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fABRICIO V. HINRIQUf DO\ SANTOSJOÃO PAULO MONTEIROFLÁVIA PRESGRJIVC BRUlDZEN5KIW~RIO IUII UilGAOO
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www.mortorelli.com.brmodV@mortmelli.[llm,br
MARTORELLIE GOUVEIAADVOGADOS
EXMO. SR. DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL
REGIONAL FEDERAL DA 5~. REGIÃO.
AC n2 468441-PE
(Processo n2 2000.83.00.014864-7)
MENDES JÚNIOR ENGENHARIA S/A, já devidamente
qualificada, nos autos das Apelações Civeis reunidas no processo em
epígrafe, vem, respeitosamente, por seus advogados infra
assinados, interpor, no prazo legal e nos moldes do artigo 102,
inciso 111, alínea "a", da Constituição Federal,
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
em face do Acórdão da Colenda 1ª. Turma desse Egrégio Tribunal,
proferido no julgamento das Apelações Cfveis reunidas sob o n2
468441-PE, íntegrado pela decisão dos consectários Embargos
Declaratórios e que, reformando a sentença de primeira instância,
pronunciou o julgamento de improcedência da ACÃO ORDINÁRIA
DE COBRANÇA promovida pela ora Recorrente em face da
COMPANHIA HIDRO ElÉTRICA DO SÃO FRANCISCO - CHE5F e na
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Rue trnestl' de PdUlo 50n10l, 187·19' alldar· Empre,arial h,elsior -Boc Viogem -m 51021-330 i ReClre Pr! Brosi! IFone: 55 81 346';-D555· Fm: 55 81 3464-aSl!
RECIFE I SALVADOR I BRASíLIA I GOIÂNIA I 540 PAULO I JOÂO PESSOA I ARACliJU
•
MARTORELUf GOUVEIA
M~M.".'.~'.'.'W
qual intervieram, como Assistente Simples, a UNIÃO FEDERAL e o Ministério Público
Federal.
Considerados os argumentos esposados no anexo
Memorial de Razões Recursais, a Recorrente requer que Vossa Excelência,
determinando a intimação dos Recorridos para apresentarem contrarrazões, no devido
prazo, receba o presente recurso para, assim, determinar sua remessa dos autos à
Superior Instância, que haverá de conferir-lhe provimento.
Juntando à presente os comprovantes de recolhimento
das custas, dos portes de remessa e retorno, em comprovação da prévia reali~
preparo, (
~.,~...o ARMANDO COSTA MENEZESOAB/PE 14.729
OAB/PE 10.140
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MARTORELLIE GOUVEIA
·'9·;".···;·,.
Tribunal Regional Federal da 5a. Região
AC n" 468441 -PE
(Processo n" 2000.83.00.014864-7)
Apelantes - MENDES JÚNIOR ENGENHARIA S/A, COMPANHIA H/ORO ELÉTRICA DO
sÃo FRANCISCO, UNIÃO FEDERAL e MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Apelados - OS MESMOS
(Recurso Extraordinário interposto pela apelante MENDES JÚNIOR ENGENHARIA SiA)
RAZÕES DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Exmo. Sr. Desembargador Presidente da Egrégio TRF-Sº. Região;
Doutos Ministros do Pretória Excelso,
o presente Recurso Extraordinário há de ser conhecido e
provido, ante os argumentos jurídicos que a seguir se enunciam:
Requisitos de admissibilidade
De plano, a Recorrente ressalta a presença dos requisitos
à admíssibilidade recursal.
No que pertine ao prazo, observa-se que o Acórdão
recorrido fora publicado em 09.03.2010, tendo sido a ele opostos Embargos
Declaratórios, em 15.03.2010, cujo julgamento se fez consubstanciar em Acórdão
3
-lIIl
MARTORELLIE GOUVEIA.•.•.,,'.;•.•.e.'.
publicado em 19.05.2010, consoante devidamente documentado nos autos, o que
revela a plena tempestividade do presente recurso.
Quanto ao prequestionamento, verifica-se que a matéria
recursal, notadamente no que concerne à aplicação dos dispositivos da Constituição
Federal que conferem supedâneo ao recurso ora interposto, fora sobejamente
prequestionada, desde os Embargos Declaratórios opostos em face da sentença de
primeiro grau, às Razões e Contrarrazões das Apelações em referência, reiterando-se a
abordagem, enfim, nos Embargos Declaratórios opostos em face do Acórdão ora
recorrido.
Quanto ao enquadramento constitucional, verifica-se,
dos argumentos enunciados nos tópicos seguintes, o pleno cabimento do recurso ora
interposto, condizente com a moldura traçada no artigo 102, inciso 111, alínea "ali, da
Lex Mater. A propósito, a Recorrente salienta: o presente Recurso Extraordinário
contempla matéria estritamente de direito, apontando a colisão direta entre o
Acórdão recorrido e os dispositivos da Constituição Federal aplicáveis à espécie,
inclusive ante a orientação jurisprudencial do próprio Excelso Pretório.
In casu, como a seguir se detalha, a Recorrente,
preliminarmente, suscita nulidade do acórdão recorrido, por fenda de fundamentação
(Constituição Federal, art. 93, inciso IX).
E, no núcleo da questão de mérito, a Recorrente invoca
precedente coisa julgada material que, expressamente, declarou a existência de um
crédito seu contra a CHE5F, definido como crédito concernente à remuneração do
capital atinente ao período em que a Recorrente executou a obra da Usina
Hidroelétrica de Itaparica sem receber, pontualmente, a respectiva remuneração
contratual.
A propósito, assinala-se: a precedente coisa julgada
material declarou a existência do crédito e o definiu como remuneração do capital,estabelecendo que a sua quantificação deveria ser apurada com a aplicação de iurosde mercado.
o Acórdão recorrido, porém, atentando contra a dita
precedente coisa julgada material, terminou por declarar que não existiria crédito
algum da Recorrente contra a CHE5F, sendo certo que a coisa julgada somente poderia
ser desconstituida pelo adequado e devido processo legal concernente à ação
4
-..
MARTORELLTE GOUVEJA
rescisória - o que, in casu, inocorreu -, pelo que o acórdão ora impugnado contraria a
dicção do artigo 5º, da Lei Maior, na conjugação de seus incisos XXXVI, lIV e LV.
o presente Recurso Extraordinário, portanto, quanto à
questão nuclear de mérito, se assenta na alegação de colisão direta entre o Acórdão
recorrido (que ousou declarar a inexistência do crédito em foco) e a precedente coisa
julgada material, que declarara a existência e a natureza do crédito da Recorrente
contra a CHESF), de tal sorte que, assim, aponta-se a colisão direta entre o Acórdãorecorrido e o artigo 52, incisos XXXVI, L1V e LV, da Carta Magna, divergindo tal
veredicto da orientação jurisprudencial do próprio STF, como a seguir se demonstra.
Nesse diapasão, constata-se, em suma, que o fulcro da
irresignação recursal em foco, além da questão da fenda de fundamentação (CF,art.93, IX), é a invocação da garantia constitucional de proteção à COISA JULGADA (CF,
artigo 5º, inciso XXXVI, da Lei Maior), sendo certo, neste tom, que a alusão que aRecorrente faz à garantia do devido processo legal (incisos L1V e LV, do artigo 52, da
Carta Magna) tem o mister de identificar que o Acórdão recorrido, não tendo sido
exarado em sede de ação rescisória, realmente não se fez assentar em devido
processo legal à desconstituição da COISA JULGADA a ele precedente.
Assim, como a seguir se verifica, a Recorrente demonstra
que o acórdão recorrido afrontou DIRETAMENTE a Constituição Federal, porquanto
violou a garantia da preservação da COISA JULGADA MATERIAL, expressamente ditada
em dispositivo da Lex Mater, cuja aplicação não depende, a principio - e no caso
presente -, de exame da legislação infraconstitucional.
A afirmação supraenunciada se afigura inconteste,
quando se verifica o confronto entre o acórdão recorrido e o precedente acórdão 'que
transitou em julgado (COISA JULGADA MATERIAL), o que revela, via de consequência, acolisão DIRETA entre o acórdão recorrido e a proteção CONSTITUCIONAL da coisa
julgada.
Nesses moldes, o Recurso Extraordinário ora interposto
se enquadra na prevlsao do artigo 102, inciso 111, alínea "a", da Constituição, não
instando o STF a perquirir sobre matéria fática, nem sobre a valoração da prova dos
autos, nem a interpretar a legislação infraconstitucional, mas, tão somente, a
reconhecer, diante da fenda de fundamentação do acórdão recorrido ou, em
sucessivo, diante dos termos da precedente coisa julgada, a procedência da pretensão
recursal, ante a colísão entre o Acórdão recorrido e os dispositivos constitucionais em
foco. E o exame dos efeitos juridicos da fenda de fundamentação e dos termos da
5
-
J
MARTORELLIE GOUVEJI\
•.•.,+.,+. .e.s.
precedente coisa julgada coisa julgada material bem se amolda, in cosu, à lúcida
observação de Humberto Theodoro Júnior:
'l..] É preciso fazer uma distinção entre a verificação da
ocorrência do fato e o exame dos efeitos jurídicos do fato
certo ou ínconteste. Saber se ocorreu ou não, ou como
ocorreu certo fato, é matéria própria da análise da prova, é oque tecnicamente se denomina questão de fato, que não se
inclui no âmbito do recurso especial. Quando, porém, acontrovérsia gira, não em torno da ocorrência do fato, mas da
atribuição dos efeitos jurídicos que lhe correspondem, aquestão é de direito, e, portanto, pode ser debatida noespecial"l,
Não obstante a nota doutrinária fazer menção ao recurso
especial, é evidente que sua dicção igualmente se aplica ao recurso extraordinário.
Ante o aduzido, constata-se a presença dos requisistos da
tempestividade, prequestionamento e enquadramento constitucional à viabilidade
recursal, sendo certo que, aliando-se a tais requisitos de admissibilidade, igualmente
se faz presente, in casu, a repercussão geral da matéria jurídica objeto deste recurso,
como a seguir se assinala.
Repercussão geral
Quanto à repercussão geral, assinala-se que os
fundamentos da pretensão recursal, consoante diccionados nos tópicos seguintes,
dizem respeito a matérias de ordem pública: a exigência constitucional de higidez de
fundamentação das decisões judiciais (CF, ar!. 93, IX) e a proteção à COISA JULGADA
MATERIAL, proclamada no rol dos DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS (CF, art.
SQ).
1 THEODORO Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, 41.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004,
v.1. p.sn.6
•
MARTORELLIE GOUVEIA
•.•.•". N·s.e.,.
Cuida-se, portanto, de matérias de ordem pública, afetas
à incolumidade do sistema jurídico pátrio, que projeta, inegavelmente, repercussão
geral.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a
repercussão geral da matéria objeto do Recurso Extraordinário nº 590880,notadamente da arguição de violação ao artigo 52, inciso XXXVI, da Constituição
Federal, precisamente no que tange à proteção constitucional à coisa julgada (Proc. RE
590880 RGjCE; Relatora: Ministra Ellen Gracie; Decisão publicada no Diário Eletrônico
da Justiça n2 035, em 20.02.2009), o que corrobora as assertivas supraenunciadas.
Ademais, no caso presente, a admissão da União como
Assistente, decorrente de veredicto do STJ, que deu azo ao próprio deslocamento da
competência para a Justiça Federal, e a admissão da Apelação do Ministério Público
Federal estiveram fulcradas, como revela o acórdão ora recorrido, na constatação de
que o presente processo teria dimensão afeta ao interesse público geral,
transcendendo ao específico litígio travado entre autora e ré. E, assim, o próprio
acórdão recorrido, consubstanciando a admissão da presença da União no feito e a
legitimidade recursal do MPF, reconhece a presença da repercussão geral, como
requisito de viabilidade do recurso extremo.
Resumo do processo
Consiste o Acórdão recorrido no julgamento dos reçursos
de Apelação interpostos em face da sentença proferida na Ação Ordinária de Cobrança
movida pela Mendes Jr. para obter o efetivo pagamento do crédito que, por veredicto
transitado em julgado. lhe foi reconhecido contra a CHESF, concernente à indenização,
mediante remuneração do capital, por haver executado as obras da Usina
Hidroeletétrica de Itaparica sem que, em determinado periodo, a CHE5F lhe tenha
pago a remuneração contratual prevista.
Assim, identifica-se: a Ação Ordinária de Cobrança, na qual
se interpõe o presente Recurso Extraordinário, é consectária de Ação Declaratória
movida pela Mendes Júnior em face da CHESF, cuia iulgamento definitivo, que se
converteu em coisa julgada material. se consubstanciou nos termos do Acórdão
proferido pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) na Apelação Civel n2 816/89,
que assim diccionou:7
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MARToRELLIE GOUVEIA
"AÇÃO DECLARATÓRIA. CONTRATOS PARA EXECUÇÃO DE
TERRAPLANAGEM E ESTRUTURAS DE CONCRETO DO
'APROVEITAMENTO HIDRELÉTRICO DE ITAPARICA', NO SÃO
FRANCISCO. INADIMPLÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO
CONTRATANTE, POR LONGO PERíODO E ENFRENTAMENTODAS OBRAS PELA CONSTRUTORA COM RECURSOS PRÓPRIOS
tE/OU CAPTADOS DO MERCADO FINANCEIRO). A REGRA
EXCEPTIO NON ADIMPLETI CONTRACTUS E IMPOSSIBILIDADE
DE SUA ARGÜiÇÃO CONTRA SERViÇO PÚBLICO, OBEDIÊNCIA
AO PRINCípIO CONSTITUCIONAL QUE VEDA O CONFISCO DA
PROPRIEDADE E ASSEGURA A JUSTA REMUNERACÃO DO
CAPITAL.
Considera-se matéria preclusa, dando motivo à rejeição de
preliminar, o alegado cerceamento de defesa, inatacadopor meio de agravo, Frustrada administrativamente asolução dos desencontros, entre os contratantes, cabe aoJudiciário resolvê-los. Embora se discuta contratoadministrativo típico, não pode o particular ser obrigadoa financiar o governo em prejuízo de sua economia (pormais forte que seja), Justiça e legalidade norestabelecimento do equilíbrio econômico-financeirorompido brutalmente pelo comportamento violador da
Administração, ao direito da outra parte. Recurso providopara modificar a sentença de primeiro grau" (grifosapostos) (fI. 180, dos autos).
E O voto do Desembargador Relator, acolhido por
unanimidade, assim definiu a parte dispositiva do Acórdão supratranscrito,
transitado em julgado:
"Dou provimento ao recurso para, resolvendo a incerteza
jurídica reinante entre as partes, declarar a existência de uma
relação de crédito da MENDES JÚNIOR contra a CHESF e que
lhe assegure o ressarcimento completo e atualizado dos
valores relativos a juros de mercado e encargos financeiros,
decorrentes de financiamento da obra de ITAPARICA e obtidos
ante a falta de pagamento, por parte da recorrida, na
MARTORELLlE GOUVEIA•.•.+,." . .e·s,
oportunidade contratual própria" (grifas apostos) (fI. 214, dos
autos).
Nesses termos, tem-se por certo: a coisa julgada
material que se constituiu na causa petendi da Ação Ordinária de Cobrança e,
portanto, que lhe traçou os limites, definiu haver "crédito da MENDES JÚNIOR contra
a CHESF", por haver a Mendes Júnior enfrentado, financiado, a obra de Itaparica ("com
recursos próprios e/ou captados no mercado financeiro" - enfatiza o Acórdão), crédito
esse que consiste na IIremuneracão do capital" (assim também enfatiza o Acórdão
transitado em julgado), calculada tomando por referência os "juros de mercado e
encargos financeiros" (conforme estabelecido no veredicto convertido em coisa
julgada).
Cumpre salientar o esclarecimento pronunciado noreferido Voto que ditou a parte dispositiva do multicitado Acórdão transitado em
julgado:
"Mesmo que a MENDES JÚNIOR não houvesse recorrido aomercado financeiro, injetando, sim, dinheiro próprio na obrai
a situação seria inalterável, pois aquele seu capital deveria serremunerado pelas taxas operadas pelos Bancos do País.
Doutra forma, volto a dizer, seria locupletamenta indevido daAdministração.
Chamo a isso de reembolso, que não foi compensado pe.la
correcão monetária destinada apenas a repor o poderaquisitivo original do valor do débito em atraso, não cobrindo
tais gastos" (grifas apostos) (fI. 212, dos autos).
Assim, ficou suficientemente definido: o veredicto
transitado em julgado considerou que o pagamento com atraso feito pela CHESF,
apenas com a aplicação de correção monetária e juros de mora legais, não teve o
condão de reparar a remuneração do capital devida à Mendes Júnior, pelo
"enfrentamento da obra" (financiamento da obra), enquanto não estava sendo
remunerada pontualmente.
9
-
-11II
MARTORELLIE GOUVEJI\
e·e•• -'a· .e·i.
Arrimada na definição pronunciada pela coisa julgada
material, a Mendes Júnior propôs a Ação Ordinária de Cobrança, pedindo exatamente
a condenação da CHE5F no pagamento do crédito pronunciado em coisa julgada
material, concernente à "remuneração do capital", a "juros de mercado e encargos
financeiros", como indenizacão pelos prejuízos de haver custeado, no periodo em que
deixara de receber a devida remuneração contratual, as obras contratadas por aquelaestatal.
Todavia, desvirtuando-se das premissas por ela própria
enunciadas, a sentença de primeiro grau, incorrendo em dispersão, anunciando o
propósito de "adequar o comando sentenciaI transitado em julgado ao caso concreto",
determinou inadequada compensação e injustificada limitação na incidência e no
indice dos juros e encargos financeiros.
Ante a colisão entre a sentença e a precedente coisa
julgada material, a Mendes Júnior, então, interpôs Apelação. Também apelaram a
CHESF, a União Federal e, embora sem legitimidade recursal, o MPF, pugnando pela
reforma da sentença no sentido de que a Ação de Cobrança fosse julgada totalmente
improcedente.
Desrespeitando a precedente coisa julgada material,
veio, então, o Acórdão ora recorrido, com fenda de fundamentação e sob a relatoria
de magistrado impedido de atuar no feito, negar provimento ao apelo da Mendes
Júnior e conferir provimento às Apelações da CHESF, da União e do MPF, para, assim,
pronunciar o julgamento de improcedência da Ação de Cobrança, negando a existência
do crédito que havia sido declarado em precedente Acórdão transitado em julgado,
dando azo, assim, à interposição deste Recurso Extraordinário, que haverá de ser
provido, ante os argumentos jurídicos a seguir formulados.
Violacão ao art. S!. incisos XXXVII e!J!l da CF: Princípio do Juiz Natural
O acórdão recorrido padece de vicio insanável de
nulidade, uma vez que o seu Relator é pai e irmão de advogados que funcionaram nos
autos, restando violada a regra do art. 5º, XXXVii e L1llda CF.
10
li
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MARTORELLIE GOUVEIA
.p,-,+.•.e.,.
Registra o voto do Relator (fI. 4289):
"ESCLARECIMENTO INICIAL
Antes de adentrar no exame do feito propriamente dito, penso
ser necessário fazer uma observação, para evitar qualquer
posterior alegação acerca do assunto que segue tratado.
Écerto que consta nos autos, à fI. 3746, substabelecimento, no
qual advogado da MENDES JÚNIOR ENGENHARIA S/A
substabelece poderes aos advogados Flávio de Queiroz Bezerra
Cavalcanti (meu irmão) e Bruno Novaes Bezerra Cavalcanti
(meu filho), cujos nomes, inclusive, passaram a constartipograficamente (mas sem assinatura de próprio punho, diga
se) nas petições apresentadas pela referida parte.
Ocorre que, consoante consta de fI. 4225, os referidos
advogados, falando, inclusive, em nome do escritórío pessoa
jurídica, salientam que, a despeito de procurados pela
empresa, não foram contratados e nem representam os
interesses de qualquer das partes litigantes, não sendo, e não
tendo sido, de quaisquer delas, mandatários.
Dei, assim, por resolvida a situação que se apresentava, no
sentido de que referidos advogados não estão a funcionar nos
autos, despacho (fI. 4225) que foi, ressalte-se, devidamente
publicado (fI. 4226), sem qualquer insurgência por qualquer
das partes.
Disso resultou a não configuração do meu ímpedimento para
atuar como relator deste processo.
De fato, não há que se falar em impedimento do Relator emvista de substabelecimento juntado aos autos, ainda em
primeiro grau, com a outorga de poderes a advogados, que são
parentes do Magistrado, se os mesmos vêm aos autos
esclarecendo não terem sido contratados, nem representarem
quaisquer das partes, não sendo mandatários de quaisquer dos
litigantes.
Tenho, pois, por superada a questão, trazendo-a, agora,
apenas em nome da completude da análise".
-•
MARTORELLIE GOUVH'\
•.••5. .'e.s.e.;.
Com a devida vênia, a questão não está nem de longe
superada.
A petição de fI. 4225, a que se refere o r. acórdão
recorrido, subscrita pelo filho e irmão do Relator, deixa claro que eles mantiveram
entendimentos com a Mendes Júnior para ingresso no patrocínio da causa, juntamente
com os demais e anteriores patronos, tanto que foram substabelecidos fQ!!! reserva.
Além disso, é importante frisar que a juntada do substabelecimento deu-se quando Q
processo estava em primeiro grau de jurisdicão, CONFORME REGISTROU O PRÓPRIO
RELATOR DO ACÓRDÃO RECORRIDO (transcrição supra).
Daí resulta que deve ser excluída, sob qualquer
circunstância, a lamentável situação, que tem sido comum, de contratação de parentes
de magistrados para afastar a jurisdição daquele que eventualmente fosse contrário à
tese perseguida na ação. Essa não é, definitivamente, a hipótese dos autosZ,
o irmão e o filho do Relator foram procurados quando o
processo ainda estava em primeiro grau. Não havia sequer sentença prolatada.
Tampouco era possível saber quem seria o Relator em segundo grau, ou mesmo se o
feito chegaria à segunda instância.
Com O devido respeito, pouco importa o que motivou o
protocolo do substabelecimento ou o fato que sucedeu à referida juntada. O que
importa são os fatos incontroversos: a) que houve juntada de substabelecimento (fI.
3746), com reservas, aos subscritores da petição de fI. 4225, embora possa não ter
havido razões assinadas; b) que somente em segundo grau de jurisdição os
subscritores da petição de fI. 4225 compareceram aos autos para dizer que não foram
contratados,
Ainda que assim não fosse, é de se registrar que além dos
entendimentos havidos entre aqueles ilustres advogados e a Mendes Júnior para fins
de contratação, é também de conhecimento no foro da Justiça Federal que os
2 Não se admite juntada superveniente de instrumento de mandato capaz de criar impedimento atéentão inexistente. Nesses casos, o impedimento passa a ser do causídico. Nesse sentido, destacam-se osseguintes acórdãos: STF, Tribunal Pleno, AO 115B/AM, Relator Ministro CARLOS BRIDa, DJ 11/11/2005;
STF, Tribunal Pleno, AO 11Z0 OO/AM, Relatora Ministra ELLEN GRACIE, Dl 26/08/200S.
12
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MARTORELLIE GOUVEJA
.6.+.Fe .E••
referidos causídicos desenvolveram atos processuais concretos, especialmente,
quando diligenciaram junto à Juíza de primeiro grau no sentido de agilizar a prolação
da sentença.
Não fosse tudo isso suficiente, os subscritores da petição
de fI. 4225 participaram e discutiram com a parte (Mendes Júnior) e seus advogados
antes constituídos, entre outros aspectos, a condução do feito e as estratégias
processuais. A contratação, até então tida como certa entre as partes, só não ocorreu
- registre-se, após as diligências e 05 entendimentos havidos entre as partes e seus
advogados - em decorrência da falta de consenso quanto ao valor dos honorários.
Diante disso, torna-se patente o impedimento do
Desembargador Relator do acórdão recorrido. Note-se que o Princípio do Juiz Natural
contempla a ampla isenção do magistrado em relação ao feito a ser julgado, por tratar
se de matéria extremamente sensível. A par disso, a imparcialidade do magistrado é
um dos pilares do principio constitucional do juiz natural, e, via de consequência, um
dos corolários do devido processo legal3.
Verificada a hipótese de impedimento - e no caso dos
autos a relação de consanguinidade é inequivoca, reconhecida expressamente pelo
Relator do acórdão - é dever do juiz afastar-se, ainda que aparências formais não o
determinem de maneira expressa.
No ponto, é convir que se trata de presunção de
parcialidade jure et jure, isto é, fundada em critérios objetivos' que, uma vez
verificados, presume-se a sua ocorrência. Com efeito, considerando que a atuação do
advogado no processo se materializa a partir da juntada da procuração ou do
3 STF, Tribunal Pleno, AO 587fDF, Relatora Ministra ELLEN GRACIE, DJ em 30(06(2006. Trecho daEmenta: U( ... ) princípios constitucionais do juízo natural e da imparcialidade. Indispensável garantia deimparcialidade do ju Igador da causa €, conseqüentemente, de lisura da decisão judicial a ser proferida.".
STF, Tribunal Pleno, Rcl 417/RR, Relator Ministro CARLOS VELLOSO, DJ em 16/04/1993. Trecho daEmenta: "Impossibilidade de realização do devido processo legal, dado que um dos componentes deste,o juiz natural} conceituado como juiz com garantias de independência, juiz imparcial, juiz confiável, não
existe, no caso."4 STJ, Quinta Turma, REsp 298439/RS, Relator Ministro GILSON DIPP, DJ 10/06/2002. Trecho da Ementa:"As hipóteses que comprometem a imparcialidade do juiz são duas, quais sejam: impedimento e
suspeição. Quanto à primeira, seu critério é objetivo, sendo certo que a interpretação do art. 134 do
Código de Processo Civil deve ser feita restritivamente, ou seja, os incisos são exaustivos e numerusclausu5. Quanto à suspeição (art. 135), seu critério de aferição é subjetivo, podendo o magistrado argúila quando bem entender, sendo desnecessária a fundamentação". (grifo nosso)
13
..
MARTORELLIE GOUVEIA
."a. a. .e.i'
substabelecimento, o fato de já existir nos autos um dos referidos instrumentos de
mandato configura, por si só, o impedimento por ofensa ao principio do juiz natural.
Tamanha é a sua importância no processo que um
recurso interposto por advogado sem procuração nos autos é considerado
inexistentes. Na mesma linha, a publicação feita no nome de qualquer dos advogados
constituídos nos autos é válida, salvo se existir pedido expresso quanto ao nome que
deve constar nas publicações6•
Há, ainda, precedente especifico do STJ no sentido de
que, constatando-se que parente de relatar tenha oficiado nos autos, ainda que não na
qualidade de parte, mas assinada parecer na instância ordinária, deve a mesmadeclarar-se impedida para atuar no feito 7
•
Diante das circunstâncias e da presunção absoluta de
parcialidade, desnecessário se faz apurar se os advogados que guardam relação de
parentesco com o ilustre Relator do acórdão recorrido efetivamente funcionaram nacausa.
Por fim, cumpre registrar que a jurisprudência só
tem admitido a manutenção do acórdão nos casos em que o reconhecimento da
nulidade - voto de magistrado impedido - não altera o resultado do julgamento".
Ocorre que, no caso vertente, o julga menta se deu na
Primeira Turma do TRF da 5ª Região, composta pelos seguintes Desembargadores
Federais, a saber: Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti (Presidente); José Maria de
Oliveira Lucena e Rogério de Meneses Fialho Moreira.
Sendo essa a hipótese dos autos - participação no
julgamento da apelação de apenas três Desembargadores - a anulação do acórdãorecorrido é inexorável. Em recentíssimo precedente, o Egrégio 5TJ, nos termos do voto
do Eminente Ministro Arnaldo Esteves Lima, entendeu que;
5 5TF, Tribunal Pleno, AI 168205 AgR/RJ, Relator Ministro GILMAR MENDES, DJe 12;02/2010.
6 STF, Tribunal Pleno, AI 650411 ED/MG, Relatora Ministra EllEN GRACIE, OJe 15;02/2008.
7 5TJ, Quinta Turma, EDcI nos EDcI no REsp 222985/DF, Relator Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA,
DJ 04/D6/20D1.8 "Segue~se que, se a decisão de mérito tiver de ser desfavorável àquele a quem aproveitaria adeclaração de nulidade, esta é obrigatória, se a nulidade foi invocada pela parte (STF-RT 621/253 Comentário à nota 4 do art. 249, § 2º do CPC). In NEGRÃO, Theotônio; GOUVÊA, José Roberto F. Código
de Processo Civil e legislação processual em vigor, 41ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 372.
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..
MARTORELLI
E GOUVEIA_",.ee·s.e.,.
DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. PETiÇÃO NOSEMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ORDINÁRIO EMMANDADO DE SEGURANÇA. IMPEDIMENTO DE MINISTRO QUECONHECEU DO FEITO NA ORIGEM. ART. 134, 111, DO cpc.
RECONHECIMENTO. ANULAÇÃO DO ACÓRDÃO QUE JULGOUos EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.
1. Nos termos do art. 134, 111, do CPC, deve ser reconhecido oimpedimento de Ministro que conheceu do feito na origem.
2. Tendo APENAS TRÊS MINISTROS participado do julgamento
dos embargos de declaração opostos pelo requerente, e
reconhecido o impedimento de um deles, de rigor a anulacão
do acórdão.
3. Petição conhecida para reconhecer o impedimento do Min.JORGE MUSSI para atuar no feito e anular o acórdão que julgouos embargos de declaração'. (grifas nosso)
o acórdão recorrido divergiu, também. da mais atualizada
jurisprudência, quando - em esclarecimento inicial ao seu voto - o Relator assinalou
que não estava configurado seu impedimento, porquanto os advogados subscritores
da petição de fI. 4225 (irmão e filho de Sua Excelência) não teriam sido contratados.
No julgamento do AgRg no RMS 246B/DFiO, o Eminente
Relator, Ministro Eros Grau, proclamou que o impedimento do Juiz é hipótese de
9 ST1. Quinta Turma, PET nos EDcI no RM5 19939/5(, Relator Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Dle29(03(2010.10 No mesmo sentido: STF, Primeira Turma, AgRg no RM5 246B/DF, Relator Ministro EROS GRAU, Dl12/08/2005. Ementa: "AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSUAL
CIVIL. IMPEDIMENTO. HIPÓTESES TAXATIVAS. PRESUNÇÃO ABSOLUTA. ART. 134, I A VI, DO CPC.INOCORRÊNCIA. SUSPEiÇÃO. PRESUNÇÃO RELATIVA. PRECLUSÃO. POSSIBILIDADE. ART. 138, § 12, DOCPC. ADMINISTRATIVO. TITULOS DA DíVIDA AGRÁRIA - TDA. RESGATE. PARCELA REMANESCENTE.MANDADO DE SEGURANÇA. INADEQUAÇÃO DA VIA. SÚMULA 269. 1. As causas de impedimento do
magistrado estão enumeradas taxativamente nos incisos I a VI do art. 134 do CPC. Enquadrando-se ojulgador em qualquer dessas hipóteses, há presunção absoluta de parcialidade. que pode ser argüidaem qualquer grau de jurisdicão. Z. Nas hipóteses de suspeição há presunção relativa de parcialidade,sujeita à preclusão. Se o interessado deixa de argüi-Ia na primeira oportunidade em que lhe couber falarnos autos [art. 138, § 12 do CPC], convalida-se o vicio, tendo-se por imparcial o magistrado. (...)". (grifasnosso)
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•
•
MARTORELLIE GOUVEIA
····&·,a···e.,.
presunção absoluta de parcialidade e pode ser arguido em qualquer grau de
jurisdiçãol1
.
Nessa linha de raciocínio, deve ser desconsiderada, por
fim, a eventual afirmação de preclusão da matéria. Na consideração de que se trata de
nulidade insanável, não está, por via de consequência, sujeita a preclusão, exatamente
por decorrer de situação de IMPEDIMENTO (e não de suspeição) do magistrado.
A propósito, esclarece a doutrina:
lIEmbora preveja o Código prazo para essas exceções, no caso
de impedimento, pelo menos, é de admitir-se que não ocorre
precfusão da faculdade de arguir a incapacidade do juiz. Isto
porque até depois da res iudicata, o Código permite ainvocação desse vicio para rescindir a sentença (art. 485, 11)"".
"[... ] Os casos de impedimento são mais graves e têm como
consequência a subtração do poder de decidir do juiz em
relação a determinada causa.
Nos casos em que a lei considera o juiz impedido, está ele
proibido de exercer sua função jurisdicional. A violação dos
casos de impedimento acarreta a nulidade do processo,
gerando a possibilidade da ação rescisória se, apesar da
proibição legal, o juiz impedido proferiu a sentença que se
tornou definitiva com trânsito em julgado (art. 485,11).
[... ]
Observe-se que nos casos de impedimento, mesmo sem ter
sido oposta a exceção no prazo e segundo o procedimento
legal, por se tratar de matéria de ordem pública o Tribunal
poderá conhecê-Ia de ofício, anulando a sentença proferida
11 A íntegra do acórdão está anexada ao presente recurso, cuja cópia é declarada autêntica pelos
advogados subscritores deste, nos termos do § l' do art. 544 do CPC e art. 255 do Regimento Internodo 5TJ.12 THEODORO Júnior/ Humberto. Curso de Direito Processual Civil, 41.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004,
v.l, p.358.
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-..
MARTORELllE GOUVF.J<\
•.•.•$.e+.•.;.,.
por juiz impedido, devolvendo o processo para julgamento por.. [ ],,13outro JUIZ. ... .
"As hipóteses de impedimento (art. 134 do CPC) dão ensejo à
nulidade do ato, pois há uma presunção iure et iure de que o
magistrado não tem condições subjetivas para atuar com
imparcialidade. Évício que pode ser alegado a qualquer tempo
e grau de jurisdição (à arguição de impedimento não se aplica
o prazo de quinze dias previsto em lei para ingressar comexceção instrumental), além de poder ser reconhecido ex
officio pelo magistrado. O vicio é tão grave que admite,
inclusive, futura ação rescisória (art. 485, li, do CPC), pois se
entende que a condução de todo o procedimento fíca
comprometida".14 (grifas nosso)
Ademais de se constituir matéria de ordem pública e
fenômeno Inibidor do poder jurlsdicíonal, em que há presunção absoluta de
parcialidade do magistrado, a nulidade decorrente de impedimento desafia o
ajuizamento de Ação Rescisória, nos termos do inciso li, do artigo 485 do cpc.
E, também nessa linha de pensamento, por reconhecer
que a gravidade do vício é intransponível, a doutrina - ao assinalar o
comprometimento de todo o feito, reiterando, especialmente o cabimento de ação
rescisória - afirma que a alegação pode ser deduzida a qualquer tempo e grau de
jurisdição, o que afasta definitivamente, nos casos de impedimento, a invocação do
artigo 305 do CPC.
Ante o aduzidol impõe-se o conhecimento e provimento
do presente Recurso Extraordinário, no sentido de anular-se o Acórdão recorrido,
determinando que se proceda a novo julgamento das Apelações em referêncía, emlivre distribuição ou sob a Relatoria de outro ilustre Desembargador Federal que
integre a Eg. Primeira Turma do TRF da 5' Região, em se entendendo que há
prevenção daquele órgão fracionário.
13 GRECO Filho, vicente. Direito Processual civil Brasileiro, 19.ed. São Paulo: Saraiva, 2006, v.I, p.235 e
237.14 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de
conhecimento, volume I, 10. ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2008, p. 489.
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-..
MARTORELLlE GOUVEJA
•.•.soa.FeR·.·e.'.
Violação ao artigo~ IX. da Lex Mater: incompleta prestação jurisdicional
oartigo 93, inciso IX, da Constituição da República exige
que todas as decisões judiciais indiquem, expressamente, os respectivos fundamentos,
sob pena de nulidade, compreendendo tais fundamentos os motivos da decisão, como
sejam as razões dos resultados adotados da análise de cada elemento de prova e de
cada argumento jurídico objetivamente influentes na solução da lide.
Dessarte, a ausência de higidez na completa exposlçao
dos motivos e, assim, da fundamentação que há de contemplar análise de todas as
questões fáticas e jurídicas objetivamente influentes do deslinde da causa, acarreta,
como assim estabelece o dispositivo constitucional em referência, nulidade da decisão
judicial. Etal acontece com o Acórdão recorrido.
A Recorrente, nos Embargos Declaratórios que opôs,
assinaiou lacunas (omissões e obscuridades) e incongruências (contradições) no
Acórdão recorrido, precisamente na exposição dos motivos (fundamentação) acerca
das seguintes questões, de importância capital ao juigamento do processo:
(i) embora a precedente coisa julgada material tenha
declarado a existência do crédito da Mendes Júnior, restando definido, sob o manto da
dita coisa julgada, que a Mendes Júnior financiara a obra de Itaparica, no periodo em
que a CHE5F incorrera em inadimplência contratual, eis que o Acórdão recorrido julga
improcedente a consectâria Ação de Cobrança sob o argumento de que não !eria
havido comprovação de que a Mendes Júnior tivesse captado recursos no mercado
financeiro para custear dita obra, deixando, porém, O Acórdão recorrido de se
pronunciar, na fundamentaçãoa tal inusitado veredicto (colidente com a precedente
coisa julgada), acerca da exata aplicação, in CQSU, do próprio artigo 52, inciso XXXVI (em
conjugação com os incisos LlV e LV), da Constituição Federal, haja vista não haver sidomanejada ação rescisória para a desconstituição da referida coisa julgada material,
afrontada pelo Acórdão então embargado;
(b) deixou o Acórdão recorrido, outrossim, de esclarecer
a razão pela qual adotou o entendimento de que o pagamento tardio pela CHE5F das
faturas em atraso, com encargos moratórios contratuais, impediria a pretensão
indenizatória da Mendes Júnior, se a precedente coisa julgada material expressamente
declarara que tais encargos moratórios contratuais não foram suficientes para o
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-li
MARTORELLIf GOUVEIA
ressarcimento dos prejuízos da Mendes Júnior (tal lacuna de esclarecimento também
revela fenda de fundamentação nulificante do Acórdão recorrido);
(c) incorreu o Acórdão recorrido, ainda, em absoluta
omissão quanto à análise efetiva da prova pericial produzida no processo; o veredicto
não traz qualquer análise acerca do laudo Pericial e do laudo Complementar
subscritos pelo Perito Judicial; e essa omissão igualmente nulifica o Acórdão recorrido,
porquanto flagrantemente decisiva ao justo e completo julgamento da causa: o
Acórdão recorrido se assenta na alegativa de que não teria havido prova do
financiamento da obra de Itaparica por parte da Mendes Júnior, enquanto que o Laudo
Pericial atesta exatamente o contrário; se é certo que o órgão jurisdicional não está
vinculado às conclusões do Laudo Pericial, é igualmente certo que a lei impõe que, em
seu veredicto, o órgão jurisdicional exponha os motivos pelo qual despreza asconclusões da prova técnica, analisando-a criteriosa mente e, até mesmo, indicando as
razões pelas quais, inclusive, julga sem determinar a realização de nova perícia;
(d) o veredicto impugnado também não esclareceu
porque, nos termos do voto do Relator, também assentou a conclusão de que a
Mendes Júnior não faria jus à indenização sob o argumento de que poderia ter
paralisado a execução do contrato, ante a inadimplência da CHE5F, se, considerado o
princípio constitucional da estrita reserva legal, regente de todos os atos da
Administração Pública, a legislação vigente à época do contrato havido entre as partes
não previa a invocação da exceção do controto não cumprido;
(e) enfim, o Acórdão recorrido não expôs qualquer
fundamento à condenação da Mendes Júnior no pagamento de honorários
sucumbenciais em favor da União Federal, apesar de a União haver se habilitadp no
feito apenas como Assistente.
Com a rejeição dos Embargos Declaratórios, as lacunas
(omissões, obscuridades) e as contradições havidas no acórdão recorrido não foram
sanadas (observa-se que no veredicto que rejeitou dito recurso de esclarecimento oTribunal a quo limitou-se a asseverar genericamente que não havia lacunas nem
contradições no Acórdão embargado, sem, contudo, se pronunciar sobre as decisivas
questões retroaduzidas).
Portanto, com fenda de fundamentação, o acórdão
recorrido se afigura nulo, contrariando o disposto no artigo 93, inciso IX, da Lei Maior,
pelo que a Recorrente pugna pela anulação do veredicto impugnado, impondo-se ao
Tribunal o quo proferir novo julgamento das Apelações em referência, no qual aborde
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MARTORELUE GOLTVElt\
."a.e......e.••
todas as questões fáticas e jurídicas trazidas à colação, observada a delimitação da lide
projetada pela precedente coisa julgada material.
Violacão ao artigo~ intiso XXXVI (conjugado fQ!l! os incisos L1V g LV), da
Constituicão Federal: afronta à coisa julgada
In meritis, aponta-se a colisão direta entre o acórdão
retorrido e o dispositivo constitucional que protege a toisa julgada, identificando-se,
inclusive, o confronto entre o veredicto impugnado e a orientação jurisprudencial do
Pretório Excelso.
o acórdão retorrido, em sua parte dispositiva, negou
provimento à apelação da Mendes Júnior e deu provimento à apelação da CHE5F, da
União e do Ministério Público Federal sob o argumento, ora sintetizado, de que a
Mendes Júnior não teria comprovado os danos alegados, especificamente "o
realização pelo autora de financiamentos no mercado para o captação de recursos
dirigidos especificamente e alocados à obra de /taparica" (letras "b" e "c" da parte
dispositiva do acórdão, fI. 1358).
Pois bem. Do cotejo entre a disposição do acórdão
recorrido e aquela do acórdão do Tribunal de Justiça de Pernambuco na ação
declaratória, esse último o instrumento judicial constitutivo da coisa julgada, verifica
se, sem maior esforço de análise, que o acórdão do TRF violou escancaradamente a
coisa julgada material. Com efeito, o núcleo da coisa julgada material consi.5te
exatamente em que, por ter financiado, tom recursos próprios ou de mercado, as
obras de Itaparica, a Mendes Júnior faz jus a uma indenização com base nos juros de
mercado vigentes nos periodos de inadimplência. A disposição do acórdão do TJPE,
transitado em julgado, e que repousa às fI. 180 e 5.5., é, com efeito, muito clara ao
diccionar:
"Dou provimento ao recurso para, resolvendo a incerteza
jurídica reinante entre as partes declarar a existência de uma
relação de crédito da MENDES JÚNIOR contra a CHE5F e que
lhe assegure ressarcimento completo e atualizado dos valores
relativos a juros de mercado e encargos financeiros,
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MARTORELLI
[GOUVEIA•.•.•,,-',•.•.'-+.
decorrentes de financiamento da obra de ITAPARICA e, obtidos
ante a falta de pagamento, por parte da recorrida, naoportunidade processual própria".
Ora. Em dissonância com o que fora definido emveredicto transitado em julgado, o acórdão ora recorrido proferiu verdadeiro novo
julgamento da causa originária e adotou a premissa de que haveria a Mendes Jr., para
obter a condenação da CHESF no pagamento do crédito declarado em coisa julgada
material, de provar a destinação de recursos captados no mercado financeiro para o
custeio específico da obra de Itaparica.
Entretanto, o fato de que a Mendes Júnior financiou a
obra de Itaparica é nuclear na coisa julgada e, por conseguinte, imutável. Não se
condicionou a efetivação do comando decisório à prova de que a empresa teria obtido
financiamentos no mercado - e a qual custo - para a eficácia ou concretude do
comando, podendo-se ler, ao revés, na decisão, exatamente que, em decorrência de
ter financiado a obra de Itaparica, a Mendes Júnior faz jus à indenização. E assim,
como a decisão transitada em julgado proclamou a existência de uma relação de
crédito decorrente diretamente do fato de que a obra de Itaparica fora financiada com
recursos da Mendes Júnior, não pode a decisão que tem por objetivo executar
(concretizar) a coisa julgada, inovar e exigir que se faça nova prova de que tal
financiamento tinha ocorrido.
Em ressunta, O fato constitutivo do pedido da Mendes
Júnior na precedente ação declaratória consistiu na ausência de pagamentos das
faturas pela CHESF nas épocas próprias e a consequente necessidade de obtenção tie
recursos para financiar a obra em outras fontes. Que não se limitaram, é bom frisar, a
financiamentos bancários, bastando lembrar que o acórdão transitado em julgado
assinalou muito apropriadamente que "mesmo que o MENDES JÚNIOR não houvesse
recorrido ao mercado financeiro, injetando, sim, dinheiro próprio na obra, a situaçãoseria inaJteráve/~ pois aquele seu capital deveria ser remunerado pelas taxas operadas
pelos Bancos do País. Doutra forma, volto a dizer, seria locupletamento indevido doAdministração". (fI. 212)
A ementa do decisum colegiado também é muito clara ao
se referir a "enfrentamento da obra com recursos próprios (e/ou captados no mercadofinanceiro" (fI. 180). E o fato constitutivo do direito da parte é sua causa petendi,cobrindo-se com o manto da coisa julgada. Significa dizer que o fato de que a Mendes
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-11
MARTORELLIE GOUVEJA
····F··ecE···e.;.
Júnior financiou especificamente a obra de Itaparica, socorrendo-se de financiamentos
bancários inclusive, transitou em julgado e não pode ser modificado por decisão
posterior, dispensando-se nova prova do fato. Esse financiamento forçado da obra,
que gerou naturalmente prejuizos à Mendes Júnior, dando azo à necessidade de
ressarcimento para sua recomposição, não pode, portanto, ser mais discutido em
qualquer outro processo judicial.
A propósito, convém trazer à discussão outro ponto da
parte dispositiva do acórdão, exatamente o seu primeiro ponto (letra "a", fI. 1358),
segundo o qual "na ação declaratória se declarou, com as limites próprios decorrentes
de sua natureza juridica, a existência de uma relação de crédito, mas o eventual
ressarcimento foi condicionado à ampla instrução probatória a ser realizada na via
hábil, qual seja, a da ação condenatória, segundo interpretação dada pela próprio 5TJ".
Nesse ponto, O acórdão também inovou a coisa julgada,
ao afirmar que o acórdão do TJPE teria condicionado a concretização da relação de
crédito à ampla instrução probatória a ser realizada na via hábil.
Com efeito, a instrução da via hábil da ação condenatória
é indispensável para apuração dos valores dos prejuizos e da sua consequente
reposição, mas não para infirmar o fato transitado em julgado de que houve o
financiamento da obra pela Mendes Júnior. Não procede por outro lado, data venia,
que o 5TJ tenha dado essa interpretação e agredido ele próprio a coisa julgada.
Realmente, ao apreciar um primeiro Recurso Especial
interposto pela Mendes Júnior contra o primeiro acórdão do TJPE nesta ação
condenatória, o qual anulara a sentença anteriormente proferida no feito, o 5TJ
limitou-se a não conhecer do Recurso Especial e a admitir, a partir de ent~o, a
intervenção da União na lide na qualidade de assistente da CHE5F. Por conseguinte,
inexiste decisão da Corte sobre o fato; no máximo, alguns comentários feitos durante
as discussões do voto do Relator, que podem ser tomados como obiter dictum, mas
nunca como a manifestação do Tribunal. Tais comentários, de resto, efetuados noâmbito de apreciação de um Recurso Especial em que o mérito não foi conhecido, são,
por isso mesmo, extremamente limitados em seu conteúdo, são genéricos e
descompromissados com a decisão final.
Acerca do socorro da Mendes Júnior a financiamentos de
mercado especificamente para a obra de Itaparica, não houve sequer contestação da
CHE5F na ação declaratória. Com efeito, ao defender-se ali, a CHE5F reconheceu
claramente que a Mendes Júnior recorrera ao mercado financeiro, bastando que se
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MARTORELLIE GOUVEIA
confiram as passagens da contestação lançadas no relatório do acórdão recorrido, das
quais se destacam os seguintes trechos:
"... a Autora, ao captar recursos para prosseguir na execução
da obra, assumiu um risco. É um RISCO que os contratos quecelebrara com a Ré não autorizava a assumir". (fI. 190)
IIAo captar recursos no mercado financeiro, não o fez para
atender determinação da Ré, que não houve em nenhum
instante, embora a Autora assim insinue, sem contudo provar.
a fez para salvaguardar seus próprios interesses, dentro dosriscos assumidos no exercício da atividade empresarial". (fI.
194)
Nesse tom, a CHESF, na ação declaratória, reconhecera de
forma peremptória e definitiva que a Mendes Júnior financiara a obra de Itaparica com
recursos do mercado financeiro e que tais recursos tinham sido alocados à obra.
Obviamente, opôs a esse fato e a suas consequências diversas outras matérias, tais
como a existência de encargos contratuais que teriam sido pagos e que impediriam o
pagamento adicional dos juros de mercado decorrentes dos contratos de
financiamento, a ausência de determinação expressa dela, CHESF para a captação de
recursos no mercado, a alternativa de paralisação da obra pela Mendes Júnior em face
da ausência do pagamento das faturas, não aplicação da teoria da imprevisão e assim
por diante.
Mas, no que interessava à demanda - o fato concreto de
que a Mendes Júnior financiara a obra com recursos do mercado financeiro -, houve
reconhecimento expresso, embora divergindo das consequências e pugnando pelaimprocedência do pedido, por entender que não haveria o direito à recomposição dos
prejuizos. Foi exatamente essa divergência que foi dirimida e acertada pelo acórdão da
declaratória que, assentando-se no fato de que a ausência de pagamento das faturas
tinha forçado a Mendes Júnior a recorrer ao mercado financeiro, e tendo esse fato
como inegável, afastou as demais oposições da G1E5F e declarou a existência do
crédito. Ao desconsiderar tais definições o Acórdão recorrido também se mostra
colidente com o disposto nos artigos 302, caput, 334, inciso 111, e 468, do CPC.lodas as
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-..
MARTORELLI
E GOUVEIA......'.8c ..e.iM
demais disposições do acórdão recorrido são desdobramentos da premissa de que a
Mendes Júnior não se teria desincumbido, nesta ação condenatória, do ônus de
comprovar a destinação de recursos tomados no mercado financeiro especificamente
para a obra de Itaparica, ou de premissas assemelhadas não autorizadas pela coisa
julgada, quando não decorrentes, venia concessa, de equivocada apreensão da
matéria discutida nesta oportunidade processual.
Contundente revelação da percepção equivocada do
momento processual está na disposição da letra "d" do acórdão (fI. 1358), a cujo teor
"não se compravaram os custos que a autora teve que arcar efetivamente em vista
desses financiamentos (quais as juros de mercado e encargos financeiros aplicados
realmente em tais negócios)".
Não obstante se possa afirmar categoricamente que os
custos dos financiamentos foram afinal comprovados em perícia realizada, sabe a
Recorrente que a discussão não se contém no espaço do REsp. Mas é manifestamente
evidente que o Tribunal a quo antecipou, nesse ponto, a oportunidade da
comprovação dos valores dos juros de mercado incorridos pela Mendes Júnior,
matéria indiscutivelmente afeta à liquidação do julgado. O que se persegue nesta ação,
especificamente, é a condenação da CHE5F ao pagamento da indenização decorrente
da relação de crédito fixada no acórdão do TJPE. Declarada a existência do crédito, a
Mendes Júnior pede a condenação no pagamento, o que, em razão da natureza da
ação declaratória, não foi conteúdo do acórdão do TJPE. O quantum debeatur é
matéria típica para liquidação após a condenação. É verdade que a perícia judicial
realizada por perito nomeado pela Justiça Federal pretendeu também antecipar-se, e
se antecipou, mas a indicação do número na perícia não ilide a possibilidade de uma
condenação genérica, em valor a ser apurado em liquidação, procedimento, por sinal,
adotado na sentença de primeiro grau.
Parece inacreditável que o Tribunal a quo tenha incorrido
em equívoco tão elementar: se existe uma relação de crédito declarada em decisãotransitada em julgado, é natural, mais do que isso, é imprescindível, para dar
concretude à relação de crédito, forçando a parte devedora a seu pagamento, o
ajuizamento da ação condenatória, com pedido iliquido (o pedido da Mendes Júnior foi
ilíquido), cujo montante deve ser apurado em liquidação. E assim decidiu a sentença
de primeiro grau que, em nenhum momento, caiu na armadilha de confundir o laudo
pericial com O pedido da inicial da Recorrente, deixando a apuração de valores, como
de fato deixou, para a liquidação.
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MARTORELLIE GOUVEJA
No que atine a este Recurso Extraordinário, contudo, é
patente que o acórdão recorrido, na parte dispositiva ora apreciada, condicionou a
condenação da CHE5F à prévia comprovação do valor dos financiamentos acima dos
juros e da correção monetária contratuais, afrontando, também por tal motivo, a coisa
julgada que, em nenhum momento, assim o determinou, sendo, ao contrário,
perfeitamente cabível a apuração dos valores em liquidação.
Note-se que, a prevalecer a posição adotada na decisão
recorrida, ter-se-ia a coisa julgada vazia, oca, sem eficácia alguma, pois a condenação
no pagamento do crédito iliquido - e o crédito configurado na coísa julgada é
manifestamente ilíquido - ficaria dependendo da comprovação do próprio montante
do crédito, o que não faz, data venia, o menor sentido. Se a condenação no
pagamento de créditos ilíquidos dependesse da prévia comprovação do valor, não
existiria crédito ilíquido, o que levaria à forçosa conclusão de que a coisa julgada em
questão não existe, obviamente inadmissivel.
Pode-se compreender, todavia, a confusão que tomou
conta do julgado neste ponto. É que a perícia judicial determinada em primeira
instância terminou por apurar valores importantes para o crédito, embora sem a
definitividade própria de pericia de tal natureza, porque não existe sequer a própria
condenação. O elevado montante do crédito apurado terminou por deitar no processo
uma discussão que não é própria dele, ao menos nesta fase processual: o quantum da
condenação.
Nesse contexto, com as ressalvas que abaixo serão feitas,
andou muito bem a sentença de primeiro grau que, reconhecendo a eficácia e a
autoridade da coisa julgada, condenou a CHE5F no pagamento do crédito decla r'ldo,
em valor i1íquido, estabelecendo, porém, critérios de apuração não previstos no
acórdão do TJPE.
Ao dispor que "não se comprovou que esses custos foram
superiores aos valores percebidos pelo particular, contratualmente previstos para ahipótese de inadimplemento (muito ao contrário.. há registro nos autos de que a
empresa-autora teria recebido, indevidamente, montante a maior)" (letra "e" das
disposições do acórdão, fi. 1.359), a decisão invade também o espaço da coisa julgada,
que apreciou fartamente a matéria, assinalando o próprio relatório do acórdão
recorrido que a Diretoria da CHESF assim se pronunciara (fI. 205):
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•
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MARTORELLIE GOUVEJ,!\
•.•.•'.a+.•.•.•
"embora reconhecendo que a Construtora tenha sido levada a
usar recursos próprios ou de terceiros para manter o
andamento da obra, em função dos atrasos de pagamentos, eque eventualmente tenha arcado com custos superiores aos da
correção monetária acrescidos de juros de mora".
Cumprindo assinalar que a CHESF decidira não indenizar a
Mendes Júnior por "entender que não havia de suo porte qualquer responsabilidade
por tal ressarcimento, prático esta jamais adotada na empresa. E encerrou salientando
ser impossível o atendimento do pleito por decisão admínistrativo interno" (idem, fI.
205).
Advém claramente do exame da coisa julgada material
que a correção e os juros de mora não foram suficientes para cobrir os prejuizos da
Mendes Júnior. E não se está aqui a discutir o fato ou o tamanho desses encargos e sua
comparação com os juros de mercado à época (o que não caberia nos limites do
extraordinário), mas a verdade material de que a coisa julgada contempla esse aspecto
da matéria e a decidiu, descabendo nova apreciação pelo acórdão recorrido.
Outra violação clara à coisa julgada está nas letras "f" e
"g" das disposições do acórdão: "f} mostrou-se, com clareza, que a captação de
recursos no mercado não se apresentava como necessária para fins de cobertura dos
custos da obra de Itaparica"; "g} evidenciou-se a pouca significância dos valores
devidos pela sociedade de economia mista, pagos com atraso, sem repercussão em
termos de imposição em busca de recursos no mercado". (fI. 1.359)
Mas o assunto mais discutido - e apreciado - na ação
declaratória foi a necessidade de financiamento de recursos no mercado financeiro
para a Mendes Júnior enfrentar a ausência de pagamentos da CHESF e continuar
tocando a obra. É inacreditável que o Tribunal não o tenha observado. Acima, já foi
transcrito documento da Diretoria da CHESF, constante do Relatório do acórdão da
ação declaratória, no qual se afirma que a CHESF reconhecia que a Construtora tinha
sido levada a usar recursos próprios ou de terceiros para manter o andamento da
obra. O voto do Relator na mesma declaratória e a própria ementa do acórdão fazem a
correlação necessária entre a inadimplência da CHESF e a indispensável busca de
recursos no mercado financeiro. Do voto do relator, extraem-se ainda os seguintes
trechos:
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•
•
•27
MARTOREUIE GOUVETA
"Na hipótese dos autos, a CHESF deixou de efetua r os
pagamentos a que estava obrigada durante largo tempo (pelo
menos 02 anos). A MENDES JÚNIOR não tinha condições legais
de suspender a execução da obra, conforme tem decidido
nossos Tribunais, desde que a regra da exceptio non odimpleticontroetus é norma que favorece à própria administração, não
podendo ser invocada contra ela. em virtude do princípio da
continuidade do serviço p~biico.
Viu-se MENDES JÚNIOR nessa poslçao, daí porque, por
imposição legal, teve de continuar os trabalhos com seus
recursos próprios (ou de terceiros, do mercado financeiro) e,
agora, quer receber esse quantitativo.
Parece-me pleito justo.
Mais do que justo, também legal.
Justo porque há esse reconhecimento unanlme nas mais
diversas e qualificadas esferas administrativas percorridas pela
recorrente. Para bem situar a questão, é bom se recordar o
despacho do então Consultor Geral da República e
posteriormente, Ministro da Justiça, Df. Saulo Ramos (fI.
186/187), quando Sua Excelência posicionou o problema com
estas palavras: 'Observo que todos quantos trataram do
assunto, entendem justa a pretensão da empresa contratante;
mas a ela se opõem e não a deferem por falta de previsão
expressa no contrato'.
É justo porque se a Administração mostrou-se impontu.1 no
cumprimento de suas obrigações, inadimplência esta marcada
por meses (melhor dizendo, anos) de atraso, fica exposta àresponsabilidade pelo seu comportamento violador do direito
da outra parte. É justo porque se o inadimplemento das
obrigações pela Administração não dá margem a que hajasuspensão da execução do contrato pelo particul.ar, ante a
impossibilidade da invocação da regra do art. 1092 do CCv,
prevalecendo aí o principio superior de garantia dacontinuidade do serviço público, é muito lógico que tenha a
parte lesionada contratualmente, direito ao ressarcimento dos
prejuizos decorrentes daquela mora. É justo porque graças à
Recorrente, ITAPARICA fez-se obra (de enorme utilidade
pública e social) e, em decorrência, a recorrida vende hoje seu
•
•
MARTORELLIE GOUVEJI\
•.•.,,1·'3···;.;·
produto a toda esta Região, com o conseqüente e indiscutível
aumento de seu potencial financeiro" (fI. 20S.a 209).
É impossível não constatar que todos os envolvidos na
ação declaratória reconheceram a necessidade de recursos para a obra de Itaparica,matéria que foi ali discutida, portanto, amplamente, constituindo elemento formador
da coisa juigada o fato de que a obra de Itaparica dependia de recursos externos, de
mercado ou da própria Construtora, para ter continuidade.
No mesmo sentido, os itens "h" e "i" da parte dispositiva
do acórdão repetem as afrontas à coisa julgada material, insistindo na necessidade de
prova da captação de recursos no mercado financeiro especificamente para a obra de
Itaparica e dos conseqüentes prejuízos.
No item "i" da parte dispositiva, o Tribunal decidiu que "a
referência" (da coisa julgada na ação declaratória) "a juros de mercado apenas pode
ser entendida como juros de mercado paro o tipo de operação de financiamento
específico, garantido, com spread menor que a operaçãa de empréstimo, esse com
custo bem maior" (fI. 1.359).
A matéria decidida neste item, a rigor, é a única que não
fere a coisa julgada, porque, efetivamente, a decisão da ação declaratória não fixou a
defínição ou os parâmetros da expressão "juros de mercado". É, entrementes, inócua a
decisão neste aspecto, uma vez que a ação foi tida como totalmente improcedente e,
somente após a reversão de tal status, a dizer, com a condenação no pagamento da
indenização, abre-se a possibilidade de fixação dos parâmetros dos juros de mercado
que serviriam de base à condenação. O tema será retomado adiante, quanto aos
efeitos do provimento deste REsp. Do mesmo vicio padece o item "o" da parte
dispositiva, ao pretender regular a aplicação das taxas de mercado.
Nos itens "k" e "I", o acórdão, igualmente, contraria deforma frontal a coisa julgada. Dizer que os juros de mercado são impróprios como
indexador de correção monetária, seja lá o que isso quer dizer (nunca se falou em
juros de mercado como indexador de correção monetária, mas como parâmetro da
liquidação da indenização pretendida), tem a finalidade de sustentar que os juros de
mercado não podem balizar a indenização. Resta óbvio o choque com a decisão da
ação declaratória.
28
•
•
MARTORELLIE GOUVEJA
Igua Imente, tendo a decisão transitada em julgado
declarado que a indenização haverá de ser paga à Mendes Júnior com base em juros
de mercado levando em conta ser ela construtora e não instituição financeira, não
pode o acórdão recorrido inovar e não admitir o pagamento da indenização com base
em juros de mercado em face da natureza da atividade da Mendes Júnior.
No que concerne ao item (Im" das disposições do
acórdão, trata-se de outra inovação da matéria apreciada na ação declaratória. Cuidou
aqui o acórdão de defender o princípio da observância ao processo Iicítatório,
entendendo que a declaração do crédito decorrente do financiamento da obra
implicaria sair das regras fixadas no inicio da licitação. O assunto também está coberto
pelo manto intransponível da coisa julgada, pois os preceitos e ditames de direito
administrativo vigentes à época foram exaustivamente discutidos na ação declaratória,
não passando esta disposição de discordância com a coisa julgada. Basta lembrar o
seguinte trecho do voto do Relator na apelação da ação declaratória (fI. 210 a 212):
UÉ legal porque o principio do equilibrio econômico-financeiro,
defendido pela doutrina, previsto no art. 167 da Constituição
Federal vigorante na época, para os contratos de concessão
dos serviços públicos, foi incorporado ao Direito Administrativo
pátrio no Decreto-iei n° 2.300, de 21/Nov./86, nos termos
seguintes: (omissis). Ese não foi possivel a convenção entre os
contratantes, não há porque se afastar a presença do Judiciário
para dirimir a divergência. É legal pelo que se deduz da
abalizada opinião de Amoldo Wald, transcrita no parecer de fI.172/185, também da Consultoria da República, p~ça
elaborada, exatamente, na tentativa de solucionar estapendência e firmada por Raymundo Nonato Botelho deNoronha que diz textualmente o seguinte: (omissis). Sua
Excelência, mesma peça (fI. 184), entendeu que, lIicito teria
sido à empreiteira ter acordado com a Administração medidas
compensatórias, no caso que tivesse que se socorrer do
mercado financeiro. Não tendo asism contratado, ajustando
juros de 1% ao mês, não tinha direito ao pleito. E conclui:(omissis). Ora, repito. In casu, não havendo sido possivei oacordo, cuido ser inafastável o direito do particular de obter
sua pretensão através do Judiciário, a-fim-de restabelecer
aquele equilibrio econômico-financeiro rompido brutalmente
no contrato questionado, face à inadimplência da
29
•
MARTORELLIE GOUVEIA
.,,3';*.9.•.,.
Administração (por longo tempo), determinando que a
empreiteira fosse buscar recu rsos no mercado, para nãoparalisar os trabalhos e entregar a obra na forma pactuada"
(sic).
Enfim, quanto ao item "p" das disposições, o acórdão não
diz a que propósito dita o preceito de que "não se poderia confundir o hipotético titulojudicial com o critério de correção monetária do titulo" (fI. 1.360). Flui dessa disposição
o evidente desprezo do acórdão com a coisa julgada material, que ganha o epíteto de
"hipotético", quando é manifesto que não se está aqui em sede de hipótese, mas em
sede de disposição formada em coisa julgada real, concreta e efetíva que declara a
existência de uma relação de crédito. O "hipotético" fica, naturalmente, por conta doflagrante desrespeito que, em sua inteireza, o acórdão dispensa à coisa julgada, com
todas as vênias que a cultura dos doutos Julgadores exige e merece.
Do cotejo de todas as disposições do acórdão com a
decisão anterior da ação declaratória, resulta, portanto, muito evidente, mesmo a uma
perfunctória análise, que aquele vulnerou a coisa julgada, malferindo as disposições do
artigo 52, inciso XXXVI, da Constituição Federal, sendo certo que somente por ação
rescisória - devido processo legal (artigo 52, L1V e LV, da Carta Magna) - se poderia
desconstituir dita coisa julgada material.
Como se sabe, a coisa julgada materia I, cuja preservação
é proclamada no rol dos direitos e garantias fundamentais enunciado na Constituição
da República, torna imutável e indiscutível o veredicto transitado em julgado, aí se
incluindo a matéria fática que lhe compõe o substrato material (não caberia, portanto,
ao acórdão recorrido reabrir o exame da comprovação do financiamento da obra
matéria já definida na precedente coisa julgada).
Quanto ao fato constitutivo do direito da parte transitar
em julgado com a parte dispositiva da decisão, confira-se o seguinte aresto:
"ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA
NEGATIVA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PEDIDO DE
NULIDADE DE ACÓRDÃO DO TCU. OCORR~NCIA DE COISA
JULGADA. PRINcíPIO DA EVENTUALIDADE. ART. 474 DO CPC.
PRECEDENTES DA CORTE.
30
-..
31
MARTORELLIE GOUVEIA
..si:l+·9 .'.'*
1. Ocorre a coisa julgada quando duas ou mais ações tenhamos mesmos elementos, ou seja, as mesmas partes, a mesmacausa de pedir (próxima e remota) e o mesmo pedido(mediato e imediato), conforme estabelece o artigo 301,parágrafos 2º e 3º, do cpc.
2. Na doutrina nacional, José Frederico Marques também jáobservara que ta coisa julgada material tem como limitesobjetivos à lide e as questões pertinentes a esta, que foramdecididas no processo. A situação litigiosa, que foi
composta, constitui a área em que incidem os efeitosimutáveis do julgamento'. Assim, prossegue o mestre, 'oque individualiza a lide, objetivamente, são o pedido e acausa petendi, isto é. o ped ido e o fato constitutivo quefundamenta a pretensão. Portanto, a limitação objetiva dacoisa julgada está subordinada aos princípios que regem aidentificação dos elementos objetivos da lide·. E concluiu:'De tudo se deduz que a coisa julgada alcança a partedispositiva da sentença ou acórdão, e ainda o fato
constitutivo do pedido (a causa petendl) As questões quese situam no âmbito da causa petendi igualmente setornam imutáveis. no tocante à solução que lhes deu ojulgamento, quando essas questões se integram no fatoconstitutivo do pedido'.
3. Segundo Ada Pellegrini Grinover: '...a autoridade da coisajulgada, consistente na imutabilidade dos efeitos dasentença, tem relevante papel nas acões meramente
declaratórias. nela residindo. em boa medida, a própriatutela pretendida pelo autor e conced ida pelo Estado. Em
tais casos, a certeza - acompanhada da imutabilidade dacoisa julgada - observará 05 limites do objeto do processo,
considerando o pedido e a causa de pedir postos pelo
demandante, de um lado, e o pronunciamento judicialeditado em resposta, de outro lado'.
4. A causa de pedir nas ações sob análise é idêntica, ... ,
estando o autor, sob o epíteto de causa de pedir próxima, abuscar nova qualificação juridica dos mesmos fatos .
5. Éde se reconhecer, portanto, a ocorrência da coisa julgada,uma vez que a sentença de mérito proferida na primeira
•
MARTORHLIE GOUVEIA.
····e·e......,.;.
ação proposta pelo autor julgou improcedente o pedido
visando à anulação de Acórdãos proferidos pelo Tribunal deContas da União, não podendo ser repetido na segundaação com substancial identidade do fato constitutivo dopedido, mormente em face dos princípios da eventualidadeprevisto no artigo 474 do Código de Processo civil e da
segurança juridica. Precedentes desta Corte RegionalFederaL
6. Apelação improvida" (Tribunal Regional Federal da 1'.Região - 4'. Turma. Apelação Civel 2006.33.04.000234O/BA. Relatora: Desembargadora Convocada Rosimayregonçalves de Carvalho. Julgamento em 25.11.2008.Publicação no Diário da Justiça de 12.12.2008. Disponívelem www.trf1.jus.br) (original sem grifos).
Ora. O veredicto de mérito, transitado em julgado, "tem
força de lei" em relação às "questões decididas".
In casu, ficou declarado, na ação originária, haver crédíto
da Mendes Jr. contra a CHE5F, pelo financiamento da obra de ITAPARICA - questão,
portanto, decidida, sob o manto da coisa julgada, à luz do artigo 5°, XXXVI, da
Constituição, afrontado pelo acórdão, ao enunciar condição não constante da decisão
anterior, em flagrante contrariedade ao que fora definido na dita precedente coisa
julgada.
Especificamente acerca dos limites da coisa julgada
produzida em Ação Declaratória, LEONARDO CUNHA acentua, categoricamente:
"Sendo certo que o objeto da ação declaratória é a existência
ou inexistência de relação jurídica, ou, ainda, a autenticidade
ou falsidade de documento, resulta evidente que a sentençaque acolher o pleito exordial irá revestir contornos de
definitividade e perenidade, com o alcance tanto da coisa
julgada formal como da material, tornando imutáveis os efeitosque daí advierem.
Operada a coisa julgada da sentença declaratória, quedará
límpida, sem jaça, indiscutível, inquestionável a existência ou
32
-•
MARTORELLIE GOUVEIAADVOGADOS
inexistência da relação jurídica, ou, ainda, a autenticidade ou
falsidade do documento. Haverá, com efeito, certeza quanto aoobjeto da ação declaratória"
[...)
À evidência, não sobejam dúvidas de que a finalidade da ação
declaratória é obter a certeza quanto ao objeto litigioso, ou
seja, quanto à existência ou inexistência da relação jurídica, ou
ainda, quanto à autenticidade ou falsidade do documento.
Uma vez que o objetivo da ação declaratória é alcançar a
certeza da relação jurídica ou do documento, é curial que seu
manejo destina-se à obtenção de segurança jurfdica, resva la ndo
para a consecução da paz social, com a eliminação do conflito
que estaria a perturbar os integrantes da relação jurídica [...].
[...]
Assim, quando se aJulza uma ação declaratória, o que se
objetiva é a eliminação da dúvida, da vacilação e da incerteza
que paira em torno da relação jurídica ou em torno do
documento, alvejando a convicção que se terá com a sentença
final, de cuja conclusão se extrairá a certeza, e, de resto, ªsegurança jurídica em relação a um daqueles objetos da ação
declaratória" (original sem grifos}15.
No mesmo sentido, MOURA ROCHA, também tratando
especificamente da coisa julgada em sede de Ação Declaratória:
15 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Interesse de agir na Açõo Declaratória. Curitiba; Juruá, 2002,p.177-178.
33
MARTORELLI
E GOUVEJA
"Com a cousa julgada a certeza produz-se de forma perfeita. [... ]
Valendo como preceito, a força da causa julgada na sentença
declaratória atinge o pedido em si mesmo, nem mais nem
menos. A coisa julgada patenteia a certeza da relação jurídica.
[... ]
Eliminando a incerteza ou afastando o perigo, pode a ação
declaratória ser apresentada como evidente progresso na
processualística como a mais importante força estabilizadora
das relações jurídicas e consequentemente da harmonia
sociall/ 16
Em arremate, HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, invocando
JosÉ FREDERICO MARQUES e LlEBMAN, esclarece:
"A coisa julgada material abrange O deduzido e o deduzível. Por
isso, não se podem levantar, a respeito da mesma pretensão,
'questões argüidas ou que o podiam ser, se com isto se consiga
diminuir ou atingir o julgado imutável e, conseqüentemente, a
tutela jurisd icional nele contida'.
Trata-se de aplicação do principio clássico tantun iudicatum
disputatum vel quantum disputari debebat.
.. :A finalidade prática do instituto exige que a coisa julgada
permaneça firme, embora a discussão das questões relevantes
tenha sido eventualmente incompleta; absorve ela desse modo.
16 ROCHA, José de Moura. O interesse na ação declaratória. Recife: Imprensa Oficial, 1953.
34
-•
MARTORELLIE GOUVEIA
necessariamente. tanto as questões que foram discutidas
como as que poderiam ser"''' (original sem grifos).
A jurisprudência pátria, com efeito, desautoriza por
completo a discussão de fatos que a parte levantou ou que deixou de levantar, embora
o pudesse, à época do processo de formação da coisa julgada, e também não deixa
dúvida quanto ao desacerto do acórdão recorrido em sua inovação da coisa julgada,
como se pode conferir no seguinte aresto do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO REVESTIDA DA
AUTORIDADE DA COISA JULGADA. CONSEQUENTEIMPOSSIBILIDADE DO REEXAME DA CONTROVÉRSIA
RENOVAÇÃO DO LITíGIO [...1
[... ]
- A norma inscrita no art,474 do CPC impossibilita a instauração
de nova demanda para rediscutir a controvérsia, mesmo que
com fundamento em novas alegações, pois o instituto da coisa
julgada material - considerada a finalidade prática que oinforma - absorve, necessariamente, 'tanto as questões que
foram discutidos como os que o poderiam ser' (L1EBMAN), mas
não o foram.
A autoridade da coisa julgada em sentido material estende-se,
por isso mesmo, tanto ao que foi efetivamente arguido pelaspartes quanto ao que poderia ter sido alegado, mas não o foi,
desde que tais alegações e defesas se contenham no objeto do
processo ('tantum judicatum quantum disputatum vel disputari
debebat'). Aplicação, ao caso, do art. 474 do cpc. Doutrina.Precedentes" (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - 2'. Turma.
17 THEODORO Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual CiVIl, 41ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004,
p.49S.
3S
•
MARTORELLIE GOUVEIAADVOGADOS
Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 334.292-0/RJ.
Relator: Ministro Celso de Mello. Julgamento em 30.08.2005.Publicação no Diáro da Justiça de 03.02.2006, p.OOü35.
Disponível em www.stf.jus.br) (oríginal sem grifos)
~ extensão~ julgado e 2 conseguências do p ..ovimento do Recurso Extraordinário.
Desmistificacão do valor de vulto. A violacão da coisa julgada em parte da sentença.
Certamente impressionou o Tribunal de origem a quantia
encontrada pela perícia judicial para a indenização que será objeto da condenação
requerida na inicial. Parece muito evidente que a Corte a quo preferiu distanciar-se
dos aspectos juridicos do caso e proteger a CHESF e a União de uma condenação de
grande vulto, ainda que, com isso, afrontasse, como afrontou, um dos princípios mais
sagrados e caros ao Estado de Direito: a coisa julgada, ressalvados aqui, com repetidas
vênias, os nobres propósitos dos ínclitos Julgadores.
No entanto, se o Tribunal tivesse analisado mais
detidamente a hipótese dos autos, teria percebido que a realização da perícia
antecipou inoportunamente o momento processual da liquidação da sentença, uma
vez que sequer existe ainda condenação no processo.
Com efeito, conforme já esclarecido, este processo cuida
de ação condenatória no pagamento de um crédito cuja existência fora declarada em
ação anterior, perseguindo a Mendes Júnior a condenação da CHESF no pagamento
desse crédito. A questão, tout court, é dar eficácia ao coma ndo da ação declaratória,
questão bastante simples, portanto. Não se trata, de um lado, de saber se a Mendes
Júnior deve ser indenizada pelos "juros de mercado", porque isso já foi decidido na
ação declaratória e não se pode mais questionar; nem, de outro lado, de se obter uma
condenação em valor determinado e certo. Cuida-se apenas de uma sentença quecondene a CHE5F no pagamento do crédito reconhecido, embora ainda de valor
iliquido, O que é indispensável à constituição do próprio título do crédito cuja
existência foi declarada.
Todavia, ao contrário de fixar o conceito e os limites dos
"juros de mercado", o Tribunal preferiu sucumbir à pressão do número levantado na
perícia e deixou de lado sua real e verdadeira função processual, deixando de
condenar porque supunha que o teria que fazer no número estabelecido na perícia.
36
•
MARTORELLIE GOUVEIA
Sob tal ótica, houve-se bem a sentença de primeiro grau,
que desprezou a perícia por motivos incorreto~s, mas acertou no comando principal,
"para condenar a CHE5F a pagar à autora o valor referente aos juras de mercado e
encargos financeiras incidentes sobre o valor despendido no financiamento das faturas
dos contratos CT-I-227.28D e CT-I-227.281, até seu efetivo pagamento" (fI. 3527). ºvalor da condenacão foi deixado para liquidação. Aí está contemplado ºprovimentojurisdicional em relação ao que foi pedido na inicial ~ até ª-9...!:!L. com absoluto respeitoªcoisa julgada material.
o equívoco da sentença, com todo o respeito à culta Juíza
Federal que a prolatou, está em que, ao definir as regras a serem observadas na
liquidação, também afrontou a coisa julgada material.
Primeiramente, a sentença determinou a incidência de
juros simples individualmente, "com aplicação do índice que reflita, na época
específica, a menor remuneração das formas de captação de recursos adotadas pela
MENDES JÚNIOR ENGENHARIA S/A por ocasião do financiamento de cada parcela da
obra", conforme itens (1) e (2) do comando sentencial (fI. 3527, in fine).
Ora, a decisão da ação declaratória garantia à Mendes
Júnior "ressarcimento completo e atualizado dos valores relativos a juros de mercado e
encargos financeiros", não havendo, nesse conteúdo, determinação para que eles
fossem restringidos à menor forma de remuneração prevista no mercado financeiro à
época de cada financiamento. "Ressarcimento completo e atualizado" somente pode
abranger os valores que a Mendes Júnior efetivamente gastou com financiamentos da
obra de Itaparica, ainda quando esses valores tenham sido tomados a preços
superiores ao valor menor praticado no mercado. Até porque o mercado finançeiro
pratica taxas diferenciadas por empresas e atividades e não seria justo que o
ressarcimento à Mendes Júnior ficasse vinculado a taxas menores praticadas com
empresas diversas. Trata-se de inovação à coisa julgada, que deve ser repelida.
Em seguida, a sentença estabeleceu critérios de cálculo
que desprezam a real configuração do crédito declarado na coisa julgada decorrente
da ação declaratória, para tratar de parâmetros mais apropriados a uma ação de
cobrança de faturas atrasadas, o que não é, em absoluto, a hipótese dos autos. Tais
parâmetros seriam os seguintes:
- Incidência dos juros de mercado e encargos financeiros limitada ao pagamento
individualizado de cada fatura, incidindo a taxa calculada na forma do item (2) sobre o
37
-..
MAKrORElLIE GOUVEIA
."a.;,•.•.;.;.
valor da fatura vendida e não paga apenas no período que mediar entre a data do
vencimento da fatura e seu efetivo pagamento (item 3, fI. 3528);
- Incidência exclusiva, sobre os valores assim apurados, de acordo com os índices da
Justiça Federal, a partir da data do pagamento de cada fatura até a citação nesta ação,
passando a correr daí atualização monetária e juros de mora legais (item 4, fI. 3528);
- Abatimento (compensação), no crédito apurado em favor de Mendes Júnior, dos
seguintes títulos e benefícios pagos ou concedidos pela CHE5F ao longo da execução
do contrato: correção monetária e de juros de mora (capitalizados), custos adícionais
decorrentes do andamento anormal da obra, eliminação de carência para o cálculo da
correção monetária e para os vencimentos das faturas de correção monetária,
atualização das faturas de correção monetária pagas pelo seu valor histórico, alteração
do periodo de reajustamento de preços contratados e reajustamento de preços
complementares (item 5, fI. 3528).
Nenhuma dessas determinações consta do título
constitutivo da coisa julgada, como se verá abaixo.
Com efeito, deve ser ressaltado que as compensações
elencadas no item (5) do comando sentencial poderiam ter sido levantadas pela CHE5F
na sua defesa da ação declaratória e não o foram, incidindo inapelavelmente na
hipótese a regra do art. 474 do Cpc.
Outrossim, ao definir, claramente, o crédito da Mendes
Júnior como sendo concernente à "remuneração do capital", a precedente coisa
julgada material, sem dúvida, conferiu (e confere) a esse crédito o caráter de
indenização. Neste passo, cumpre dizer que a palavra "ressarcimento", constame do
acórdão da declaratória, quer dizer exatamente indenização. Ressarcir não é repetir,
devolver ou pagar valores certos, mas recompor prejuizos.
Em seu prólogo argumentativo, a própria sentença
atestou, in Iitteris:
"Cinge-se a controvérsia de mérito ora posta àverificação do direito da parte ativa à restituição dos
valores que antecipou para custear as obras objeto doscontratos CT-I-227.280 e CT-I-227.280, remunerados porjuros de mercado e encargos financeiros até seu efetivo
38
-•
MARTORELLIE GOUVEIA.
pagamento" (vide página 7, da sentença) (original sem
grifos).
"O pagamento de indenizacão pelos custos adido naisdecorrentes do andamento anormal da obra (...) ostentao cunho de reparação econômica em razão do atraso nopagamento das faturas" (vide página 20, da sentença, fI.3524) (original sem grifos).
Válido observar: a Ação Declaratória que gerou a coisa
julgada em foco não teve como objeto a declaração judicial de crédito da Mendes
Júnior do valor das parcelas do preço do contrato não pagas pontualmente, daí por
que a consectáría Ação Ordinária de Cobrança, ora em grau de julgamento recursal
extraordinário, não teve (nem tem) por objeto a cobrança do valor das parcelas do
preço do contrato não pagas pontualmente, nem, portanto, a cobrança de saldo
devedor do preço global do contrato.
A precedente Ação Declaratória teve, si m, como objeto a
declaração judicial de crédito da Mendes Júníor concernente à INDENIZAÇÃO
decorrente do fato de haver a Mendes Júnior suportado o ônus de manter a execução
das obras contratadas durante o período em que a CHE5F não efetuou, pontualmente,
os pagamentos das parcelas do preço do contrato. Ou seja: o objeto da Ação
Declaratória consistiu na declaração judicial do crédito indenizatório da Mendes Júníor
pelo período em que a construtora custeou (fínancíou) as obras contratadas,
porquanto manteve sua execução, sem receber as faturas vencidas no respectivo
período. E é exatamente isso que pronuncia o Acórdão, transitado em julgado, que
declarou tal crédito da Mendes Júnior.
Consequentemente, a Ação Ordinária de Cobrança não
teve (nem tem) por objeto pretensão alusiva à cobrança de valores não pagos ou do
saldo de correção ou juros de valores pagos em atraso pela CHE5F.
Aqui, vale repetir o esclarecimento enunciado no voto
fundamentador e integrante do comando dispositivo da precedente coisa julgada
materíal:
"Mesmo que a MENDES JÚNIOR não houvesse recorrido aomercado financeiro, injetando, sim, dinheiro próprio na obra,a situação seria inalterável, pois aquele seu capital deveria ser
39
-..
MARTORELLJ
E GOUVEJA. ; -'3·.·e•i '
remunerado pelas taxas operadas pelos Bancos do Pais.Doutra forma, volto a dizer, seria locupletamento jndevido daAdministração.
Chamo a isso de reembolso, que não foi compensado pelacorreção monetária destinada apenas a repor o poderaquisitivo original do valor do débito em atraso, não cobrindotais gastos" (grifas apostos) (vide f1.212, dos presentes autos).
Determinar-se a aplicação dos juros apenas ou sobre o
valor correspondente à diferença entre o montante total devido à Mendes Júnior e o
valores pagos pela CHESF significa, simplesmente, fulminar o reconhecimento do
direito da Mendes Júnior (afirmado nas premissas enunciadas na própria sentença
recorrida) de "reparaçãa econômica", porquanto:
(a) os pagamentos feitos pela CHE5F são posteriores ao
período em que se instalou a mora da CHE5F e, quanto às "faturas de correção
monetária", além de contemplarem "prazos de carência", adotam base de cálculo
concernente ao "valor histórico" do débito (e não do montante do prejuízo da mora),não havendo de integrar, portanto, o objeto da condenação (que há de consistir no
montante concernente aos "prejuízos da mora" e não simplesmente à correção do
valor histórico das faturas inadimplidas), de tal sorte que não se pode admitir que os
juros de mora, in casu, concernentes à própria indenização objeto da condenação, não
incidam apenas sobre o montante dos prejuízos da mora, havidos, como diz a
sentença, "na época específica" e passem, de forma esdrúxula, a serem fulminados
pela inadequada compensação ditada na sentença (chegando-se ao absurdo de se
fazer incidir, pragmaticamente, juros de mora sobre o que já terá sido pago, para, por
força da compensação, aniquilar-se o efetivo crédito índenizatório da Mendes Júnior);
(b) a sentença expressamente julga "parcialmente
procedente o pleito autoral... ", "para condenar a CHESF a pagar à autora o valorreferente aos juros de mercado e encargos financeiros incidentes sobre o valor
despendido no financiamento das faturas dos contratos CT-'-227.280 e CT-I-22.281",
sendo certo, portanto, que "o valor referente aos juros de mercado e encargos
financeiros" haveria de ser o único objeto da condenação pronunciada na sentença;
(c) a CHESF não foi condenada a pagar valor de fatura em
atraso, daí por que o que pagara à Mendes Júnior, inclusive as chamadas "faturas de
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MARTORELLIE GOUVEIAA DVOGA DOS
correção monetária", que decorrem da "atualização" do valor histórico das faturas em
atraso, não deveriam (nem devem) integrar o objeto da condenação.
Ademais, pretender que devam ser considerados, na
"compensação" dos prejuízos da mora, "todos os pagamentos feitos pela CHESf,
inclusive faturas de correção monetária e quaisquer outros pagamentos feitos atítulo de adiantamento para quitação de créditos", igualmente significa fulminar o
reconhecimento do direito da Mendes Júnior, expressamente enunciado na
sentença, de "reparaçãa econômica" pelos prejuízos da mora, "com aplicação do
índice que reflita, na época específíca, a menor remuneração das formas de captação
de recursos adotadas pela MENDES JÚNIOR ENGENHARIA S/A por ocasião do
financiamento de cada parcelo da obra" (fI. 3.527).
sm resumo, não ~ tem na hipótese, ª- rigor, ª- despeito
da perícia iudicial. uma ação condenatória de valor determinado. 8 sentença de
primeiro grau, espancada da parte !illl que extrapola Q1 Iimítes da coísa julgada
(objeto da apelacão da Mendes Júnior, na qual se apontam, o que aqui se reitera, as
mesmas violacões ª-º artigo ~ inciso XXXVI, da lei Maior, contém condenação de
valor i1íquido. a qual deve lli restaurada, para ~ iniciar Q processo de quantificação
pelos meios processuais adequados de liquidação.
Pedidos
Ex positis, pede e requer a Mendes Júnior, ora
Recorrente, o conhecimento e o provimento deste Recurso Extraordinário, para os fins
de, em sucessivo:
Ser anulado o acórdão recorrido, diante do
malferimento do principio do JUIZ natural, pelo impedimento do Desembargador
Relator, determinando que se proceda a novo julgamento das Apelações em
referência, em livre distribuição ou sob a Relataria de outro ilustre DesembargadorFederal que integre a Eg. Primeira Turma do TRF da S' Região, em se entendendo que
há prevenção daquele órgão fracionário;
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MARTORELLIE GOUVEIAADVOGADOS
- Ser anulado o acórdão recorrido, por violação ao artigo
93, inciso IX, da Constituição Federal, a fim de que o Tribunal Q quo profira novo
acórdão ao julgamento das Apelações Cíveis em referência, com a abordagem de toda
a matéria objeto dos Embargos de Declaração opostos pela Recorrente;
ra, como medida de Justiça .
.---~---." .. '~------.....
- Ser provida a apelação da Mendes Júnior e desprovidas
as demais apelações, para os fins de: (i) ser julgada totalmente procedente a ação,
condenando-se a CHESF a pagar à MENDES JÚNIOR o valor do crédito reconhecido na
ação declaratóría, a ser apurado em liq uidação, restaurando-se, nessa parte, a
sentença de primeíro grau; (ii) excluindo-se da sentença de primeiro grau os
dispositivos constantes dos seus itens (1) a (5); (iii) com inversão dos ônus da
sucumbência.
JOÃO HUM RTO MARTORELLIOAB/PE 89
e AB/DF -A
/u;-~-~~ ~~ /?u~.J..t-FERNANDA CALDAS MENEZES
OAB/PE 10.140
:./.~ /' OARMANDO COSTA MENEZES~ OAB/PE 14.729
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