com termos
outros $ue não o próprio nome U#ico 'endesW, foram usados dois termos: comunidade e
favela( De acordo com o Dicion0rio urélio da língua portuguesa comunidade é
U$ualidade ou estado do $ue é comum, comunão o corpo social a sociedade
$ual$uer grupo social cu5os mem&ros a&itam uma região determinada, têm um
mesmo governo e estão irmanados por uma mesma erança cultural e istórica
$ual$uer con5unto populacional considerado como um todo, em virtude de
aspectos geogr0ficos, econYmicos e3ou culturais comuns ou ainda um agrupamento
$ue se caracteri*a por forte coesão &aseada no consenso espont_neo dos
indivíduos concord_ncia, conformidade, identidadeW \urélio, CKTN^(
!egundo a mesma fonte, o termo favela significa: Ucon5unto de a&itaç1es
populares toscamente construídas e desprovidas de recursos igiênicosW( /a opinião de
]aluar e lvito \CKKT^
Ua favela ficou tam&ém registrada oficialmente como a 0rea de a&itaç1es
irregularmente construídas, sem arruamentos, sem plano ur&ano, sem esgoto, sem
0gua, sem lu*( Dessa precariedade ur&ana, resultado da po&re*a de seus a&itantes
e do descaso do poder p4&lico, surgiram as imagens $ue fi*eram da favela o lugar
da carência, da falta, do va*io a ser preencido pelos sentimentos umanit0rios, do
perigo a ser erradicado pelas estratégias políticas $ue fi*eram do favelado um &ode
e2piatório dos pro&lemas da cidadeW \]aluar e lvito, CKKT:S^(
) termo favela é usado informalmente pelos adolescentes e alguns outros
moradores, $uando remetem-se negativamente ao lugar onde moram ou % sua posição
social, $uando di*em serem UfaveladosW(
Falam em UcomunidadeW os moradores $ue participam ativamente de
reivindicaç1es políticas $ue interferem na vida da$uela população( ) sentido de
comunidade $ue mo&ili*a as aç1es políticas destas pessoas est0 relacionado com uma
possi&ilidade de se pensar nos moradores da #ico 'endes como um con5unto $ue
compartila modos de vida( 6am&ém referem-se ao lugar em termos de UcomunidadeW osdiferentes agentes sociais $ue atuam na 0rea, entre estes estão os conseleiros tutelares e as
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assistentes sociais da prefeitura( Aste mesmo termo pode ser encontrado tam&ém no
relatório feito pelo +nstituto de Plane5amento "r&ano de Florianópolis \+P"F^ em CKK, do
UPerfil das #omunidade #arentes de FlorianópolisW $ue, como o próprio nome di*,
referem-se %s comunidades carentes do município( /este podemos perce&er noção de $ue
no lugar todos são mais ou menos iguais na carência geral de diversos &ens materiais, e
esta noção é geralmente compartilada por agentes sociais $ue intervêm na região(
/os dados contidos no relatório do +P"F é possível apontar para uma percepção
dos limites espaciais diferente da$uele $ue vigora entre a população estudada: os limites
espaciais reconecidos pelo órgão estatal são a$ueles com as ruas da cidade, en$uanto $ue
para o grupo de moradores e2istem limites internos $ue definem comunidades diferentes(
L possível di*er $ue ouve por parte dos respons0veis pela ela&oração do relatório do
+P"F um interesse em definir e delimitar a 0rea de a&itação da população po&re % um
território específicoT( Definir o lugar de residência desta população poderia tornar mais
f0cil para aç1es governamentais de Ucom&ate a po&re*aW direcionadas a um espaço físico
definido( ) fato dos limites internos da favela não serem e2plicitados me leva a pensar em
dois pontos com relação ao tra&alo de levantamento de dados $ue resultou no relatório(
Am primeiro lugar acredito não ter avido contato prolongado com a população do lugar
para se perce&er os limites internos( !egundo, estes limites não importam realmente, na
medida $ue são agrupados como pertencentes a mesma categoria: população carente(
Podemos concluir disto $ue estes agentes sociais estão UconstruindoW um foco de
pro&lema social delimitado territorialmente, e este caracteri*a-se por ser um discurso
legítimo $ue define a po&re*a pelas faltas, entre elas a falta de organi*ação espacial das
residências( Podemos tomar esta atitude como uma continuidade ao movimento $ue
iniciou-se no @rasil, 50 no século passado de igieni*ação das cidades e a transferência da
população po&re para 0reas distantes das 0reas centrais, formando as periferias(
!oiet \CKKS CKTK^K demarca os anos de CTK.-CK. como a$ueles em $uedespontaram a moderni*ação e igieni*ação do país pelos grupos ascendentes,
preocupados $ue estavam em tornar civili*ados os 0&itos das metrópoles( autora aponta
como a causa deste movimento a passagem do tra&alo compulsório para o tra&alo livre,
$uando fe*-se necess0rio tomar medidas para ade$uar omens e muleres dos segmentos
populares ao novo estado das coisas( Mo5e este e2ercício de delimitar territorialmente o
lugar da população mais miser0vel da nossa sociedade pode ser perce&ido no tratamento
T =er ane2o na foto aérea do &airro como a organi*ação das construç1es na #ico 'endes diferenciam-nodas outras residências pró2imas(K Dou*elot, em Polícia das Famílias levanta a mesma $uestão, tratando da França(
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dispensado pelos órgãos municipais respons0veis pelo plane5amento ur&ano, $ue fa*em os
pro&lemas sociais relacionados a este grupo específico, como o tr0fico, a su5eira, a miséria,
a violência, ficarem restritos a esta população e ao local onde moram( o menos no
imagin0rio do senso comum é a UfavelaW $ue detém o estigma da po&re*a-miséria-
violência.(
A construção do problema da pesquisa
s conseleiras tutelares de Florianópolis são principalmente muleres \em CKKK
avia apenas um omem no cargo de conseleiro tutelar^ com formação universit0ria em
Psicologia ou !erviço !ocial( Alas partem de um lugar &em específico no trato dos pro&lemas sociais advindos de situação de violência( Fa*em parte da população $ue
rece&eu instrução de terceiro grau e cursos de especiali*ação na 0rea da violência contra
crianças, e desta forma compartilam valores desenvolvidos na classe média C( Astes
valores estão relacionados com a$ueles caracteri*ados como o discurso oficial so&re
violência(
A2iste uma diferença de valores $ue informam a percepção do $ue se5a violência
entre outras coisas, para estes agentes sociais e para os grupos populares ur&anos, e talve*
isto se5a um fator determinante da dificuldade e2pressada por uma delas, e $ue me
incitaram algumas $uest1es $ue vinam ao encontro de meus estudos anteriores so&re
violência( Foi-me e2plicado $ue a maior dificuldade $ue as conseleiras tutelares vinam
se deparando era a de conscienti*ar as famílias das UcomunidadesW mais UcarentesW da
região de $ue muitas de suas atitudes são 8i7l9n6ia, sendo necess0rio $ue fossem
ministrados cursos e palestras so&re o assunto( /esta afirmação ficou claro $ue as pessoas
destas Ucomunidades carentesW não compartilam com as conseleiras tutelares do mesmo
entendimento do conceito de violência, partindo de pontos de vista, de vivências, de
famílias, de vida, diferentes(
o e2pressarem a dificuldade em fa*er as famílias carentes entenderem $ue suas
atitudes são violência, perce&i $ue as conseleiras tutelares consideravam $ue estes grupos
populares tinam uma percepção errada dos seus próprios atos( Alas partiam do princípio
de $ue les faltava discernimento para perce&erem suas próprias atitudes como violência(
. =er #una \CKKN^ em te2to $ue a autora levanta cinco formas de se perce&er as favelas do
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Astas idéias me levaram a procurar compreender melor as populaç1es alvo de programas
de com&ate % violência doméstica, principalmente no $ue se refere %s suas formas de
resolução de conflito, se5am elas violentas ou não( Por$ue se muitas de suas atitudes não
são entendidas, por eles próprios, como violência \da mesma forma como as conseleiras
tutelares a entendem^, o $ue é violência para estas famílias carentes de FlorianópolisV Por
$ue e2istem diferentes entendimentos do $ue se5a violênciaV ual a lógica $ue est0
informando os comportamentos destes gruposV
Desta forma, o $ue pretendo com este tra&alo est0 relacionado com dois pontos 50
levantados: família3 parentesco e entendimentos diferenciados do $ue se5a violência(
proposta é de ampliar as fronteiras das relaç1es omem3 muler, geralmente esta&elecida
nos estudos de violência contra muler, e nas de pais3 filos nos estudos de violência
contra crianças e adolescentes, e centrar a atenção nas outras relaç1es presentes e atuantes
nos conflitos domésticos( Pretendo, assim, com a an0lise das relaç1es de parentesco,
ampliar o foco dos atores sociais em cena nos momentos de conflito, a&rindo a
possi&ilidade de ressaltar os aspectos constituidores da própria relação( /este caso, cada
posição no sistema de parentesco define uma atri&uição na promoção e na resolução do
conflito( /ão é mina intenção discutir ou minimi*ar os efeitos pessoais e sociais das
situaç1es de violência, mas sim, propor uma forma outra de perce&er o pro&lema $ue não
a$uela 50 amplamente divulgada e $ue é carregada de valores, ou é &om ou ruim(
/esta dissertação o&5etivo analisar o papel dos elos de parentesco no con5unto de
relaç1es de violência doméstica vivenciadas por um grupo de famílias da comunidade
#ico 'endes( A para isso recorro % descrição de uma série de processos de tensão e
conflito através do relato de seus protagonistas, delimitando dentro destes relatos o $ue é
considerado violência doméstica( /este sentido são tra*idos a tona as categorias relativas a
parentesco colocadas em cena nos relatos e delimitado $ual o papel destas relaç1es na
geração do conflito e3ou na sua resolução(pesar dos tra&alos com grupos ur&anos privilegiarem os estudos de família, eu
optei neste tra&alo por uma a&ordagem das relaç1es de parentesco ao estudar as famílias
da #ico 'endes( +sto por$ue o parentesco caracteri*a-se &asicamente pela forma de
com&inação das relaç1es, e durante os conflitos domésticos diferentes relaç1es de
parentesco foram acionadas, e2trapolando o universo da$uilo $ue se considera família(
Duran \CKT^ e2plica a distinção entre os estudos de família e de parentesco,
argumentando $ue o sistema de parentesco é considerado fundamentalmente um artefato
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intelectual e cultural, na medida $ue não é uma estrutura sólida, material, mas é comum a
todas as sociedades(
U) $ue caracteri*a &asicamente um sistema de parentesco não é o conte4do
das relaç1es $ue se esta&elecem através dele, mas a forma da com&inação
dessas relaç1es( /este sentido os sistemas de parentesco constituem
propriamente uma linguagem, e sistemas semelantes podem ser encontrados
em sociedades economicamente muito diversas e, inclusive em tipos de
famílias diferentesW \Duran, CKT:-^(
Por isso, o parentesco não pode ser conce&ido como uma e2tensão dos laços
familiares, sendo, ao contr0rio, um pressuposto, $ue é manipulado na constituição dos
grupos $ue podemos denominar famílias( família, por sua ve*, é pensada como um
sistema real, concreto, palp0vel, em $ue as propriedades materiais e as relaç1es de poder
entre seus mem&ros servem para defini-la( 'ina pes$uisa de campo levou-me muito mais
%s formas como as relaç1es se com&inavam, e assim, optei pelo parentesco(
Para $ue esta an0lise fosse possível foi necess0rio um convívio cotidiano 5unto a
algumas famílias da #ico 'endes( Para tal, fui recomendada por uma conseleira tutelar
a procurar um morador da comunidade, envolvido em aç1es comunit0rias, $ue poderia me
a5udar, apresentando-me algumas famílias(
Minha inser@7 em 6am:7
s conseleiras tutelares $ue procurei inicialmente me indicaram D0rio, um
morador da comunidade $ue se dedica a tra&alos sociais, como um possível contato para
o início de meu tra&alo( Ale reside em uma casa comunit0ria camada U#entro de
tividades #omunit0rias #ico 'endesW, em $ue residem outras cinco pessoas e por onde
circulam outros tantos moradores da comunidade, principalmente adolescentes( L neste
local $ue são desenvolvidas atividades como aula de teatro, artesanato, tapeçaria, pintura,
&em como os encontros da cate$uese e da crisma(
lém disto, esta casa é sede de uma )/G $ue tem como atividade principal o
pro5eto 6ecendo =ida( D0rio é o coordenador deste pro5eto $ue tra&ala com . famílias da
comunidade( 6rês educadoras fa*em visitas domiciliares di0rias, além de serem
6odos os informantes tiveram seus nomes trocados, passando a serem tratados por nomes fictícios(
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promovidos encontros $uin*enais com as famílias atendidas para conversar so&re diversos
temas, entre eles a família, os pro&lemas com as crianças, tra&alo, li2o e violência
doméstica( /as visitas as educadoras conversam muito com as famílias, procuram ouvir os
pro&lemas vivenciados e &uscam fa*ê-las assumirem os cuidados e responsa&ilidades com
relação a si próprios e principalmente com as crianças e adolescentes da família( lém
disso, 0 a distri&uição mensal de uma cesta &0sica para cada família atendida pelo pro5eto(
Am março, no início do meu tra&alo de campo, encontrei-me com D0rio na casa
dele e apresentei a mina proposta de tra&alo no mestrado, pedindo a5uda a ele para
iniciar a pes$uisa( Ale ouviu sem comentar e me convidou para caminarmos pela
comunidade( Durante o tra5eto D0rio conversou com muita gente, apresentando- me as
pessoas( 'uitas crianças o a&ordavam, falavam so&re a escola e a família( Au falei pouco,
o&servei as coisas e as pessoas e sorri muito( Astava procurando ficar % vontade(
/este mesmo dia encontramos uma professora da "F!# $ue avia levado sete de
suas alunas para uma visita % comunidade( Duas delas entraram no $uintal de uma casa em
$ue avia uma 5ovem senora com epatite e fi*eram muitas perguntas so&re ervas $ue ela
tina no $uintal, en$uanto as outras ficaram esperando na servidão, olando( Fran*iam o
ceno ao verem suas colegas me2erem nas plantas e o&5etos 5ogados pelo $uintal, comiam
e ofereciam &olacas %s pessoas( lguns rapa*es $ue estavam sentados em uma escada
pró2ima, gritavam $ue elas precisavam ir na casa deles e les fa*iam propostas se2uais,
di*endo: Unão $uero comer &olaca, $uero o teu &iscoito( =em c0 $ue eu vou te comer(
=ocês tão precisando de pauW( Au e D0rio seguimos o camino e $uando passei por eles eu
sorri e fi* um gesto com a ca&eça em forma de cumprimento, sem me intimidar com as
palavras proferidas, todos me olaram e um deles riu para mim, cumprimentando-me(
Depois, $uando 50 est0vamos voltando D0rio comentou o comportamento das
Umoças da universidadeW, e 5ustificou as palavras usadas pelos moços do camino di*endo
$ue eles fa*iam isso para intimid0-las Upor$ue ficavam muito &ra&os com a forma $ue elasse apro2imavam: parecia $ue tinam no5oW( !enti $ue a forma como me portei na$uela
situação e depois 5unto das famílias, foi o&servado, e de certa forma foi aprovado( Passei
assim, por uma espécie de rito de passagem em $ue rece&i aprovação do D0rio, e $uando
voltamos para sua casa disse para eu voltar em dois dias para ser apresentada %s
educadoras do pro5eto e, tam&ém, aos moradores do lugar( Foi D0rio $uem me apresentou
algumas muleres moradoras do lugar, entre elas Franci, Dalva e #leo, as educadoras do
pro5eto 6ecendo =ida, $ue me acompanaram em minas primeiras visitas ao lugar da pes$uisa(
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/ão seria e2agerado di*er $ue a forma de contato $ue esta&eleci com as famílias
pes$uisadas foi marcada por este rito de passagem( Durante mina pes$uisa de campo, em
minas conversas com as pessoas, pertencentes ao universo de mina pes$uisa, eu sentava
no cão do U&ecoW se todos estivessem ali reunidos, entrava nas casas, tomava café e
cimarrão se me ofereciam( !entava nas camas, muitas ve*es 4midas com a urina das
crianças $ue dormiam ali amontoadas, por ser geralmente este o 4nico lugar para sentar(
Am minas visitas iniciais eu fi$uei muito tempo calada( Antrava nas casas,
cumprimentava a dona da casa e dei2ava $ue Dalva fi*esse as perguntas $ue $ueria, ou
conversasse com elas( >imitava-me a sorrir e o&servar tudo em torno de mim, algumas
ve*es fa*ia uma pergunta so&re as crianças e os parentes, 50 $ue em pouco tempo eu teria
$ue fa*er minas visitas so*ina e seria preciso identificar as crianças e outros moradores
de cada casa(
Depois de 50 mais familiari*ada com as pessoas passei a fa*er so*ina meu tra&alo
de cegar nas casas ou nos grupos reunidos na rua e pu2ar conversa, ou algumas ve*es só
ouvir a$uela $ue 50 estava acontecendo( 'eu contato com os omens das casas foi restrito
e intermediado pelas esposas( !omente depois de muita conversa com elas é $ue, em
algumas casas, pude conversar tam&ém com os maridos, e principalmente entrar nas casas
$uando estes tam&ém l0 estavam( Por$ue a mina conversa acontecia geralmente com as
muleres, em primeiro lugar por$ue referir-se %s famílias da #ico 'endes re$uer
necessariamente $ue se fale das3com as muleres( !ão os seus primeiros nomes $ue são
usados para caracteri*ar uma família nuclear( A além disso, eu era uma pes$uisadora
muler, e o universo a $ual eu tive acesso mais facilitado foi o feminino (
pes$uisa foi feita principalmente no período vespertino por $ue durante a manã,
principalmente no inverno, a maioria das pessoas \os $ue podem por não terem tra&alo
com ora marcada^ dormem até tarde( >ogo depois de acordar os omens saem para
tra&alar e as muleres, ou saem para providenciar a refeição do dia, ou estão muitoocupadas nos afa*eres domésticos( ssim, $uando mina visita era neste período, elas
evitavam me dar atenção, demonstrando algumas ve*es $ue eu estava atrapalando(
Durante as tardes, algumas ve*es os maridos continuam na rua tra&alando, $ue
pode ser na própria comunidade, algumas ve*es ficam pelos &ecos conversando em grupo
)s integrantes do pro5eto 6ecendo =ida durante meu tra&alo de campo estavam discutindo em umareunião so&re a escola de outra educadora, 50 $ue uma delas saiu do pro5eto( Franci propYs $ue seescolesse um omem, 50 $ue elas como muleres tinam difícil acesso aos omens das famílias estudadas(
Franci alega $ue omem pode falar melor com omem( ssim, penso $ue mina dificuldade em conversar com os omens não é uma e2clusividade da mina pes$uisa, $ue foi feita em apenas sete meses, mas umacaracterística da divisão de papéis de gênero(
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de omens, 5ogando &olica, ou ainda, sentam-se nos &ares para tomar cacaça( s
muleres aproveitam o tempo para lavar a roupa, &uscar lena, mendigar, conversar com
as vi*inas, ou visitar os parentes( Foi durante estes períodos $ue pude cegar nas casas,
sentar na roda de conversa, escut0-las e fa*er minas perguntas so&re diversos assuntos
cotidianos( @uscava sa&er principalmente so&re suas relaç1es de parentesco, a istória de
suas vidas, $uantos irmãos tinam, 0 $uanto tempo eram casados, $uantos filos, &em
como so&re os conflitos familiares, agress1es entre parentes e entre vi*inos(
L &astante recorrente o fato de marido e muler fre$Zentarem a casa em momentos
diferentes do dia, com e2ceção do período noturno, mas depois de $uase um mês de
minas primeiras visitas tive acesso a uma roda de conversa no &eco onde mora a família
de #reonice, em $ue os maridos participavam( /este dia eu fui UtestadaW, 50 $ue o marido
de #reonice resolveu se insinuar para mim( !orrindo com a &oca faltando dentes na frente,
ele di*ia $ue sua muler estava muito vela e $ue estava na ora de troc0-la por outra, ao
mesmo tempo $ue me convidava para ficar toda a noite ali sentada conversando com ele(
Au sorri da mesma forma $ue estava sorrindo antes, evitei mudar mina e2pressão, e disse
$ue minas filas estavam me esperando em casa, e este era um motivo muito forte para
não continuar conversando tam&ém durante a noite( !enti muito medo de #reonice ficar
enciumada e cortar minas visitas % sua casa, mas aco $ue ela gostou de mina resposta,
por$ue sorriu para mim e continuou a conversa, e não me vetou nos encontros
su&se$uentes(
Aste comportamento não foi e2clusivo do marido de #reonice, outros omens de
outras casas e nas ruas tam&ém me UcantavamW insinuando propostas se2uais, camando
de UgostosaW, olando nos olos com um sorriso de canto de l0&ios passavam a mão no
pênis, convidavam-me para entrar em suas casas( Depois de dois meses visitando as
famílias isto dei2ou de acontecer, e meu contato com os maridos foi maior, mas sempre
com a presença da esposa( uando elas não estavam eu evitava ficar, para $ue nãoouvesse ci4mes por parte delas com relação % mina presença, e conse$uentemente,
minas visitas fossem proi&idas, o $ue feli*mente não aconteceu(
!o&re a mina relação com a população masculina da comunidade 0 um ponto
$ue merece ser ressaltado por apontar especificidade do lugar e remeter a alguns elementos
importantes a serem considerados na entrada em campo( Di* respeito aos adolescentes
omens, mas tam&ém a aceitação da mina presença pelos moradores da #ico 'endes(
Desde o início da pes$uisa eu intuía $ue a aceitação dos adolescentes omens dolugar era muito importante( Ales aglomeram-se em pontos estratégicos do camino,
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fumando e conversando( )lam com olar de desafio, $ue muitas ve*es me provocava
medo( A mina estratégia de passar por eles era não olar nos olos de nenum, a menos
$ue eu 50 tivesse sido apresentada a algum deles em alguma casa, aí sim, olava para este
rapa* e o cumprimentava( +sto me dava uma sensação de segurança(
Aste medo não é infundado( "m certo dia duas irmãs de sete e de* anos, filas de
uma das minas informante, resolveram andar pela comunidade comigo( Fomos em um
lugar $ue elas não costumavam circular( muler $ue eu procurava não estava em casa,
&em como suas vi*inas, resolvi voltar e as meninas voltaram comigo( uando est0vamos
passando em uma parte do &eco em $ue 0 casas dos dois lados do camino dois omens
5ovens vieram andando atr0s de nós( uando as meninas sentiram a presença dos omens,
olaram para tr0s e $uando viram $ue não eram conecidos, apro2imaram-se de mim(
mais moça cegou a agarrar-se ao meu casaco, ficando com o corpo colado ao meu( Fi$uei
com medo( #omecei a andar mais devagar para o&rig0-los a passar por nós( uando eles se
apro2imaram nos retraímos, dando espaço no camino para permitir a passagem( Ales
foram em&ora e nós rela2amos e nos espalamos na passagem do &eco, ocupando todo o
espaço e respirando aliviadas( menina soltou mina &lusa(
#omo 50 foi colocado, no início eu apenas intuía o perigo $ue estes meninos
podiam representar( !ó &em mais tarde em uma conversa com uma moradora do lugar, foi-
me dada uma informação e2plícita do papel $ue estes moços desempenam na
UcomunidadeW( Am uma reunião da associação de moradores uma das participantes falava
das suas visitas $ue aviam aca&ado de ir em&ora, di*ia $ue sua cunada sentia medo de
le visitar, por$ue ela morava em uma favela( !eu pai e uma outra muler, #arina, $ue
estavam na reunião comentaram $ue isso era Uuma &o&agem, por $ue se não me2er com
eles, eles não me2em com a genteW( Au perguntei: Ueles $uemVW ao $ual me responderam:
Uos meninos da maconaW( #omo minas perguntas $ue&ravam o ritmo da conversa, fi$uei
calada ouvindo( #ontinuaram di*endo $ue Uperigoso é se tem alguém de foraW( #arinacontou $ue outro dia ela voltava do tra&alo por volta das :.. oras e entrou por um
&eco $ue nunca utili*ava como camino para casa( Disse $ue vina andando e sentiu uma
presença de uns moços atr0s dela( /ão virou para olar mas perce&eu $ue eram três,
apertou o passo e eles tam&ém andaram mais r0pido( #ontinuou di*endo $ue ficou com
medo, principalmente por$ue avia rece&ido seu sal0rio $ue estava todo dentro da &olsa(
Ala contou $ue entrou em uma entrada do &eco e l0 estavam uns rapa*es do lugar e um
deles colocou os moços $ue a seguiam para correr di*endo: Unão me2e com a muler $ueela é da nossa 0reaW( #arina di*ia $ue U$uem defendeu era um dos nossos da$uiW(
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conversa continuou so&re olar ou não para tr0s $uando se perce&e estar sendo seguida, e
eles tinam opini1es diferentes( #oncluí $ue o pertencimento ao grupo evita maiores
pro&lemas com os rapa*es(
Am uma conversa com um adolescente morador do lugar o&tive mais e2plicaç1es
so&re o papel $ue estes adolescentes desempenam na comunidade( alter contou $ue o
seu tio vai morar em uma casa onde tem uma escada $ue é um ponto em $ue os meninos
fumam macona( ) coment0rio de alter foi: Uele vai ficar capado só com o ceiroW( Au
perguntei: os meninos sempre fumam macona l0( Por$ueV
: Upor $ue l0 polícia não vaiW(
Au: Upor$ueVW
: Upor $ue l0 é perigoso para a polícia( /o &eco a polícia nunca entraW
Au: Upor$ueVW
(: Uos meninos ficam l0 e sempre tem uns na entrada, cuidando( !e a polícia entrar leva
pedra ou cum&o( )utro dia eu tava de noite no campino sem documento, a polícia
cegou, eu corri pro &uraco X l0 é camado de &uraco por $ue $uando a gente ola de fora,
l0 fa* &em um &uraco, assim, ó X a polícia veio até um pedaço, mas l0 ela não entra(
/unca(W
Au: Umas eu não teno medo de ir l0( Por $ueVW
(: Umas tu não é políciaW(
/este momento me foi e2plicitado $ue os moços controlam os acessos aos
diferentes espaços da UcomunidadeW, eles cumprem assim função de polícia( !ão eles $ue
5ulgam $uem entra ou não nos &ecos e em $ue or0rios isto é possível( Antendi $ue meu
acesso irrestrito aos diferentes espaços do lugar foi aprovado por estes moçosH( A isto est0
relacionado com o comportamento e a postura $ue assumi ao fa*ê-lo( Antrar nos &ecos sem
o aval dos moradores, principalmente dos adolescentes omens, é, senão, impossível, ao
menos, muito difícil( 6er sido aprovada pelos integrantes do pro5eto 6ecendo =ida e pelosmoradores possi&ilitou, além de mina r0pida entrada em campo, um sentimento de
segurança $uando transito pelas servid1es do lugar( Depois desta conversa com alter
passei a pensar no privilégio $ue eles me dão em dei2ar $ue eu transite pelo seu espaço(
Questões metodológicas
H !o&re este assunto ver Fonseca \CKKR^ e ]aluar \CKKH^(
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Família em conflito
6ra&alei durante sete meses - de a&ril a outu&ro de CKKK - com apro2imadamente
trinta famílias( 'uitas delas eram atendidas pelo 6ecendo =ida, mas não me ative % estas,
50 $ue com as visitas constantes fui conecendo outras pessoas e incluindo-as em meu
tra&alo( #entrei minas atenç1es em metade delas, tra&alando sistematicamente( #om a
outra metade eu tive contatos espor0dicos, se5a na reuni'o de mul!eres promovida pelo
6ecendo =ida, se5a em suas casas ou $uando as encontrava na rua(
uando a dona da casa estava so*ina eu cegava e perguntava: Ue daíV ) $ue me
contas de novoVW e procurava um lugar para me sentar ou encostar, tentando demonstrar
$ue estava com &astante tempo para o $ue eles camavam de Uprosa fiadaW( /ormalmente
elas respondiam: Ude novo nadaW e começavam a conversa so&re o assunto $ue les
interessava( /ão foram poucas as ve*es $ue a conversa não se desenvolvia, tornando o
am&iente um pouco desconfort0vel( #om o tempo aprendi $ue nestes momentos é melor
calar-se ou ir em&ora, por $ue fa*er muitas perguntas os fa*iam calar e até ficarem irritados
comigo( uando mina opção era ir em&ora, fa*ia-se necess0rio voltar nos dias seguintes
para manter certa const_ncia em mina presença( Por$ue para se sa&er das coisas
cotidianas é preciso $ue se5am comentadas en$uanto estavam acontecendo, depois $ue
passou algum tempo é mais difícil fa*er as pessoas falarem so&re o assunto( Depois de
certo tempo de pes$uisa minas informantes perce&eram $ue eu gostava de sa&er so&re as
&rigas entre os parentes, e assim, a primeira coisa $ue me contavam era das novidades de
$uem tina &rigado com $uem nos 4ltimos dias(
'uitas ve*es, $uando algumas pessoas estavam reunidas eu cegava e ficava
calada durante muito tempo, dei2ando $ue a conversa fluísse, sempre com meu &loco de
notas na mão e mina &olsa enorme a tiracolo com a alça larga atravessada no peito( Fa*ia
anotaç1es so&re tudo $ue me camasse a atenção, e aperfeiçoei a técnica de escrever
olando para a pessoa $ue falava( /o início eu era um figura $ue causava curiosidade,
$ueriam sa&er o $ue eu escrevia e o $ue eu tina na &olsa( Depois $ue eu mostrei algumasve*es o $ue estava escrito no &loco e as &ugigangas $ue carregava na &olsa, tornando-a
e2cessivamente pesada, eles perderam a curiosidade com relação a mina pessoa(
Am um dia de reunião no &eco, uma muler sentou-se ao meu lado lendo o $ue eu
escrevia( #omeçou a me contar mentiras para $ue eu escrevesse, como ela di*ia, Ucoisas
erradasW( 'as todos rapidamente desmentiam( Ala perguntou se me pagavam para ficar
escrevendo Uprosa fiadaW( Au disse $ue meu tra&alo era escrever, e $ue eu ia escrever um
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livroR, por isso escrevia r0pido e durante a conversa( Ala espantou-se por eu escrever sem
olar no papel( Au disse $ue fa*ia outras coisas tam&ém além de escrever prosa fiada, e ela
ficou mais tran$Zila por eu produ*ir algo mais $ue a$uelas U&o&agensW(
/o início do tra&alo eu me apresentava como sendo estudante da universidade,
mas isso não les significava a mesma coisa $ue significava para mim, perguntavam-me
então se eu era assistente social( Depois de muito tentar e2plicar $ue eu estava fa*endo
uma pes$uisa so&re as famílias da #ico 'endes, resolvi di*er $ue estava escrevendo um
livro so&re as famílias da #ico 'endes e para isso eu precisava conversar muitas ve*es
com diversas pessoas( ) termo "niversidade não les di*ia nada, perguntavam o $ue era
isso, o $ue foi muito difícil e2plicar por$ue e2igia $ue tivessem certo conecimento so&re
a diferença entre a escolaridade de primeiro e segundo grau, o $ue não era recorrente(
lgumas pessoas associavam-no ao Mospital "niversit0rio, local a $ue recorriam nos
momentos em $ue era preciso internação ospitalar gratuita(
Di*er $ue estava escrevendo um livro me tornou, ao seus olos, diferente das
assistentes sociais $ue l0 atuavam( /ão foi a 4nica forma de distinção $ue marcou mina
presença( mina postura com relação %s suas necessidades materiais tam&ém era
diferente( /o início da pes$uisa de campo todos me pediam coisas como roupa, café,
co&ertores, apesar de sentir uma enorme vontade de providenciar algumas coisas $ue les
eram necess0rias, principalmente gêneros alimentícios, pensei $ue isto poderia pre5udicar
meu tra&alo, por aver a possi&ilidade de eu ser identificada com os agentes sociais $ue
atuam na 0rea( ssim, eu sorria e di*ia Uvou verW ou Utem $ue pedir para a DalvaW, e não
providenciavaN( "ma situação $ue demonstra $ue esta mina atitude cola&orou para o
esta&elecimento de uma relação diferente da$uela $ue as assistentes sociais esta&elecem
com a população local est0 em meu di0rio de campo de .C3.S3KK:
Undré acordou e estava todo mi5ado, pedi e insisti para $ue
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