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é - Milandes

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  • 8/19/2019 é - Milandes

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    Millôr Onlinewww.millor.com.br 

    É... de Millôr Fernandes

    Baseado num fato verídico que apenas ainda não aconteceu.

    Representada pela primeira vez em 1 de mar!o de 1"##$no teatro Maison de France do Rio de %aneiro$ tendocomo atores Fernanda Montene&ro$ Fernando 'orres$

    (elena )ader$ Renata *orra+ e %onas Bloc+. ,ire!ão de )aulo %os-.

    RF/0O )2*3MO,R456 5 cortina do teatro$ eliminada$ com razão$ emcertos espet7culos$ tem sido desprezada por simples rebeldia artística infantil emin8meros espet7culos em que seria fundamental. 9uero dei:ar declarado queac+o a cortina um elemento dram7tico de profunda import;ncia < uma tradi!ãobonita$ misteriosa$ m7&ica. ste espet7culo deve ter cortina.

    =4>R?O6 O autor s@ descreve detal+es quando estes são necess7rios.mbora al&uns desses detal+es seAam realísticos$ todo o tom do cen7rio deve

    favorecer a representa!ão$ que$ no mesmo di7lo&o$ e s vezes na mesma fala$passa$ sem transi!ão$ do realista ao fantasioso$ do dram7tico ao cômico$ quandonão for dram7tica e cômica na mesma palavra como$ ali7s$ acontece com opr@prio título da pe!a. ?ndica3se apenas$ para necess7rio esclarecimento$ oslocais onde as cenas se desenrolam e al&umas luzes essenciais. m todos osambientes$ A7 que os persona&ens são intelectuais$ +7 a presen!a onde e sempreque couber$ dos elementos da cultura e comunica!ão atuaisC quadros$ posters$letreiros$ r7dio$ televisão$ Aornais$ revistas. livros$ muitos livros. Mesmo emlocais e momentos não indicados$ os persona&ens devem estar lendo$ vendo$carre&ando$ manuseando Aornais$ livros e revistas. 4a mesa do bar$ na bolsa dasmul+eres quando pe&am ci&arros$ sempre +7 al&uma su&estão de leitura e

    informa!ão. 5t- e:cessiva$ obsessiva.

    ?. 5partamento de Dera e M7rio.??. Bar pr@:imo Eniversidade.5rrendado por *ara.G???. 5partamento de Dera e M7rio.?D. 5partamento de Dera e M7rio.D. 9uadro ne&ro na Eniversidade.

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    /uz azulada.G )assa para Bar$ sem transi!ão.D?. 5partamento de Dera e M7rio.D??. 5partamento no Morro da Di8va.D???. 5partamento de Dera e M7rio.,epois do meio$ luz esverdeada.G

    ?0. 5partamento de Oto e /udmila.,epois do meio$ luz esverdeada.G0. 5partamento de Oto e /udmila.0?. 5partamento de Dera e M7rio.0??. 5partamento de /udmila e Oto.0???. 5partamento de Dera e M7rio.0?D. Eniversidade /uz 5zulada.G0D. 5partamento de M7rio e Dera.0D?. 5partamento de M7rio e /udmila.O mesmo de Oto e /udmila.G/uz [email protected]??. 5partamento de Dera e M7rio.

    )RO%HI* 4O ?4J=?O ,5 )H5

    )roAe!ão 16 KL)roAe!ão 6 )e!a de Millôr Fernandes)roAe!ão N6 Baseada num fato verídico que apenas ainda não aconteceu.

    )RO%HI*$ ,ER54' 5 )H5$ )5**54* , 'M)O )5R54O* /O=5?* ?4,?=5,O*6 OR?4'5HOME,54H5* , =45. ,O ,?R'OR ,O* 5'OR*G.

    ?. )rendas3do3lar. inícioG??. =onfronto. uma semana depoisG???. Rotina. em se&uidaG?D. %antar. uma semana depoisGD. ,ecisão. um mPs depoisGD?. =omo sempre. dias depoisGD??. ncontro. dois meses depoisGD??. a&ora$ iusepeQ dois meses depoisG?0. O outro lado. uma semana depoisG0. 5 carta. um mPs depoisG0?. O telefonema. quinze dias depoisG0??. Disita. um mPs depoisG0???. 5utopiedade. um mPs depoisG0?D. )rofessor. sem tempo definidoG0D. Rea!ão. trPs meses depoisG0D?. Felicidade.QG um mPs depoisG0D??. pílo&o. trPs meses depoisG

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    Todos os números romanos podem ser projetados num slide e os títulosnoutro, a seguir .

    )R*O454*

    DR5 'O/,O6 =asada com M7rio. 9uarenta e cinco anos. le&ante.Refinada. )arece mais Aovem. 5inda bonita. Formada num anti&o curso desecretariado. =ultura atualizada sobretudo atrav-s dos contatos universit7rios domarido. )rendas3do3lar. =om pequena economia pr@pria$ vinda da família.

    *5R56 5mi&a de Dera e M7rio. ?rmã de /udmila. Dinte e oito anos.*imp7tica$ se&ura e a&rad7vel$ reunindo em si uma certa visão +umanística efatalista$ ao mesmo tempo em que acredita na a!ão e no pensamento Aovem queainda$ aos vinte e oito anos$ representa. Formada em economia. 'em um bomordenado como copy-desk  publicit7rio de uma &rande f7brica de brinquedos e fazsociedade com uma ami&a como arrendat7ria de um pequeno bar Aunto universidade$ onde trabal+a$ tamb-m$ como &ar!onete$ quando tem tempo.?nteli&ente. =ulta.

    M>R?O 'O/,O6 Marido de Dera. =inqenta anos. )rofessor universit7rio.Filolo&ia. :tremamente liberal e aberto$ capaz de entender e apoiar qualquerpensamento ou atitude de van&uarda. )or-m de vida e a!ão est7veis e at-conservadores. *itua!ão econômica bastante boa. Fisicamente bem posto$tamb-m de aparPncia mais Aovem do que a idade que tem$ embora não seAa um+omem bonito. *e veste de maneira informal$ moderna mas não desfrut7vel.

    O'O6 =ompan+eiro e:istencial de /udmila. Dinte e nove anos. Bonito$nervoso$ aberto a todas as van&uardas do mundo$ com um ar in&Pnuo que o fazespecialmente am7vel. %uvenil nos seus arroubos intelectuais. :3aluno de M7rio.)rofessor na Eniversidade.

    /E,M?/5 /E,M?/5 *5S5ROD 'R?545$ ali7s M5R?5 %O*K FORM?5G6=ompan+eira e:istencial de Oto. Dinte e quatro anos. )arecendo li&eiramentemais vel+a$ devido sua se&uran!a$ intelectual e emocional. 'rabal+a como free-lancer  em tradu!Tes de francPs e in&lPs e revisão de livros did7ticos. 5 belezanatural$ a sensibilidade aprimorada atrav-s de uma vida livre desde cedo ee:periPncias meio nômades$ no Brasil e no estran&eiro$ durante trPs ou quatroanos$ deram3l+e uma superioridade sobre as pessoas$ mesmo mais vel+as$ ques@ não - desa&rad7vel devido ao seu e:traordin7rio encanto. 'udo isso$ sempoluí3la$ dei:ou3a por-m na condi!ão de não ac+ar &ra!a no trivial simples.)recisa não necessariamente de emo!Tes fortes$ mas profundas.

     5'O ?

    =45 ?6 )R4,5* ,O /5R

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    (Vera e Sara estão sentadas em grandes poltronas. Conersam. Veraleanta, em at! um m"el # direita, sere um copo d$%gua e com ele na mãoem at! o prosc&nio. 'la o pú)lico no olo e di*, com suspiro, como +uemaceita tudo sem poder eplicar

    DR56 KL... Volta a sentar, di* sem transião...G de vez em quando eu meper&unto o que - que eu ten+o com isto. 4ão que seAa contra. Mas feminismo -pra mul+eres muito especiais$ eu ac+o.

    *5R56  /firmandoG DocP tamb-m ac+a que o destino da mul+er - biol@&ico.

    DR56 O meu$ pelo menos. 4ão ten+o de que me quei:ar. Menstrua!Tescorretas durante toda a vida$ deseAos mono&;micos toda a vida$ trPs vezes&ravidez$ dois partos serenos$ sem dor < quase sem dor. *ou contra cesariana.Meu destino - biol@&ico. 9ue posi!ão posso tomar com um par de seios senãouma posi!ão decididamente femininaQ 5s amazonas$ para poderem atirar mel+orde arco e enfrentar os +omens$ cortavam um seio.

    *5R56 DocP est7 c+amando as feministas de sapatão. 9ue min+a irmã nãote ou!a.

    DR56 /on&e de mim. Mas feminismo - em in&lPs. 4a tradu!ão não d7certo.

    *5R56 4ão em nossa classe. Os Aornais estão aí mesmo$ a televisão$ oslivros$ as conversas$ as via&ens$ as mais Aovens fazendo pressão...

    DR56 9ue idade vocP tem mesmoQ Responde como se eu não soubesse.

    *5R56 Dinte e oito.

    DR56 )Te mais metade nisso e vocP ver7 toda uma diferen!a. 4ão -comi&oL 9ue liberta!ão eu queroQ 'oda min+a vida fui cercada de +omens e medei muito bem. Min+a mãe morreu mo!a. Fiquei s@ com meu pai e dois irmãos.

     5os vinte anos meu pai me passou pro meu marido. 'ive dois fil+os +omens. Meupai me deu prote!ão e sustento. Meu marido$ sustento e fidelidade. Os dois fil+osme dão carin+o e me prestam obediPncia. stou$ a&ora$ no primeiro neto.

    *5R56 DocP vP. u$ aos vinte e oito anos$ ainda estou me decidindo se vouser mãe ou não.

    DR56 =asando ou sem casarQ

    *5R56 =asando ou sem casar$ importaQ

    DR56 'er um fil+o sozin+a$ não - mais difícilQ

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    *5R56 'eu marido te aAudou a ter o fil+oQ

    DR56 Me deu din+eiro$ m-dicos$ bab7. O sistema era a meu favor$ eurecon+e!o. 5dmito que para as bab7s - mais difícil porque os fil+os das bab7snão tPm bab7s.

    *5R56 u s@ terei um fil+o casada se a afinidade for total6 O fil+o ser7 nosso < meu e dele < responsabilidade dividida$ prazer dividido. *enão$ pra que casarQ

    DR56 Mesmo ele pensando totalmente i&ual$ vocP não vP a possibilidadedele ter mais responsabilidade e vocP mais carin+o ou vice3versaQ se vocP formãe solteira$ onde vai dei:ar seu fil+o$ em nosso mundo sem crec+esQ

    *5R56 4ão sei. K problema posterior. Os fil+os crescem. Os fil+os semprecresceram. Meu problema - ter ou não ter < se não tiver talvez me arrependa$ setiver estarei presa a ele a vida inteira. *e resolver 'er$ talvez não seAa importantepra mim saber quem - o pai$ mas não sei se posso ne&ar ao fil+o a identidadedesse pai. Mas$ como diz min+a irmã /udmila$ que não tem os meus problemas$identificar o pai de nosso fil+o obri&a a um lon&o período de fidelidade a um+omemC lament7velL

    DR56 5s mul+eres de min+a &era!ão não tin+am tanto problema. 5rranAavam um marido e o resto estava resolvido.

    *5R56 stamos num período de transi!ão$ eis tudo.

    DR56 'ransi!ão que os +omens não tPm. les sempre saberão quem - amãe de seus fil+os.

    DR56 Mas nunca terão a certeza de que são os pais. 'udo d7 na mesma .(0%rio entra, indo do +uarto, como +uem ai sair. 1asta na mão.

    M>R?O6 Ol7$ *ara.

    *5R56 Boa noiteL

    M>R?O6 (1ara Sara, se referindo a Vera. =uidado com ela. K peri&osa.*abe mais do que sabe que sabe. 9uando a &ente abre o ol+o A7 deu o c+eque3mate. 2eija Vera na )oca. 2eija Sara no rosto.G 'c+au. Dolto lo&o. *ara AantaconoscoQ

    *5R56 4ão$ obri&ada.

    DR56 'c+au.

    *5R56 'c+au$ M7rio. 0%rio sai .G

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    DR56 Sem interrupãoG DocP sabe que de vez em quando eu ten+o asensa!ão de que sou um escravo a quem tentam impor uma liberdadeQ stãoquerendo que eu assine uma carta de alforria que não pedi$ não procurei$ nem seipra que serve. stou bem na min+a senzala$ ela - ampla$ limpa. Meu patrão nãome espanca$ de vez em quando fica ine:plicavelmente de mau +umor$ passa dois

    ou trPs dias sem falar comi&o$ - tudo. m troca eu não penso na min+asubsistPncia$ ele pensa por mim$ pa&a min+as contas$ mata o Aavali. 9ue - queestão querendo < me dar liberdade pra morrer de fomeQ 'rocar uma escravidãoapenas nominal por uma escravidão realQ =oncessão todos fazem$ todos fizeram$todos farão$ sempre. Em dia eu vi uma foto&rafia de Onassis$ rico e poderoso$aAoel+ado +umildemente aos p-s de )aul ettU$ mais rico e mais poderoso. rade brincadeira$ eu sei$ mas ele estava aAoel+ado. 9uando eu ten+o que meaAoel+ar fa!o como se fosse brincadeira. 4ão d@i nada.

    *5R56 Bela )rincesa 5dormecida.

    DR56 osto dessa ima&emL 'en+o um sono de anAo. Em dos &randesprazeres da min+a vida - deitar de noite na cama e dormir. vocP quer maiorprazer do que ficar na cama de man+ã depois que o marido saiQ *obretudo emdia de c+uvaQ

    *5R56 Brincando de solteira numa cama de casadaL )refiro o contr7rio. 3i G*obretudo em dia de c+uva.

    DR56 Se leanta, tira o)jetos da mesa, deia a mesa a*ia, en+uanto fala.1ega uma toala do)rada num m"el, desdo)ra-a atirando-a no ar, num gestotípico de p4r a mesa.G ste &esto simples$ vocP sabe fazerQ Sara +ue acena aca)ea, meio risona, meio c!ticaG. Ema m7&icaL 5n+uanto alisa a toalaajustando-a # mesaG (7 quantos mil+ares de anos as mul+eres como eu fazemeste mesmo &esto de pôr a mesaQ *empre i&ual. *empre bonito.

    *5R56 Monotonia secular.

    DR56 Rotina milenar. )or que s@ devemos ac+ar beleza na rebeldia e nãona aceita!ão da vida no que ela tem de mais constanteQ Rotina. 5 perfei!ão darotina. Vai pondo pratos, loua na mesaG 5 rotina não como monotonia$ comouma obra de arte$ que não termina nunca$ se aperfei!oa sempre$ passando de&era!ão em &era!ão$ como um fo&o simb@lico.

    *5R56 Maravil+osoL *obretudo pra vocP que pode dei:ar o fo&o simb@licopra arrumadeira quando est7 de saco c+eio. DocP pTe a mesa quando quer.

    DR56 =laro$ são as min+as vanta&ens. Mas$ noite$ na +ora do Aantar$ -raro o dia que não sou eu quem pTe a mesa. 5 tua *imone de Beauvoir escreveuoitocentas p7&inas me c+amando de *e&undo *e:o. Mas eu sei que muitasvezes enquanto ela est7 l7$ solit7ria e desesperada$ eu aqui arrumo os meuspratos$ no mesmo lu&ar de sempre$ com o mesmo carin+o$ plenamente realizada.

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    *5R56 9uer que eu aAudeQ

    DR56 u falei em obra de arte$ não falei em caricatura. Continua semoimentandoG nquanto vocP caval&a o teu cavalo de Dalquíria Auntando&uerreiras para a luta de liberta!ão eu arrumo os tal+eres ai arrumandoG um

    &arfo$ uma faca e uma col+er Aunto de cada prato$ do Aeito e no local de toda avida$ pois foi assim que a mãe de min+a mãe ensinou min+a mãe o que elaaprendeu da mãe dela. 'udo limpo$ @$ tudo polido$ @$ tudo correto$ emboranin&u-m note$ nin&u-m saiba$ não +aAa nem se espere elo&io. Meus fil+oscomiam r7pido e distraídos quando moravam aqui$ M7rio$ +oAe$ quase sempre$come ol+ando pra televisão.

    *5R56 5R* R5'?5. 5 arte pela arte. O lema da Metro oldwin MaUer. 4ãoquer mesmo uma mãozin+aQ

    DR56 9ue mão$ *araQ Segura o pulso dela, ola a mão.G Boa pra quedade bra!o. Ol+a$ faz uma coisa que - mais teu &Pnero. 'ira &elo e serve umuísque. =omo vocP faz l7 no teu bar. Sara +ue sai pela es+uerda, entrando naco*ina.G

    DR5345RR5,OR56 Se olando num espelo, ajeitando os ca)elos.G 5rtemísia$ rain+a de =7ria$ fil+a de (ecatomus. =asada com o rei Mausolo$ 5rtemísia era tão apai:onada por ele que$ depois que ele morreu$ ela l+e bebeuas cinzas para incorpor73lo sua pr@pria pessoa. mandou er&uer ummonumento tão ma&nífico em mem@ria de Mausolo$ que esse monumento foiconsiderado tamb-m nome comum a todos os &randes monumentos mortu7rios6Mausol-u 6u* +ue se apaga em resist&ncia.G

    =45 ?? 6 =O4FRO4'O

    M>R?O6 7ee ter roupa completamente diferente da anterior, indicando passagem de tempo.G K novo$ esse barQ 4unca estive aqui antes.

    O'O6 4ão. 5c+o que não. 4ão sei. Den+o aqui +7 muito tempo6 est7 semprevazio a essa +ora. O pessoal todo da Eniversidade vem aqui. O pessoal do corpodocente. 5 &arotada vai nos outros botequins por aí. 4ão tem din+eiro.

    M>R?O6 'lando em olta.G K a&rad7vel. Sentam.G

    O'O6 Foi aqui que eu con+eci min+a mul+er. la estava terminandopsicolo&ia$ eu A7 era professor. la estava escrevendo uma tese sobre a asmacomo conseqPncia da repressão se:ual. amamos na +ora. 5quilo que osfranceses c+amam coup de foudre.

    M>R?O6 'amb-m$ com essa teseL 3iemG

    O'O6 Fomos pra cama na mesma noite.

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    M>R?O6 u levei seis anos pra ir pra cama com min+a mul+er.

    O'O6 )or que$ não tin+a vontadeQ

    M>R?O6 4ão era moda$ na -poca. 'udo - moda. 1ausaG 5t- violPncia -moda. 5ntra Sara, inda da mesma direão em +ue entrou na casa de 0%rio eVera. Como se saísse da co*ina. Tra* )alde de gelo, copos, garrafas de uís+ue.

     / ligaão ! apenas física. / cena ! algum tempo depois, usa roupa diferente.Sara ai colocando as coisas na mesa.G

    *5R56 Oi$ Oto. Ol7$ M7rio.

    O'O6 Oi$ *ara.

    M>R?O6 Ol7$ *ara. DocP trabal+a aquiQ

    *5R56 Dera não te disseQ

    M>R?O6 ,isse um bar. Mas nem pensei que fosse aqui$ na Faculdade.

    *5R56 )ois -$ meu caro professor$ metade do tempo escrevo te:tos infantisna f7brica de brinquedos$ metade do tempo trabal+o aqui. *ua e:3aluna pro&ride$como vP. 4ão d7 pra ser intelectual full-time$ neste país$ mesmo intelectual def7brica de brinquedos.

    O'O6 5inda bem.

    *5R56 Dão de uísqueQ

    M>R?O6 Dou.

    O'O6 Dou. )ra variar.  / 0%rioG 9uase não bebo. Vera sereG

    *5R56 =omo vai DeraQ 4ão a veAo +7 uma semana.

    M>R?O6 5quilo que vocP con+ece. 4ada a derruba.

    *5R56 'amb-m$ com tal marido.

    O'O6 5stranandoG Dai ver vocP tamb-m não sabe que *ara - irmã de/udmila$ min+a mul+erQ

    M>R?O6 5bsoluta surpresa. %uro que não sabia.

    *5R56 DP. 'udo em família. =om licen!a.

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    M>R?O6 *enta aí um pouco conosco.

    *5R56 4ão d7. 'en+o que sair A7. O &ar!on serve vocPs. Sai G

    O'O6 Coca o copo com 0%rio.G 'in3'in.

    M>R?O6 'in3'in. 2e)eG Em ano que vocPs vivem AuntosQ

    O'O6 'rezentos e sessenta e cinco dias. (oAeL

    M>R?O6 Ema eternidadeL

    O'O6 K isso aíL

    M>R?O6 )or que vocPs não se casamQ DocP ac+a mesmo que não -importanteQ

    O'O6 )ra quPQ u e /udmila vivemos bem assim.

    M>R?O6 fil+os$ vão terQ

    O'O6 K todo um problema. )or coincidPncia /udmila +oAe de man+ã foi aom-dico buscar o resultado de um e:ame. 5c+a que est7 &r7vida. ,e repente ficoulouca pra ter um fil+o6 diz que est7 ficando vel+a.

    M>R?O6 la - mais vel+a do que *araQ

    O'O6 Mais nova. Dinte e quatro anos.

    M>R?O6 Ema anciã. u sou casado +7 quase esse tempo. 5no que vem fa!ovinte e cinco anos de casado.

    O'O6 8roni*andoG =omo - que se c+ama mesmoQ Bodas de quPQ ,e prataportu&uesa$ n-Q 0%rio +ue acena +ue sim, sorrindo, conformado.G Me diz aqui$e:iste vida depois de vinte e quatro anos de casadoQ

    M>R?O6 5c+o que e:iste 9outro tomG K... %7 passei casado metade damin+a vida. Ou estou en&anadoQ *er7 que não - vidaQ 9ue - que vocP ac+aQ

    O'O6 4ão sei$ - difícil. u - que devia per&untar6 foi meu professor durantetanto tempo. 5c+o vocP$ sinceramente$ um +omem claro$ aberto. =urioso < vocPnunca viaAou$ viaAouQ

    M>R?O6 4ão$ nunca saí daqui.

    O'O6 4unca saiu do BrasilQ 0%rio acena +ue não.G 4em uma vezQ

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    M>R?O6 4ão. 4unca saí do Rio.  /centuandoG 4unca saí da min+a cidade.

    O'O6 DocP não ac+a que isso pode ter limitado um pouco a sua...potencialidade$ com licen!a da palavraQ

    M>R?O6 %8lio Derne escreveu todas aquelas aventuras maravil+osas semnunca sair de 4antes.

    O'O6 Bem$ mas %8lio Derne < aquilo - coisa menor. 4ão tem nada a ver como ser +umano no seu sentido mais profundo.

    M>R?O6 Sant nunca saiu de Soensber&.

    O'O6 KQ... Bom$ mas Sant$ ainda assim$ vPQ 'amb-m faltava a ele a+umanidade necess7ria pra...

    M>R?O6 =arlos ,rummond s@ saiu do Brasil uma ou duas vezes$ pra ir aBuenos 5ires visitar a fil+a...

    O'O6 st7 bem. an+ou. 4in&u-m precisa viaAar pra enriquecer o espírito. Kque pra mim a permanPncia no estran&eiro foi tão definitiva.

    M>R?O6 9uanto tempo vocP ficou nos stados EnidosQ

    O'O6 =inco anos. ,os vinte aos vinte e cinco. 9uando voltei era outro+omem.

    M>R?O6 K realmente uma lon&a via&em. Mas pode estar certo$ o importantenão foi a via&em6 foram os cinco anos. DocP sabe o que dizia MarV 'wainQ 9ãode 'to.G W9uando eu tin+a vinte anos ac+ava meu pai um completo idiota. 9uandoeu fiz vinte e cinco fiquei besta com o que o vel+o tin+a aprendido nesse espa!ode tempo.X

    O'O6 3i. 9outro tom.G 4ão sei$ +oAe o mundo oferece e:periPncias que nãoestão aqui$ a diferen!a entre n@s e a civiliza!ão - cada vez maior. Os Aovens aquinão tPm vez. (7 uma consciPncia e:istencial maior do mundo civilizado.

    M>R?O6 DocP ac+a mesmoQ

    O'O6 5 consciPncia de que a vida tem que ser inst7vel.

    M>R?O6 =uidado. Vier perigosamente - um slo&an fascista.

    O'O6 4ão estou falando de política. stou falando de rela!Tes +umanas.

    M>R?O6 9ual a diferen!aQ

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    *5R56 Saindo pela direita, com outra roupa, liro e )olsa na mão .G 'c+au. 5bra!o na Dera.

    M>R?O6 'c+au. Obri&ado.

    O'O6 la adora a irmã. 9outro tom.G 5 diferen!a - que +oAe a &ente transacom uma pessoa e$ quando não d7 mais$ a &ente se manda.

    M>R?O6 *imples assimQ

    O'O6 Me diz aqui. )ode$ a &ente escol+er uma pessoa s@$ das mil+ares quecon+ece$ e ficar com ela pra sempreQ )odeQ

    M>R?O6 DocP est7 falando de casamentoQ

    O'O6 K.

    M>R?O6 ,e mono&amiaQ

    O'O6 K. 's dois )e)em.G Mas não da min+a$ vP bemL stou falando da tua.

    M>R?O6 5+$ KQ

    O'O6 Ema mono&amia falsa$ quando as pessoas não tPm nen+umae:periPncia anterior. Ema mono&amia +ip@crita$ condenada ao fracasso. u fiztodas as e:periPncias +onestas < abertamente < at- c+e&ar a uma mono&amiaemocionante$ porque buscada e consentida. K o que eu queria.

    M>R?O6 2ate palmas.G BravoL 9outro tomG. 9ue - que vocP est7 querendoQMe abalar$ a esta altura do campeonatoQ 9ue eu confesse vinte e quatro anos de+ipocrisiaQ 9ue eu c+ore pelas e:periPncias m8ltiplas que vocP teve e que eu nãotiveQ Oto$ vinte e quatro anos - muito tempo para eu lar&ar num minuto s@.

    O'O6 *e vocP ac+asse$ a&ora$ que est7 tudo errado$ ainda teria tempo paramudarQ

    M>R?O6 K muito tarde. 4ão teria mais sentido. Dera est7 l7$ me esperando$tão boa compan+eira$ mãe de meus fil+os... *abe$ depois$ nas rela!Tespassionais não basta querer6 - preciso encontrar o outro lado. Ema coisa sempreocasional. DocP teve mesmo muitas e:periPncias profundas$ antes de viver comessa mo!aQ

    O'O6 O suficiente$ ac+o.

    M>R?O6 ,e todo &PneroQ

    O'O6 )raticamente.

  • 8/19/2019 é - Milandes

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    M>R?O6 (omosse:uais tamb-mQ

    O'O6 )osso não responderQ

    M>R?O6 ?sso A7 não seria uma respostaQ ,e qualquer forma não veAo porquenão responder. DocP est7 com medo dos meus preconceitos ou ainda temal&unsQ

    O'O6 4en+um dos dois. K que eu teria que entrar em detal+es$ contarepis@dios indefinidos$ rela!Tes que se passam em fronteiras ainda nãodemarcadas da sensibilidade +umana...

    M>R?O6 4ão d7 pra eu entenderL K issoQ

    O'O6 K. u ac+o que aí a pr7tica - fundamental.

    M>R?O6 ,e camaQ

    O'O6 Sorri e fa* +ue sim.G Os meandros dos sentimentos$ o como - que -$o toque$ o odor$ a apro:ima!ão$ o tipo de compromisso$ a capacidade deaceita!ão da liberdade al+eia e do controle do pr@prio e&oísmo - coisa que a tua&era!ão < perdão$ - o que eu ac+o < não poder7 mesmo Aamais entender. - coisanova.

    M>R?O6 5c+o que vocP tem razão6 eu não aceitaria com muita facilidademin+a mul+er dormindo com outro.

    O'O6 DocP nunca teve que enfrentar essa +ip@teseQ

    M>R?O6 Sacode a ca)ea energicamente.G 4unca. 5 coisa s@ me passoupela cabe!a$ uma vez ou outra$ va&amente. 4unca c+e&ou sequer ao est7&io doci8me.

    O'O6 'ua mul+er$ Dera$ casou vir&emQ

    M>R?O6 Ema moda$ como qualquer outra$ eu A7 te disse. nunca mepareceu especialmente reprimida por s@ ter dormido comi&o$ mesmo depois quevocPs$ mais mo!os$ come!aram a balan!ar o nosso coreto$ ou mel+or$ a nossacama. 5 id-ia de direitos que nunca c+e&amos a e:ercer nem por isso nostransformou num casal ansioso. K bem verdade que eu tamb-m me casei seme:periPncia maior e sou$ at- +oAe$ um +omem se:ualmente muito bemcomportado.

    O'O6 Mas a tua &era!ão - uma &era!ão de +omens prevaricadores que$ emconseqPncia$ dei:am as mul+eres insatisfeitas.

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    M>R?O6 sse pode ter sido o erro da min+a &era!ão$ não foi o meu.)revariquei sem maior entusiasmo$ apenas uma meia d8zia de vezes.

    O'O6 tua mul+er poderia ter feito o mesmoQ

    M>R?O6 4ão era moda. Ema mul+er como a min+a s@ faria isso com umenvolvimento mais profundo. ?sso - coisa que a tua &era!ão < perdão$ - o que euac+o$ Aamais poder7 entender. DocP viaAou muito mas não tem o toque$ o tipo deapro:ima!ão$ o con+ecimento do compromisso e da restri!ão da liberdadeestabelecidos +umildemente entre n@s. 'ua mul+er te en&anaQ )erdão$ en&anarpra vocP - uma palavra sem sentido < tem direito a e:periPncias com outros+omensQ

    O'O6 K claro. ?sto -$ se quiser 0%rio +ue )e)e.G u não sou dono delaL

    M>R?O6 Mas ela usa esse direitoQ

    O'O6 4ão. *e usasse eu seria o primeiro a saber.

    M>R?O6 K uma certeza ou uma esperan!aQ 5ntra 6udmila. 6inda,completamente desini)ida. Suae.G

    /E,M?/56 Boa tarde.

    M>R?O6 Boa tarde. Se leanta.G

    O'O6 OiL Tam)!m se leanta, )eija 6udmila. /presenta.G )rofessor M7rio./udmila.

    /E,M?/56 )razer$ )em pronunciadoG /udmila *aVarov 'riana.

    M>R?O6 *enta novamente$ cara li&eiramente perple:a diante do nome.G'oma al&uma coisaQ

    /E,M?/56 Obri&ada$ quase não bebo. *e importa se eu fumarQ

    M>R?O6 OraL 'ferece um cigarro. 6udmila agradece com um gesto. :uma ed% uma tragada a 'to.G =omo - mesmo teu nomeQ

    /E,M?/56 /udmila *aVarov 'riana.

    M>R?O6 DocP tem ascendPncia russaQ

    /E,M?/56 4ão. 4asci em Minas. Meu nome de batismo - Maria %os-Formi&a. 3i G 4ão d7$ n-Q 5 &ente tem que e:i&ir uma lei permitindo s pessoasmudarem o nome a certa altura da vida. )or que - que a &ente tem que carre&arno nome a idiotice dos paisQ Resolvi me c+amar /udmila *aVarov 'riana.

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    M>R?O6 K. como - que vocP faz$ com os pap-isQ

    /E,M?/56 9ue - que eu posso fazerQ 5presento os de Maria %os- Formi&ae me sinto uma embusteira. DocP ac+a que eu ten+o cara de Maria %os-

    Formi&aQM>R?O6 ,e maneira al&uma. 5ssim que vocP entrou eu vi que era /udmila

    *aVarov 'riana.

    O'O6 =omo - que foi o e:ameQ

    /E,M?/56 4e&ativo. 1assa enelope +ue 'to a)re e l&.G

    O'O6 =+atoL

    /E,M?/56 ;uarda o enelope.G u e Oto estamos querendo ter um fil+o$a&ora.

    M>R?O6 le me disse.

    O'O6 Mas estou come!ando a desconfiar que eu sou est-ril. Dou ter quefazer um e:ame s-rio pra verificar.

    M>R?O6 se vocP for est-rilQ 'to d% de om)ros num tom de conformismo.G?sso - sempre uma frustra!ão na vida de um casal. 7eli)eradoG 9ualquer formade casal. )or mais moderno que seAa. )arece mesmo que essa - a 8nica &ravefrustra!ão e an&8stia do +omosse:ualismo < a não reprodu!ão$ a ausPncia decontinuidade. 5 imortalidade bloqueada. O se:o terminando$ sempreL$ no pr@prio&ozo. Em or&asmo no v7cuo.

    /E,M?/56 9ue - que isso tem a ver conoscoQ

    M>R?O6 5 an&8stia - a mesma. ,i&o$ quando o casal quer ter fil+os e nãopode.

    O'O6 DocP est7 transferindo a min+a frustra!ão individual pra /udmila. lanão tem nada com a min+a prov7vel esterilidade. 4ão - s@cia das min+aslimita!Tes.

    M>R?O6 Mas vocPs não se amamQ ,esculpem$ não estou entendendo bem.1ara 6udmilaG u e Oto estamos neste tema +7 uma por!ão de tempo...

    /E,M?/56 )arece que não +7 outro tema$ +7 muito tempo. ,epois que apolítica dei:ou de ser possível$ cada um resolve pelo menos pensar mais em sipr@prio$ ol+ar mais o pr@prio umbi&o.

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    M>R?O6 K isso mesmo. 5t- eu$ di&o$ min+a &era!ão. 5 &ente pensa o queperdeu$ o que não fez... se vocPs não estarão certos.

    /E,M?/56 5l&uma d8vida quanto a issoQ

    M>R?O6 BomL$ ele diz que vocP não tem nada a ver com a esterilidade dele.9uer dizer que$ se o e:ame der que ele - est-ril$ vocPs se separamQ

    O'O6 )or quPQ 4in&u-m falou nisso.

    M>R?O6 DocPs estão pensando em que$ entãoL ?nsemina!ão artificial ou oquPQ

    /E,M?/56 O quPL 6onga pausa, diante do tom dela. 2e)em. :umam. 0%rio+ue espera uma eplicaão +ue sa)e +ue ir% .G )rofessor M7rio$ Oto sempre medisse que o sen+or - o +omem mais l8cido que ele con+ece na sua &era!ão...

    M>R?O6 SorrisoG O +omem mais l8cido de min+a &era!ão quer dizer$ pravocP$ um que ficaria no banco de reservas na &era!ão de vocPs...

    /E,M?/56 4ão foi uma restri!ão. Falei da sua &era!ão$ professor$ por falar.)ara situar.

    M>R?O6 9uer fazer um favorQ Me c+ama de M7rio.

    /E,M?/56 Ol+a$ M7rio$ com toda tua lucidez$ +7 barreiras definitivas entreas &era!Tes... *obretudo entre as nossas.

    M>R?O6 Me diz qual - a min+a barreira6 o que - que eu não posso entender.

    /E,M?/56 ntender não - o caso. DocP não pode sentir e$ portanto$ nãopode admitir. Ol+a$ se Oto for est-ril$ eu não vou me condenar tamb-m esterilidade$ nem vou ter um fil+o artificial. ,esculpeC não pretendo escandaliz73lo.u vou ter um fil+o com outro +omem. )or que nãoQ

    M>R?O6 *em se separar deleQ

    /E,M?/56 )or que nãoQ

    O'O6 7epois de )ree esitaão.G )or que nãoQM>R?O6 'lando para 'to.G K... longa pausa.G )or que nãoQ 6u* +ue

    desce em resist&ncia.G

    DR5345RR5,OR56 Mas$ ser7 assim$ tão f7cilQ =omo se estabelece umarela!ão dessas$ na pr7ticaQ ,estinada a um obAetivo determinado$ WnobreX$ essarela!ão não ser7$ por isso mesmo$ mais e:citanteQ =omo se marca o encontroQ,iretoQ BrutalmenteQ Os dois se encontram lo&o no localQ m que localQ 4o

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    deleQ 4o delaQ Ou campo neutroQ O outro$ o combor!o$ dever7 i&norar a +ora e olocal do sacrifício depois de concordar com ele$ ou sofrer7 essa +ora e aconsciPncia do encontroQ os dois$ ao se encontrarem$ como deverão a&ir < friose determinados$ como conv-m a uma e:periPncia dessas$ ou simulando ternuraQBom$ - preciso ternura$ pois se trata de um ato destinado produ!ão de um fil+o.

    )or-m a ternura$ mesmo simulada$ n@s sabemos$ tende a criar uma ternuraverdadeira por parte do outro e tornar verdadeira a ternura que o primeirosimulou... 6u* +ue )aia em resist&ncia.G

    =45 ??? 6 RO'?45

    9o escuro, a lu* da teleisão ligada reflete so)re 0%rio. / lu* geral so)e emresist&ncia. 0%rio toma um uís+ue. 5st%, domesticamente, em mangas decamisa, sem sapatos mas de meias, com os p!s em cima de um )an+uino+ual+uer. 6&.G

    *OM ,5 '/D?*O6 m resumo6 5s tropas *írias dominam mais dametade de Beirute$ A7 tendo destruído dezoito quarteirTes da cidade. 4o =+ile foiassassinado o líder sovi-tico nneVoro ?lic+a. 4a Ecr;nia foi assassinado oembai:ador da Rod-sia$ *mit+ *mit+. Os dois navios petroleiros de quin+entastoneladas que colidiram no Mar do 4orte dei:arão poluídas as praias de todaaquela re&ião durante pelo menos oitenta anos. O *enado 5mericano apontamais Y personalidades internacionais$ entre ministros e c+efes de estadoenvolvidos no esc;ndalo da /ocV+eed. *e&undo a meteorolo&ia no Rio$ aman+ã$muito sol$ muita praia. 0%rio +ue alonga o )rao, diminui o som do aparelo .G

    M>R?O6 3uído de cae, Vera +ue entra, indo da rua.G Oi< (Tira o som dateleisão. Vera +ue d% alguns passos do )al! dom!stico.G *ara não veio comvocPQ

    DR56 stava cansada. 'em comitP aman+ã. Resolveu ir dormir.

    M>R?O6 9ue tal a pe!aQ

    DR56 :celente. Em pouco crua.

    M>R?O6 =rua comoQ Muito se:oQ

    DR56 K. Muito palavrão.

    M>R?O6 Ficou c+ocadaQ

    DR56 5c+o que sim. *abe como -$ quando a &ente se acostuma com umacoisa$ eles inventam outra.

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    M>R?O6 O que - que eles inventaram desta vezQ 5l&um palavrão novoQ 5l&uma forma nova de ato se:ualQ *e tem me diz que eu vou l7 < ainda estou emidade de aprender.

    DR56 4esta pe!a eles dizem os palavrTes na cara da &ente. 5

    representa!ão - feita no meio do p8blico. tem uma cena se:ual que parece at-que a &ente est7 participando.

    M>R?O6 K mesmoQ ,eviam cobrar maisL 1ausa. Toma uís+ue.G DocP sabe$quando eu +oAe veAo certas cenas de cinema e teatro$ com esses mul+erTes todosnus se esfre&ando nos atores$ confesso que sinto uma bruta inveAa. *e eu tivessevinte anos +oAe eu não ia ser fil@lo&o coisa nen+uma < ia ser ator. ,e preferPnciade pornoc+anc+ada. u fico besta < os caras são pa&os pra fazer aquiloL

    DR56 elas não são pa&as tamb-mQ

    M>R?O6 8ntencional G las sempre foram.

    DR56 )orco c+ovinistaL 2eija-oG st7 arrependido pelo tempo perdidoQ

    M>R?O6 3etri)ui o carino, pega um liro grosso a seu lado, na mesina,entre %rios outros liros, foleia-o como +uem ai ler .G DocP s vezes não pensaque errou de encarna!ãoQ 9ue tomou um bonde na frente do teu destinoQ

    DR56 K. 4in&u-m pode dei:ar de pensar nisso$ a certa altura. O que ser7que n@s perdemosQ

    M>R?O6 1ondo-se noutra posião. 0ais afirmatio. Tirando os p!s do)an+uino.G )odemos nos compensar$ n@s dois$ de sermos os que vivemosmel+or em nossa &era!ão. Mas volta e meia temos inveAa deles$ que vieramdepois. 4ão acredito que eles Aamais ten+am inveAa da &ente.

    DR56 4ão foi sempre assim$ uma &era!ão atr7s da outra$ não ser7 apenasa melancolia do envel+ecimentoQ

    M>R?O6 Em pouco. Mas ac+o que o salto foi &rande demais. ,e n@s praeles. a&ora então$ com as mul+eres soltas... 5 vida dos +omens virou umparaíso.

    DR56 DocP A7 est7 tão acostumado com isso. 5final suas aulas sãoassistidas mais por mo!as do que por rapazes... 1ega um papel na )olsa.G 5+$*ara mandou pedir se vocP pode assinar. 5ntrega a ele o papel e os "culos.0%rio p=e os "culos, l&.G

    M>R?O6 =atzo$ a&ora são os bascosL  /ssinaG arrote3vilL Franco podia$ aomenos$ fazer um &arrote nobre. 9outro tomG (oAe estive com Oto.

  • 8/19/2019 é - Milandes

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    DR56 9uando - que ele voltou da uropaQ

    M>R?O6 %7 +7 mais de um mPs. Mas s@ me encontrei com ele +oAe eestivemos conversando sobre essas coisas6 +omem e mul+er. u$ ele e a mul+erdele... 5 conversa de sempre. Mas confesso que a rela!ão deles me perturbou6

    me pareceu uma coisa e:traordin7ria.DR56 u nem sabia que ele tin+a casado.

    M>R?O6 9uer dizer$ casou6 vive com uma mo!a... @tima por sinal. K o mel+or e:emplo que A7 vi do que eles c+amam mul+er nova. 4em falei muito com elanão$ mas tirei na pinta6 a &ente sente que ela est7 mesmo na dela. Em AeitãoesplPndido.

    DR56 *e vocP &ostou eu quero con+ecer. sse tipo de Aovem me dei:asempre fascinada. *@ temos fil+os +omens < em +omem a libera!ão se notamenos. ostaria tanto de ter tido uma fil+a assim. =omo - o nome delaQ

    M>R?O6 /udmila.

    DR56 /udmila *aVarov 'rianaQ

    M>R?O6 K. DocP con+eceQ

    DR56 Maria %os-Q

    M>R?O6 ,e onde - que vocP con+eceQ

    DR56 =on+e!o s@ de nome. de lenda. K irmã de *ara.

    M>R?O6 u sei. Oto me disse. las tPm al&uma coisa em comum. =onvideiela e Oto pra Aantarem aqui$ quarta3feira. Oto quer muito ver vocP. ,7Q

    DR56 =laro. u A7 tin+a pedido a *ara pra convidar. *ara baba deadmira!ão por ela. *e ac+a quadrada diante dela. ?ma&inaL DocP quer um caf-Q

    M>R?O6 :a* +ue não.G Obri&ado. Dou acabar esse uísque e dormir.

    DR56 Sentando perto.G =omo - que ela -Q Morro de curiosidade.

    M>R?O6 1ensando, lento.G Bem$ não masca c+icletes. Vera sorri> 0%rionoutro tom.G 'em o ol+ar de quem te ol+a desconfiada$ desconfiando$desconfian!a que não - com vocP$ - com os mais vel+os. uma esp-cie deesperteza sem obAetivo$ infantil@ide$ talvez$ certamente destrutiva. ,e &ente quenasceu bem depois da se&unda &uerra. 9uando se pertencia definitivamente aoutra &era!ão e não mel+or das duas. O sentimento não - novo$ vocP sabe.Mas +oAe foi mais c+ato. 4ão pude dei:ar de me per&untar6 WO que - que +7

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    comi&oQX no entanto ela me ol+ava profundamente interessada. 1ausaG 5quelemesmo profundo interesse +ist@rico que eu ten+o pela escrita cuneiforme.

    DR56 O ne&@cio - que a &ente queira ou não$ a onda acabou por afetartamb-m a n@s$ a vel+a classe m-dia cansada de &uerra.

    M>R?O6 =lasse m-dia. Meia idade. M-dio3cridade.

    DR56 O fato - que isso nos bastou a todos$ at- a&ora6 a id-ia medíocre deque viemos de um pai e de uma mãe$ n@s mesmo somos pai e mãe... ' telefonetoca, ela ai atender. 0%rio presta aga atenão, depois comea a ler .G 5lô.=+iico. DocP est7 falando de ondeQ O+$ =+ico$ meu fil+o$ *ão )aulo aindaQ 4ãovemQ st7vamos esperando vocP$ a Beatriz e o menino pra... 1ausaG 5+$ -Q *ei.*ei. Mas Beatriz tin+a que ir mesmo a uaruA7Q OraL 9uandoQ *@sQ 4ão$ era s@pra vocP ir ver sua av@ no +ospital e depois vocP voltava. 5man+ã mesmo. '7. '7bem. 9ue - que vou fazerQ BeiAo. 7esliga. 1ara 0%rio +ue olta a prestaratenão.G =+ico não vem de novo este fim de semana... st7 l7 outra veztomando conta do menino. Beatriz foi pra uaruA7. 6u* +ue )aia em resist&ncia.G

    =45 ?D 6 %54'5R

    6u* +ue ai su)indo, )em lentamente, em resist&ncia. 9o escuro ainda seoue o ruído de copos e taleres e o )ru%% final de jantar. ?uando a lu* cega aonormal &-se Vera, 0%rio, Sara, 'to e 6udmila aca)ando de jantar. Vera seleanta, pega dois pratos. 0%rio se leanta tam)!m. Sara ajuda Vera. 6udmilatenta ajudar, Sara não deia.G

    DR5345RR5,OR56 Ema semana depois. 5ntra na co*ina, sai logo.G

    *5R56 Tira alguma coisa das mãos de 6udmila.G ,ei:aC eu levo. 5ntraempregada, tira outras coisas da mesa.G

    DR56 5m p!> para 'to +ue se senta. 2e)e alguma coisa .G u vivo dizendoque não - comi&o6 sou carta fora do baral+o. Mas a emancipa!ão não est7promovendo$ antes de tudo$ a irresponsabilidade masculinaQ

    /E,M?/56 1ara 0%rio.G DocP não ac+a isso bomQ

    M>R?O6 Ma&nífico. Mas a inten!ão era mesmo essa ou isso foi descobertopor acaso$ como o BrasilQ

    /E,M?/56 8r4nicaG O acaso - uma e:plica!ão que a nossa i&nor;ncia d7 nossa vaidade. 4ão - assim que dizia *anto 5&ostin+oQ Sara entra e sentatam)!m.G

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    M>R?O6 Falando de coisas vivas$ OtoC como - que vocP defende o nossoamedrontado mac+ismo diante dessa beleza de mo!a tão independente e tãose&uraQ

    /E,M?/56 u$ se&uraQ =oitadin+a de mim. *@ da boca pra fora. 9ualquer

    %esse Daladão desses por aí me faz tremer na base.O'O6 DocP ac+a que eu ten+o al&uma responsabilidadeQ

    M>R?O6 5c+o$ claro. K fundamental uma responsabilidade tua com rela!ão aela e vice3versa. *@ assim o casal se prote&e das sacana&ens de um contra ooutro. *enão vocP cai num liberacionismo doidão e o mais fraco dos dois$ @ )atecom a mão espalmada na outra mão fecada, gesto cl%ssicoG toma na tarraqueta. o mais fraco - sempre o +omem. *em re&ras não +7 Ao&o. u ac+o que acoe:istPncia perfeita entre +omem e mul+er s@ vai e:istir quando os doisaceitarem que +7 diferen!as fundamentais entre +omem e mul+er. 4ão +7 doisbic+os mais diferentes na face da terra.

    /E,M?/56 9uer dizer$ meu professor$ que no momento e:ato em que asmo!as reAeitam um destino biol@&ico vocP su&ere que elas voltem a aceitar issoQ

    M>R?O6 4ão - s@ o destino da mul+er que - biol@&ico < o do +omemtamb-m. )orque - feito de material mais pesado e tem dentro da barri&a menospe!as de rel@&io$ foi sempre a tarefa dele sair de casa todo dia$ no vento e nac+uva$ procurando o rinoceronte onde quer que ele estivesse.

    /E,M?/56 Sempre go*andoG WO marido - teu sen+or$ tua vida$ teu protetor$teu c+efe e soberano. K quem cuida de tí e$ para manter3te$ submete seu corpo atrabal+o penoso seAa em terra ou no mar. *ofrendo a tempestade noite$ de dia ofrio$ enquanto dormes no teu leito morno$ salva e se&ura$ se&ura e salva.X Zilliam*+aVespeare. Me&era ,omada. 9uem fala - =atarina$ a me&era domada. 5&oraeu per&unto6 )or que o +omem não aproveitou a ca!a ao rinoceronte e semandou de vezQ

    M>R?O6 5l&umas vezes se mandou. )oucas. sempre sentiu a necessidadede voltar.

    /E,M?/56 4ecessidade ou obri&a!ãoQ

    M>R?O6 =ondicionamento. Doltar - a palavra mais usada em todas ascan!Tes desde que o +omem < perdão$ o ser +umano < inventou a can!ão.,esde que o Fil+o )r@di&o voltou e foi festeAado com um vitelo &ordo$ as mul+eresnunca mais dei:aram de pu:ar o saco dos &randes voltadores$ prendendo o+omem na mística da volta. ,e 5le:andre a Mac 5rt+ur$ passando por Marco )oloe todos os apai:onados que se ausentam$ a maior promessa que as mul+eressempre e:i&iram dos +omens foi6 Wu voltoX.

  • 8/19/2019 é - Milandes

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    /E,M?/56 DocP est7 invertendo a +ist@ria6 não são as )en-lopes que sesacrificam esperando Elisses. Elisses - que - um pobre m7rtir voltando$ vinteanos depois. u tamb-m ac+o. )ô$ ficou vinte anos rodando pelas boates+elPnicas$ comendo tudo quanto - sereia das il+as &re&as$ não tin+a nada quevoltar pra c+atura da família.

    M>R?O6 5í - que a porca torce o rabo. 4ão - c+atura$ a família. 5 volta s@e:iste porque fora do seu pr@prio &rupo familiar$ da sua pr@pria &ente$ não +7&l@ria nem &ra!a. O verdadeiro +er@i volta para contar < ao pai$ ao fil+o$ primo$neto$ esposa$ tia. 5 mitolo&ia &re&a - uma tremenda transa familiar. O +er@isempre volta6 pro desfile e a c+uva de papel picadin+o no meio de sua pr@pria&ente.

    *5R56 OiL

    /E,M?/56 DivaL 'to )ate palmas )reemente.G

    DR56 5poiadoL Se leanta, d% um )eijino em 0%rio.G

    O'O6 DocP ac+a mesmo que a família ainda funcionaQ 5 tua não valeC - umae:cessão.

    M>R?O6 O que acontece - que a família caiu em des&ra!a. 5&ora - precisoter muita cora&em pra defender a id-ia de que cumprir obri&a!Tes com os quenos cercam - um ato criativo e apai:onante. 'odos nos dizem que$ para sermosliberados$ temos que evitar o pr@:imo$ i&norarmos a dor al+eia individual esobretudo... não lavar a lou!a. )or isso defender a família +oAe - um ato suspeito.)referimos todos fraternidades distantes$ solidariedades remotas6 ao Dietnã$

     >frica 4e&ra ou a qualquer &rupo menos votado de necessitados. *ervir ealimentar a família - coisa menor$ sem carm$ não - noticiado nem no %ornal4acional da 'evP lobo. Se leanta. / lu* )aia so)re os outros. 5le em ao

     prosc&nio.G O carin+o entre marido e mul+er$ a disciplina imposta aos fil+os paraque aprendam a sobreviver na selva$ os atos de modestas restri!Tes di7rias emfavor de um tio ou afil+ado$ a aplica!ão profunda na tarefa rotineira$ uma lin+a-tica diante do &rupo familiar < a&ora tudo isso nos d7 a mesma ver&on+a quenos dava ser apan+ados lendo uma revista porno&r7fica$ dez anos atr7s. Mas osmais pobres < não falo dos miser7veis < sabem que s@ podem se defender apartir da coesão e da prote!ão familiar$ sua eterna +ierarquia6 )ai$ mãe$ fil+a$ fil+o$avô$ tios$ primos$ cun+ados$ noras$ &enros < uma constela!ão de afetos$ crises$mortes$ direitos$ responsabilidades$ c+atices$ lealdades. 1ausaG 9uando a mul+er se atribui...

    /E,M?/56 Sai da semi-escuridão, em para o prosc&nio. 5n+uanto 6udmilafala, 0%rio mergula naturalmente na penum)ra em +ue estão os outros. /cendecigarro, fuma, etc. Todos se comportam naturalmente, como se não aescutassem. 9uando a mul+er se atribui o direito de sair do seu lu&ar$ todasessas lealdades desaparecem e a constela!ão e:plode. K preciso$ pra manter

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    essa estrutura$ que a &ente aprenda a não competir com o +omem$ como esposa$irmã$ tia$ sobrin+a < como empre&ada pode. 5 &ente deve se educarcuidadosamente at- atin&ir uma estupidez completa com rela!ão a m7quinas eid-ias$ conservando nossa sublime delicadeza$ maciez de tecido$ nossa sinceraobediPncia$ de preferPncia boquiaberta. 3ecita go*adora.G W)or que razão o

    nosso corpo - liso$ suave$ delicado$ não preparado para a fadi&a e a confusão domundo$ senão para que o nosso cora!ão e o nosso espírito ten+am delicadezai&ual ao e:teriorQX 9outro tom.G *enão pra conservar mel+or a nossa capacidadepra tudo que - trabal+o c+ato$ mon@tono e infind7velQ 6u* geral .G

    O'O6 =omo escreveu um aluno meu$ desses que &ostam de enrolar6 W5família - uma f@rmula social buscando permanentizar a natural contin&Pncia dasrela!Tes se:uais e sentimentais em benefício da estabilidade política$ isto -$ dosinteresses econômicos das classes dominantesX. 3iem, so)riamente.G

    DR56 *+aw disse de maneira mais simples6 W9uando dois Aovens estãoapai:onados$ num estado de e:alta!ão febril e patol@&ica$ a sociedade botadiante deles um padre e um Auiz e e:i&e que eles permane!am o resto da vidanesse estado anormal$ deprimente e e:austivo.X 3isosG

    M>R?O6 Vem de noo, lentamente, fumando, ao prosc&nio, lu* s" so)re ele.@oga cigarro no cão. 1isa. 's outros no escuro .G 5s ideolo&ias atuais$ semprefalando em coletividades$ na verdade estimulam o e&o e o individualismo. 5t- osistema capitalista$ que necessita de trabal+o competitivo$ racionalismo epoupan!a$ usa sua imensa m7quina de propa&anda$ nos filmes$ nos Aornais$ nascoca3colas$ a favor da falsa aventura de viver$ das via&ens sem motivo$ dasmudan!as sem prop@sito < o turismo or&anizado est7 aí mesmo. Ficou mais f7cilir ver in loco a mural+a da =+ina do que con+ecer o sub8rbio de Madureira.nfrentar essa onda e &ritar que a família ainda - a institui!ão maisprofundamente +umana - provocar &raves suspeitas de reacionarismo. Mas veAao parado:o6 como indivíduos podemos escol+er as nossas rela!Tes entrepessoas de nossa preferPncia$ do mesmo &osto$ com os mesmos interesses$mesmo nível cultural e at- na mesma fai:a de idade. 4a família - que somosobri&ados a enfrentar diferen!as essenciais ao ser +umano6 um tio burro$ umairmã mesquin+a$ um cun+ado bic+a$ um primo subversivo. 4ão escol+emos ospais e não temos a menor influPncia na forma do irmão. )ela família pa&amos umsupremo tributo condi!ão +umana$ ao parto$ doen!a$ roupa suAa$ mediocridade de n@s mesmos$ morte. 5 família nos lembra sempre que viemosdo p@$ a ele voltaremos e$ pior$ temos que limp73lo dos m@veis todo dia. 9esseeato momento a empregada, com )andeja )onita, de prata, e aparelo )rilanteigual, entra no foco de lu*. ' aparelo de caf! dee dar o tom digno, familiar,classe-m!dia-elegante. 0%rio se olta para a semi-escuridão .G =afezin+oQ  / lu*geral se acende. Todos se moimentam com mais agilidade. 0%rio ai serindo,derramando caf! do )ule nas ícaras, depois de )otar aúcar. Vera apana adela, se serindo so*ina. 0%rio para Sara, se referindo ao aúcar .G Muito oupoucoQ

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    *5R56 Ema col+erzin+a. 0%rio a sere. 6udmila conersa com Vera.5n+uanto todos )e)em a lu* a)aia, em resist&ncia.G

    =45 D 6 ,=?*O

     / lu* so)e, ligeiramente a*ulada.GO'O6  /pagando um +uadro negro, como +uem aca)a de dar uma aula.G

    Bom$ por +oAe - s@. 'la o rel"gio.G %7 enc+i o saco de vocPs todos$ sobretudo odas mo!as. 9uarenta e trPs minutos se&uidos de aula.

    ostaria que vocPs$ na pr@:ima vez$ se preparassem pra discutir comi&o asdiferen!as de personalidades de dois líderes africanos6 5&ostin+o 4eto e ?di 5mim,ada. 3i G )ara os que tiverem preconceitos raciais podemos estudar elementoscomparativos entre dois líderes brancos americanos6 /incoln e erald Ford. 4aquarta eu di&o quem foi que &an+ou o meu livro como prPmio pelas composi!Tessobre o tema6 W5 Dida *e:ual dos ?rmãos Dillas Boas vista pelos SreenaVaroreX...

     5t- quarta. 'c+au. Sai, como +uem d% uma olta. Se encontra com 0%rio.G Oi.

    M>R?O6 Oi. =+e&uei um pouco atrasadoL

    O'O6 5proveitei pra esticar a aula. Fiz m-dia com a rapaziada. 'en+ofalcatruado um pouco ultimamente. Damos at- o bar. 's dois entram no )ar, sesentam. ;aron tra* gelo, uís+ue, etc...G

    M>R?O6 5conteceu al&uma coisa especialQ Oto acena que sim com acabe!a.G O quPQ )osso aAudarQ

    O'O6 Bom... AesitaG 4ão - f7cil. 9ue idade vocP tem M7rioQ

    M>R?O6 E-$ que per&unta esquisitaL

    O'O6 u sei que estou sendo indiscreto. $ afinal$ A7 sei$ mais ou menos...DocP foi meu professor tanto tempo.

    M>R?O6 9uantos vocP me d7Q

    O'O6 =inqenta ou$ quase.

    M>R?O6 K.

    O'O6 Mas fica tranqilo$ vocP parece bem menos.

    M>R?O6 u sou tranqilo. ,aí parecer menos.

    O'O6 M7rio$ vocP se lembra da 8ltima vez em que estivemos aqui$ tem ummPs e poucoQ

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    M>R?O6 /embro.

    O'O6 ,a nossa conversa$ eu di&oQ

    M>R?O6 =laro. 4ão - conversa que se esque!a. Fiquei at- meio... abalado.

    O'O6 )ois -$ rapaz$ a coisa não t7 f7cil. u e /udmila andamos discutindo$analisando$ pensando como resolver nosso problema.

    M>R?O6 O do fil+oQ

    O'O6 K.

    M>R?O6 Mas vocP - mesmo est-rilQ

    O'O6 O e:ame - definitivo.

    M>R?O6 Bom$ colocado o problema como vocPs colocaram sorrindoG < tãodesaver&on+adamente$ não me parece l7 muito difícil. 9outro tomG Ol+a aqui$Oto$ de vez em quando eu ac+o que vocPs estão todos malucosL

    O'O6 'oda renova!ão depende dos doidos. K uma profunda e:periPnciae:istencial.

    M>R?O6 4ão acredito que vocPs ten+am estrutura pra a&entar essa barra.stão brincando de viver.

    O'O6 4@s sabemos at- onde podemos ir.

    M>R?O6 Suspira. ?uase er"tico.G Bom$ meu vel+o$ /udmila - uma mul+ernão apenas bonita e inteli&ente < - especial$ fora de s-rie. *e vocPs estão mesmodispostos podem escol+er quem bem entenderem pra cruzar com ela. O termo -rudeQ

    O'O6 5 id-ia - essa.

    M>R?O6 K evidente que vocPs não vão pe&ar o primeiro que passar na rua.Mas$ aqui no meu fraco entender$ acabarão numa escol+a &en-tica < racista. talvez mesmo ariana.

    O'O6 5certou no racista$ não acertou no ariana. 4@s dois$ brancos$ declasse m-dia$ não vamos escol+er$ por e:emplo$ um preto ou mulato prolet7rio.Mas nem se pode co&itar disso. K apenas natural que escol+amos na nossapr@pria ra!a e na nossa pr@pria fai:a social. O contr7rio não seria senão umadema&o&ia reles. =omo tamb-m seria natural que a &ente escol+esse na nossapr@pria fai:a et7ria$ entre os +omens que estão na min+a ou na idade dela. MasvocP pode estar certo de que eliminamos de saída o arianismo. 4osso fil+o não

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    ter7$ necessariamente$ um pai louro$ de ol+os azuis. ?sso est7 resolvido. 5dificuldade come!ou quando n@s decidimos que tín+amos que ser realistas at- ofim6 A7 que nos decidimos e:periPncia por que não considerarmos tamb-mcar7ter$ inteli&Pncia e$ sobretudo$ cora!ão$ isto -$ bondadeQ

    M>R?O6 %7 ouvi vocP dizendo que a bondade - uma abstra!ão inventadapela i&reAa pra en&anar os pobres.

    O'O6 5 bondade e:iste. 3i G /udmila me convenceu.

    M>R?O6 ntão$ est7 resolvido6 scol+am pela bondade.

    O'O6 Mas isso encerra outras dificuldades6 não vamos escol+er um caraque seAa bom mas um idiota$ d-bil mental.

    M>R?O6 5&ora come!o a compreender. *e vocPs tomaram a bondade comovirtude fundamental do doador < posso usar essa palavra tamb-mQ a coisa ficaabstrata6 e terão que reduzir o círculo da escol+a. 'erão que con+ecer mel+or apessoa. 4ão poder7 ser mais o primeiro que passe na esquina. 2e)eG

    O'O6 =ontinua perfeito o enfoque +umano com que vocP pe&a as coisas noar$ as di&ere e sintetiza. ssa e:trema lucidez - o outro motivo porque n@sdecidimos escol+er vocP.

    M>R?O6 Se engasgando com a )e)ida.G O quPQLLL

    O'O6 scol+emos vocP porque - um +omem saud7vel$ l8cido e bom$ muitobomL

    M>R?O6 Mas$ espera aí Oto$ vocPs endoidaram de vezQ stão$ o que$ metestandoQ

    O'O6 Ol+a pra mim. 6onga pausaG

    M>R?O6 O absurdo est7 aumentando. (7 al&uma coisa fundamentalmentedoente no que vocPs estão fazendo e... 1%ra, reflete.G K$ tin+a que ser eu. ?sto -$tin+a que ser al&u-m como eu. Ema vez pensada a maluquice$ tin+a que ser.

     5&ora fica claro...

    O'O6 5 vocP eu não preciso esclarecer nada. Ou e:iste al&um pontoobscuroQ

    M>R?O6 DeAamos < a bondade. 5 bondade$ no caso$ serve para tudo. *e eufor realmente bom$ como vocPs dizem$ não abusarei da posi!ão privile&iada < não- privile&iadaQ < 'to acena +ue simG em que vocPs me colocam.

    O'O6 :ato.

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    M>R?O6 'amb-m$ como a bondade não - uma qualidade natural mas criadacom esfor!o brutal$ vocPs s@ a poderiam encontrar amadurecida num +omem$como eu 1ausaG... de mais idade.

    O'O6 )erfeito.M>R?O6 Foi por isso que me escol+eramQ

    O'O6 )or isso.

    M>R?O6 'em mais al&uma coisaQ

    O'O6 DocP sabe que tem.

    M>R?O6 )ara ser um +omem bom teria que ser um +omem mais vel+o$ e$sendo um +omem < dei:emos de +ist@rias$ Oto$ pra /udmila eu sou um vel+o.

     5inda um bom reprodutor mas um vel+o. *endo um vel+o isso torna a coisa maisse&ura pra vocP$ porque o envolvimento de /udmila comi&o fica quaseimpossível. =om um Aovem esse risco seria muito &rande. 5t- onde foi vocP que ainduziu a escol+er como qualidade fundamental não a bondade mas a vel+iceQ

    O'O6 9uando ela c+e&ar aqui vocP per&unta. u não fiz mais do que discutir com ela$ como estou discutindo com vocP. =ontive todas as min+as ;nsias$preconceitos$ ci8mes$ dei:ei ela livre.

    M>R?O6 SorrindoG Mas est7 aliviado por ela não ter se decidido$ afinal$ porum desses &aran+Tes &re&os que andam aí pelas praias$ não est7Q

    O'O6 2e)e demoradamente.G stou. stou e ela sabe disso.

    M>R?O6 ,esnudamento totalQ

    O'O6 'otal. stamos vendo onde - o fundo do po!o.

    M>R?O6 ,e que po!oQ ,o teu$ do dela$ do meu$ do de todosQ

    O'O6 Mais do meu$ at- a&ora. 9uem est7 abrindo mão de possesfundamentais no momento sou eu. /udmila vai em busca de sua realiza!ãobiol@&ica. la sabe disso. DocP...

    M>R?O6 u sou o premiadoL

    O'O6 4ão consi&o pensar de outro Aeito6 vocP - o premiado.

    M>R?O6 DocP admitiu a +ip@tese de eu não quererQ

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    O'O6 m princípio admitimos. Mas$ não posso acreditar numa recusa. 5for!a de uma mul+er Aovem e bonita como /udmila - irresistível. depois$ir4nicoG seria uma ofensa imperdo7velL

    M>R?O6 K... 1ausa. 2e)e.G Mas eu não aceito$ Oto.

    O'O6 )or que razãoQ DocP não tem razãoL DocP não - um puritanoL DocPnão - um impotenteL )orque resistir a uma e:periPncia dessas$ profunda$ intensa$novaQ 5penas por or&ul+o intelectual < como afirma!ão pra vocP mesmoQ )radizer que resistiuQ

    M>R?O6 Me diz aqui6 vocP ac+a mesmo que vocPs Aovens foram osinventores da lealdadeQ u ten+o uma profunda obri&a!ão -tica com min+amul+er$ Dera. DocP permiteQ )osso terQ

    O'O6 'em mesmoQ =onfesso que não pensei que c+e&asse a tanto. 1ausa.?uase decepcionado.G K mesmo uma recusaQ

    M>R?O6 9ue - que vocP querQ 9ue eu traia min+a mul+er e pense que nãotraí apenas porque se trata de um ato < como - que se classifica esse ato <+umanit7rioQ 5c+o que - uma palavra pobre pruma e:periPncia tão emocionanteem todos os sentidos. Ou que não a traia e pe!a a ela pra participar comoobservadoraQ

    O'O6 )or que nãoQ Dera tem as limita!Tes do seu tipo de vida mas - umamul+er e:traordinariamente inteli&ente...

    M>R?O6 Dera tem quarenta e cinco anos.

    O'O6 ... apesar da idade dela.

    M>R?O6 sse - todo o problema. 4esse assunto$ uma avan!adíssimamul+er de quarenta e cinco anos - mais quadrada do que uma quadradíssimamul+er de vinte. )elo menos - o que n@s dois pensamos < vocP e eu.

    O'O6 DocP ac+a então que não +7 possibilidade de vocP c+e&ar pra ela e...

    M>R?O6 =onvencP3laQ ?mporQ 4a altura da vida em que ela est7 s@ poderiaaceitar. Ou fazer sem dizerQ Ol+a$ eu não seria capaz. )ermita3me ser tão lealquanto vocP.

    O'O6 ?sso si&nifica...

    M>R?O6 ?sso si&nifica$ Oto$ que vocPs escol+eram o +omem errado. u nãoaceito. 's dois )e)em. 6ongo sil&ncio. ;aron sere, etc..G

    O'O6 ,efinitivoQ

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    M>R?O6 ,efinitivo. 6ongo sil&ncio.G

    O'O6 M7rio$ vou te fazer uma confissão.

    M>R?O6 DocP est7 profundamente aliviado por eu não ter aceitado.O'O6 stou profundamente aliviado por vocP não ter aceitado.

    M>R?O6 DocP discutiu muito com /udmila$ discutiu com +onestidade$ mas sesentiu profundamente aliviado quando ela concordou em que devia ser eu$ e nãoum Aovem bonitão qualquer.

    O'O6 0ecanicamenteG u discuti muito com /udmila$ discuti com+onestidade$ e me senti profundamente aliviado quando ela e eu decidimos quedevia ser um +omem como vocP e escol+emos vocP.

    M>R?O6 a&ora$ vocP tira um peso do cora!ão com a min+a recusa e &an+atempo porque as discussTes terão que come!ar de novo e talvez ela desistadefinitivamente da id-ia.

    O'O6 2aio, tenso mas sem drama.G M7rio$ eu não suporto a id-iaL DocPtem razão6 - uma loucura. u embarquei numa loucura. nquanto a coisa era s@falada$ uma conversa$ uma teoria$ era muito bom. Mas$ na pr7tica... 4ão suporto aid-ia de outro cara pe&ando ela$ beiAando ela$ metendo nela e$ o pior$ ela&ostando < seAa em nome do que fôrL 'la, como +uem & algu!m. Seu olaratrai o de 0%rio na mesma direão. 's dois ficam de p!, # espera. 6udmila emse aproimando. 1elo olar dos omens o pú)lico dee ser forado a olar +uemcega. 6udmila est% mais )onita do +ue nunca, lee, ondulante, altamentesensual, mas sem nenuma afetaão especial. B uma m%+uina feminina perfeita,moderna, no optimum do seu funcionamento. Sua roupa, seu ar, paradoalmente,são um pouco )elle-!po+ue. 7ee entrar pelo percurso mais longo do teatro, nomeio do pú)lico, fa*endo um camino irregular, como +uem em passeando.

     /final, entra no )ar. 2eija 'to, depois )eija 0%rio. ' )eijo de 0%rio !insensíelmente diferente, na medida em +ue ele agora sa)e da sua alori*aãocomo maco.G Sentam.G

    /E,M?/56 5 tarde est7 maravil+osa. 4ão e:iste nada i&ual a esse outono doRio. M7rio$ vocP con+ece a piada da pombin+a que estava esperando o pombin+ona floresta da 'iAucaQ 0%rio fa* +ue não.G 5 pombin+a tin+a marcado encontrocom o pombin+o. stava l7$ na floresta$ no tel+ado da =apela Mairinque Dei&a$esperando$ ansiosa. )assou meia +ora$ passou uma +ora$ e nada. =ada barul+ode asa o cora!ão dela batia$ pensando que fosse o namorado. 5final$ depois deduas +oras$ o pombin+o c+e&ou$ cansado. ,eu uma arrul+adin+a nele e elaper&untou$ zan&ada6 W)or que vocP demorou tantoQX W,esculpa$ meu amorX$respondeu o pombin+o Weu saí l7 da =inel;ndia na +ora certa mas a man+ãestava tão bonita$ que resolvi vir a p-.X 3iem. /o garon +ue se aproima.G

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    =arin+a com DodVa polonesa. u vim a p- desde a l@ria... ,ois quilômetros...4unca me senti tão bem desde que voltei ao Brasil. ' garon sere.G vocPsdois aqui$ no escuro$ como dois morce&Tes pendurados no s@tão do castelo...  /ogaron.G 9uer botar min+a m8sicaQ 'ue-se /s time goes )yD, cantado por(arrU 4ilson.G 1ara 0%rio.G M8sica do nosso tempo$ M7rio... *er7 que - mesmo a

    can!ão mais bonita que A7 foi escritaQ 3i G DocP ac+a que estou ficando vel+aQM>R?O6 st7. K. 5 Auventude - muito vel+a.

    /E,M?/56 =om que idade a &ente fica AovemQ

    M>R?O6 5os cinqenta. 1ausaG Mas aí A7 - tarde.

    /E,M?/56 Mas$ fisicamente$ eu ainda estou bem$ vocP não ac+aQ 2eija 'tocarinosamente. /ssentimento de 0%rio.G 4a rua eu recebo muitas opiniTes nãosolicitadas mas são sempre a favorL

    M>R?O6 =omo - que eles dizem +oAeQ 4o meu tempo se dizia6 Wssa - anora que meu pai queriaLX

    /E,M?/56 Sempre alegre.G 4ão mudou muito. Em diz W)utzLX$ outro dizW9ue balan!oX$ noutro dia um me disse Wsto es muAer e non la porqueria queten&o a casaX. 3iem, )ree.G tem os que vão direto ao assunto6 W9ue raboLX 3i G'udo afirma!Tes tolas$ mac+istas < mas$ enquanto e:iste essa bolsa de valores -bom a &ente sentir que est7 na alta < que est7 vivendo o seu +or7rio nobre. uvin+a andando por aí$ sabe$ nesse sol quase frio$ nessa tarde clara$ e meusentimento de plenitude era tão &rande$ eu com tanta consciPncia dele que asl7&rimas me vieram aos ol+os. Dim ali pela l@ria$ esquerda o morro$ o outeiro$eu mo!a$ me sentindo bonita num mundo de &ente tão feia$ instruída e educada$com condi!Tes de vida incríveis6 A7 ima&inou$ eu posso at- &an+ar min+a vidasozin+a num país subdesenvolvido. 4ão - um privil-&ioQ u$ c+eia de sa8de$amando e sendo amada$ com tempo$ com condi!Tes$ com vontade de aAudaroutras pessoas e querendo mil coisas$ sabendo que vou fazer mil coisas$ viver milvidas. aí... 1%ra. V& os dois )estas, escutando.G stou falando demaisQ 'sdois riem.G 'ô dando uma de baiano$ pôL Sem transião.G 9ue - que vocPsestavam conversandoQ Os dois que se calam. $ evidentemente$ /udmila sabesobre o que os dois conversavam. M7rio se levanta.G

    M>R?O6 Sore o resto do copo j% em p!, como +uem ai sair. @oga dineirona mesa. /poia a mão no )rao de 'to. 'la para os dois firmemente.G Oto$ meuami&o$ eu aceitoL 6u* +ue se apaga em resist&ncia.G

    DR5345RR5,OR56 (ebe$ fil+a de %8piter e %uno. =oncebida por %unodepois de comer uma salada de alface. 7% de om)ros.G /inda$ e sempre noesplendor dos vinte anos$ foi consa&rada como a ,eusa da %uventude. ,uranteas bacanais era portadora da ;nfora das liba!Tes$ de onde derramava n-ctar naboca dos vel+os deuses. :pulsa do Olimpo quando apan+ada numa cena

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    indecorosa$ continuou$ por-m$ sendo representada como uma vir&em coroada deflores$ vestida com roupas transparentes e coloridas. 'in+a o poder de restaurar$nos +omens e nos deuses$ o vi&or da Auventude.

    F?M ,O )R?M?RO 5'O

     5'O ??

    =45 D? 6 =OMO *M)R

    Vera liga a teleisão E som )aio E entra e sai pela porta da co*ina. 5ntra0%rio. Tira o palet", sem graata, joga em cima de uma poltrona. 2eija Vera. Se

     joga ele pr"prio numa poltrona, com ar cansado.G

    M>R?O6 Oi. Vera grune delicadamente # maneira dos casais longamentecasados. 0%rio pega um jornal para ler .G

    DR56 =omo - que foi o debateQ

    M>R?O6 4ão +ouve.

    DR56 9ue foi$ censuraQ

    M>R?O6 4ãoC aquela escul+amba!ão da 'evP lobo. Marcaram a &rava!ãoao meio dia$ s duas eu vim embora. 4ão sei como aquele pessoal a&enta.Ficam l7 todos aqueles artistas famosos$ +oras e +oras$ esperando noscorredores$ como meninos de col-&io. 4in&u-m protesta.

    DR56 =om uma televisão s@ monopolizando o mercado que - que vocPquer que eles fa!amQ DocP esteve com OtoQ

    M>R?O6 Sem sa)er se ai responder ou não, mergulado no jornal .G(ummQ

    DR56 steve com OtoQ

    M>R?O6 4ão estive. 4ão tive tempo.

    DR56 o Aantar em casa delesQ

    M>R?O6 ?++$ esqueci de combinar. 5man+ã eu falo. 'em tempo.

    DR56 DocP quer um uísqueQ

    M>R?O6 9uero. ,ei:a que eu apan+o. 's dois, agora, sem falar, fa*em denoo o )al! dom!stico, longamente ensaiado. 5le se leanta, do)ra o jornal, p=eem cima de um m"el. 5ntra na co*ina, fa* pe+uenos )arulos de +uem tira

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    gelo. Volta com )alde de gelo e copos. /sso)ia /s time goes )yD. /)re umarm%rio, tira garrafa de uís+ue, sere. Vera, en+uanto isso, p=e as coisas namesa, como da primeira e* em +ue se a iu fa*endo. :eca a garrafa de uís+ue+ue ele deiou de fecar. 5le olta a se sentar. Conersam, a partir dedeterminado ponto.G

    DR56 DocP quer que mande servir o Aantar lo&oQ

    M>R?O6 %7 não$ obri&ado$ estou sem fome.DR56 ntão vou mandar a empre&ada embora. *enão vocP sabe como ela

    fica.

    M>R?O6 ntão manda servir.

    DR56 4ão$ dei:a$ eu mando ela embora$ depois eu mesma sirvo.

    M>R?O6 Ora$ que boba&em$ pra que esse trabal+oQ =omemos mais cedo epronto.

    DR56 9ue - issoQ DocP vai comer obri&ado s@ pra não me dar umtrabal+in+o toaQ 5ntra para co*ina. 0%rio aumenta o som da teleisão .G

    *OM ,5 '/D?*O6 =aderneta de )oupan!a$ - o cofrin+o da ,el... 0%rioira o )otão.G

    *OM ,5 '/D?*O6 CantoG =abelo e pontasL... Menos alcalino$ prote&emais os seus cabelos... 0%rio ira o )otão.G Minimum price sUstem... nas casasda Ba... 0%rio ira o )otão.G

    M>R?O6 5 televisão est7 socializando o país pela estupidez.*OM ,5 '/D?*O6 4o mutirão de todos$ o pro&resso de cada um. ste -

    um país que vai pra... 0%rio desliga a teleisão. Se recosta na poltrona, os)raos por tr%s da ca)ea, murmura, surdamente, +uase sem sentir .G /arL

    DR56 5ntrandoG )ronto. 9uando vocP quiser eu sirvo. 5 não ser que vocPprefira ir a um teatro 'la o rel"gio de pulso.G6 ainda d7 tempo. ,epois comemosal&uma coisa por aí. (7 tanto tempo não Aantamos fora.

    M>R?O6 'em al&uma coisa boa pra &ente verQ

    DR56 *@ essa ar&entina que est7 aí. ,izem que - @tima.

    M>R?O6 4ão tou a fim de ar&entino +oAe. )refiro ir dormir cedo. )or que vocPnão vai at- a casa de /auraQ

    DR56 stive com ela a tarde toda. 7epois de alguns moimentos se senta.3ecosta a ca)ea na poltrona, como ele, di*, satisfeita6G /arL

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    DR5345RR5,OR56 :iste vida depois de vinte e cinco anos decasamentoQ Dera ac+a que sim. la e o marido tPm nadado Auntos nas mesmas7&uas esse tempo todo$ batendo nas pedras de vez em quando$ evitando ascorrentezas mais peri&osas. )rimos entre si$ como certos n8meros$ eles

    aprenderam a es&rima do convívio di7rio. Diram os fil+os nascer$ riram com osami&os$ fofocaram e fofocam como todo mundo$ e$ nos momentos mais &raves$sabem se a&uentar nas pontas6 ele cont-m nos devidos limites suas irrita!Tesmaiores$ ela c+ora escondida no ban+eiro$ pois - assim que a&em os casaiscivilizados. Os fil+os foram crescendo comendo toneladas de comida$ tendosarampo$ tosse$ catapora$ e um deles$ ai que sustoL dando um sinal$ felizmentenão confirmado$ de +omosse:ualismo. Foi s@ uma vez$ no col-&io$ umabrincadeira mal interpretada$ - claro < o &aroto era mac+o. O fato - que a casaest7 bem cuidada$ quieta$ limpa. le sai para a ca!a do din+eiro na selva depedra. la o &asta com parcimônia$ crit-rio$ sabedoria mesmo. M7rio e Dera sãoami&os de não muitas pessoas < todos casais6 como na 5rca de 4o- aqui nãoentra animal desacompan+ado$ a não ser *ara$ irmã de /udmila$ mas isso - coisarecente. Dotam na oposi!ãoC quando o &overno dei:a. stão envel+ecendo bem eela$ Dera$ pr7 inveAa de todas as ami&as$ mant-m a mesma sil+ueta +7 vinte anos.Destida$ - claroL 5m tom de profundo conformismo.G O importante aqui - que ele- o marido dela. la - mul+er dele. 4ão - como a bosta do mundo aí fora em quenin&u-m - de nin&u-m. 6u* +ue )aia at! penum)ra.G

    =45 D?? 6 O 4=O4'RO

    Cena # meia lu* +ue ficou da cena anterior. 0uda para um tom r"seo. /m)iente clausural. Cama enorme, so)re o )ranco e o cin*a )em claro. 1elaes+uerda entra 0%rio. 1ela direita entra 6udmila. 5sta cena tem o m%imo dedelicade*a e ternura. Todo o erotismo ir% daí e não de +ual+uer ecessiosensualismo. 0%rio aana at! 6udmila, parada. Segura-le as mãos, )eija-as.

     /)raa-a, apertando-a contra si. 2eija-le a testa, as faces e os olos.G

    M>R?O6 9ue bomL )ensei que vocP não viesseL

    /E,M?/56 u viria de qualquer maneiraL 4ão combinamosQ

    M>R?O6 u duvido sempre.

    /E,M?/56 )or quPQ

    M>R?O6 2eija-a agora na )oca, com ternura e calor. /o mesmo tempo pua-a para a cama, onde os dois ficam a)raados durante um certo tempo,numa composião disforme. 5n+uanto % o pe+ueno di%logo seguinte a lu* ai)aiando mais e mais, at! )lecaute.G u ten+o sempre medo de que vocP nãoven+a$ s@ isso. 7isfarando com ironia.G DocP - um prPmio &rande demais pramim$ pra que eu acredite que não vão me acordar a qualquer momento.

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    /E,M?/56 eu$ o que di&oQ stou perturbada at- onde nunca pensei poderficar.

    M>R?O6 Dira assim. stou te mac+ucandoQ

    /E,M?/56 4ão.

    M>R?O6 K assimQ

    /E,M?/56 (umL 6ongo sil&ncio. 0oimentos +uase insensíeis.G

    M>R?O6 4unca ima&inei que o carin+o pudesse ser tanto. 2lecaute total por um momento.G

    /E,M?/56 9ual - o teu si&noQ

    M>R?O6 =apric@rnio.

    /E,M?/56 O mesmo de )ilatos. =apric@rnio - o si&no dos +er@isincompreendidos.

    M>R?O6 )ilatos foi um +er@iQ

    /E,M?/56 =laro$ da mesma ra!a de %udas e =alabar.

     / lu* ai su)indo lentamente, endo-se os dois recostados na cama,descansando. 5stão sem roupa. 0%rio fuma.G

    /E,M?/56 DocP tem prazer nissoQ 3eferindo-se ao cigarro.G

    M>R?O6 Em vício muito anti&o. :perimenta.

    /E,M?/56 :umaG (orrível. *em &ra!a. $ al-m do mais$ d7 c;ncer. 1ega a)olsa, tira um cigarro, acende no dele, fuma.G

    M>R?O6 :ran*indo o nari* .G =+eiro +orrível.

    /E,M?/56 9uestão de +7bito. u ac+o esse aí pior. 1ausa.G

    M>R?O6 =oisa estran+a$ n@s dois$ aqui.

    /E,M?/56 K.

    M>R?O6 5inda não consi&o acreditar bem... 4ão se vive impunemente a vidainteira num camin+o ... e... de repente... Sorri G Ema rela!ão como essa$ propostaquase como um ato de cinismo...

  • 8/19/2019 é - Milandes

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    /E,M?/56 CorrigindoG ,esafio.

    M>R?O6 a&oraL 1ausaG u sei que Oto morre de +orror por causa dessesencontros.

    /E,M?/56 u sei. 4ão ten+o d8vidas. Mas como - que vocP sabeQ

    M>R?O6 9ue - que eu posso te dizer$ que não soe como uma pretensãoQ4ão ten+o feito outra coisa na vida a não ser ol+ar o comportamento +umano.9uando Oto me propôs dormir com vocP ele podia não saber$ mas eu sabia queele estava blefando. =om toda a fin&ida sofistica!ão dele$ ele - apenas um mac+obrasileiro da se&unda metade do s-culo 00. %amais ser7 um sueco$ Aamaispoder7 dei:ar a mul+er com outro +omem$ sem sentir uma dor violenta nasentran+as.

    /E,M?/56 Os suecos não sentemQ

    M>R?O6 (3i 5 Aul&ar pelos filmes de ?n&mar Ber&man sentem muito. 1=e ocigarro no cin*eiro.G 9uando teve mesmo que ceder$ Oto cedeu porque não podiadestruir a ima&em que tin+a criado diante de vocP < a do +omem iluminado$acima das vãs mesquin+arias da posse$ da propriedade$ do individualismo. ,equalquer forma$ sabia que$ se recuasse$ perderia vocP. =edeu por uma vezac+ando que uma vez resolveria o problema da fecunda!ão. 9uando a tuafecunda!ão não veio teve que ceder uma se&unda vez$ por que nãoQ u ficoima&inando com que amar&or$ com que an&8stiaL Mas não podia mais parar <tin+a que ceder outras vezes at- vocP ficar &r7vida. Os enredos em que a vidanos mete$ /udmilaL 4ão +7 possibilidade de se ter ale&ria sem doer em al&u-mL 5min+a e:alta!ão de estar aqui com vocP todas estas vezes - proporcional dorque Oto deve estar sentindo. u pr@prio$ cada vez que estou aqui com vocP$detesto mais a id-ia de vocP voltar pra ele. ?ma&ine ele$ que ainda - o dono.

    /E,M?/56 4ada. Oto não sente nada.

    M>R?O6 DocP ac+aQ

    /E,M?/56 Oto não sabe de nada.

    M>R?O6 O que - que vocP quer dizer com issoQ

    /E,M?/56 le não sabe que eu me encontro com vocP.

    M>R?O6 DocP o est7 traindo... comi&oQ

    /E,M?/56 4ão tive outro Aeito. u não podia dei:ar de me encontrar de novocom vocP depois da revela!ão que foi o nosso primeiro encontro. le nãoper&untou nada$ claro$ não +ouve uma conversa especial sobre o assunto mas a

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    ;nsia dele era tão visível que eu percebi que não suportaria saber de outrosencontros.

    M>R?O6 então$ come!ou a traí3lo.

    /E,M?/56 ,e qualquer forma eu A7 o tin+a traído da primeira vez. 4ão erapra ser como foi. u te Auro que Aamais poderia esperar o &olpe fulminante querecebi. ?sso não acontece duas vezes na vida. u estava me entre&ando a vocP esentindo a violPncia da trai!ão. então resolvi mentir a ambos. 5 ele dizendo quenossa rela!ão não tin+a sido possível...

    M>R?O6 5strana> custa a entender .G K o que estou compreendendoQ6udmila acena +ue sim.G ?mpotPnciaQ (/acalando

    /E,M?/5$ vocP me c+amou de broc+aQ 6udmila, rindo, afirma +ue sim.Gssa nãoL (Carino

    /E,M?/56 9ue - que vocP queria que eu fizesse quando percebi a imensaan&8stia de OtoQ 9ue coisa l+e daria mais prazer do que eu dizer que o ato nãotin+a sido consumadoQ ?sso l+e deu a se&uran!a absoluta de que eu não estariamais com vocP e a satisfa!ão psicol@&ica de ter levado sua e:periPncia delibera!ão at- as e:tremas consequPncias. 9ue alívio prum +omemL 9uerealiza!ão prum intelectualL que decep!ão pra mim ao perceber que Oto eramais fraco do que eu supun+a.

    M>R?O6 5 fraqueza dele foi apenas admitir um absurdo < que vocP tin+a odireito de procurar outro +omem.

    /E,M?/56 4ão tin+aQ

    M>R?O6 DocP tin+a que escol+er entre ficar com ele$ esquecendo anecessidade do fil+o$ ou abandon73lo. Oto estava blefando$ eu disse. 5 princípioat- pra ele mesmo. 4en+um ser +umano aceita uma e:periPncia dessas semtremer na base. K um desvario intelectual. ?diotaL

    /E,M?/56 u aceitaria.

    M>R?O6 uropa$ Fran!a e Ba+ia < eu sei$ vocP viveu tudo$ em toda parte.'em vinte e quatro anos de vida e vinte e quatro mil de e:periPncia. Mas não sabeo que est7 dizendo.

    /E,M?/56 DocP ac+a que estou mentindoQ

    M>R?O6 4ão$ vocP s@ não pensou direito. =omo mul+er vocP Aamais poderiater essa e:periPncia. *e vocP fosse a est-ril e Oto o normal$ a coisa nem c+e&ariaa ser proposta. =omo - que ele fariaQ ,ormiria com outra mul+er e pediria a ela o

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    pequeno incômodo de ficar com o fil+o na barri&a nove meses para depoisentre&ar a vocPsQ DocPs pa&ariam a ela o alu&uel da incubadeira$ ou o quPQ

    /E,M?/56 K. 1ausaG *e eu tivesse pensado nisso não teria aceitado de Otoum direito que não podia retribuir com absoluta i&ualdade.

    M>R?O6 st7 arrependidaQ 2eija-aG

    /E,M?/56 7esconfiadaG )or que vocP não me disse isto antesQ 2eija-ocom grande carino, +uase +ue j% sa)endo a resposta .G 4ão te ocorreu antesQ

    M>R?O6 =laro.

    /E,M?/56 por que não disseQ

    M>R?O6 CínicoG u tamb-m sou +umano.

    /E,M?/56 CúmpliceG Mas isso - uma canal+ice deliberada.

    M>R?O6 9ual - a diferen!a entre a canal+ice deliberada e a não deliberadaQEm ano de cadeia a mais. Dale a pena. 1ausaG Dale a penaQ 6udmila responde)eijando-o.G 9ue fazer$ a&oraQ

    /E,M?/56 O quPQ

    M>R?O6 *e vocP ficar &r7vida$ por e:emplo.

    /E,M?/56 stou tomando cuidado. 0%rio se leanta, depois de olar orel"gio na mesina de ca)eceira.G st7 na tua +oraQ

    M>R?O6 4ão ten+o mais +ora. Se este. ?uando est% pronto, di*lentamente, de maneira estrana.G DocP sabia que as latas de li:o de Budapestsão todas padronizadasQ 6u* +ue )aia.G

    DR5345RR5,OR56 aí a alquimia da e:istPncia come!a a dominar ateoria da e:istPncia. /udmila$ ao lado de Oto$ quase que não o vP$ cada dia maisfascinada com o pr@prio umbi&o. o de M7rio$ - claro. Dera$ com a intui!ão queanti&amente se dizia feminina$ come!a a suspeitar$ por um atraso de M7rio$ umadesaten!ão$ uma resposta va&a ou inAustamente irritada$ que o lar pode ser ocastelo do +omem mas - apenas a ratoeira da mul+er. 5 afirma!ão de M7rio deque A7 não tem mais +ora$ isto -$ +ora de c+e&ar em casa$ si&nifica apenas acerteza de que o tempo l+e escapa. =omo se aAustar realidade dos rel@&ios seas +oras velozes que ele curte com /udmila são as mesmas +oras infinitamentelentas que$ a&ora$ Dera esperaQ  /centuar a rima.G

    =45 D??? 6 5OR5$ ?E*)Q

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    (Casa de 0%rio e Vera com muita flor. Vera aca)ando de arrumar mais umaso. Campaina toca. 5la ai a)rir. 5n+uanto se dirige para a porta di* ao

     pú)lico E Tr&s meses depois...D 5ntra 0%rio. 2eijam-se.

    DR56 E-$ esqueceu a c+aveQ

    M>R?O6 Ou esqueci no escrit@rio ou perdi$ não sei. 1=e a pasta num m"el,tira o palet".G O mec;nico veio trazer o carroQ

    DR56 Deio. u pa&uei6 oitocentos cruzeiros.

    M>R?O6 )utzL

    DR56  /)re uma gaeta, pega uma pe+uena carteira.G 'irei seusdocumentos do porta luvas < vocP esqueceu quando mandou consertar o carro.)odiam ter roubado na oficina.

    M>R?O6 5+L K.

    DR56 Mandei pa&ar as multas que estavam aí.

    M>R?O6 9ue eficiPnciaL Obri&ado. 9uanto foiQ

    DR56 ,uzentos e poucos cruzeiros SorrindoG 9ue - que vocP andoufazendo pra pe&ar duas multas de estacionamento proibido na 5venida RuiBarbosa na +ora em que devia estar dando aula na =;ndido MendesQ

    M>R?O6  /panadoG u$ na 5venida Rui BarbosaQ

    DR5345RR5,OR56 5pan+ada de surpresa pela surpresa de M7rio$ Derarea&e como manda o fi&urino < isto -$ mal. Sem transião se dirige a ele.G

    DR56 9ue - que +7$ M7rioQ ,uas multasQ *e fosse uma s@ ainda v7 l7$podiam errarL Mas duasL

    M>R?O6 *ei l7. sse ,etran toda +ora vive mandando multas erradas < comesses computadores idiotas.

    DR56 =omputadores educados na tua Eniversidade. M7rio$ que - que est7acontecendoQ DocP est7 me mentindoQ

    M>R?O6 Mentindo por quPQ *@ porque eu disse que não estacionei nesselu&ar aíQ 4ão$ eu não fui nesse lu&ar aí. (7 anos que não paro na 5venida RuiBarbosa.

    DR56 :alsamente conciliat"ria.G u não posso te aAudar$ M7rioQ 5l&umacoisa est7 acontecendo.

  • 8/19/2019 é - Milandes

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    M>R?O6 5Audar em quPQ o que - que est7 acontecendoQ

    DR56 4esse dia da multa vocP não foi Eniversidade. DocP não deu aula.

    M>R?O6 Fm pouco assustado.G =omo - que vocP sabeQDR56 (8r4nica ssas coincidPncias dram7ticas$ M7rio. Ol+a a data da

    multa6 anivers7rio do Bianco. u telefonei pra vocP pra saber se íamos em casadele. DocP não estava. 1ausaG DocP nunca dei:a de dar aula. DocP dei:ou de dar aula por que$ M7rioQ

    M>R?O6 u - que per&unto a&ora$ Dera < que - que est7 acontecendoQCateadoG ,epois de vel+a deu pra me vi&iarQ

    DR56 9ue coisa &rosseira$ M7rio$ não estou te vi&iando6 descobri semquerer.

    M>R?O6 ,escobriu. Diu a palavra que vocP usouQ ,escobriu. )alavra deinvesti&ador$ típica$ policial.

    DR5345RR5,OR56 Mas aí$ depois de floreios e meneios$ evasivos$ne&ativos$ a&ressivos$ cumpulsivos$ M7rio faz uma coisa que todas as mul+erespresentes sabem que - absolutamente ori&inal < ele confessa.  / partir da+ui, lu*eserdeada.G

    M>R?O6 Se atirando na poltrona, com ar cansado, de +uem desiste .G Dera$esse tipo de discussão nunca +ouve entre n@s. 4ão tem nen+um sentido essanossa discussão.

    DR56 K mesmo$ meu bem. ,e repente a &ente bri&ando por causa debesteira qualquer$ de uma multa idiota. 2eija-le o rosto.G Me perdoa. u sei quevocP Aamais me mentiria.

    M>R?O6 K por isso que estou me sentindo p-ssimo$ tendo que mentir pravocP pela primeira vez. 4ão posso.

    DR56 5stranandoG O que - que vocP quer dizerQ

    M>R?O6 5 verdade. %7 a&uentei muito. 4ão posso ocultar mais. ,e repenteeu me envolvi com outra pessoa.

    DR56  / confissão ! um golpe para ela. 5la recua, como nos foletins,deiando cair a cadeira.G O+L 6onga pausaG Meu ,eus$ que - que vocP est7 medizendo$ M7rioQ

  • 8/19/2019 é - Milandes

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    M>R?O6 5 verdade. ra s@ uma amizade$ no princípio$ n@s nem percebemosCquando vimos tín+amos perdido a dire!ão e o controle. Resumindo. u amo outramul+er.

    DR56 2aio. TensaG M7rioL  G parte, )erra para o mundo.G / 5M5

    OE'R5L ME M5R?,O 5M5 OE'R5L Calma. 2aiinoG 9uem - elaQM>R?O6 /udmilaL

    DR56 5spantoG /udmilaQ

    M>R?O6 K.

    DR56 2erraG /E,M?/5L lea a mão na )oca. Se leanta.G ,esculpe se eu&ritei.

    M>R?O6 ritouQ 4ão$ vocP não &ritou.

    DR56 /udmila$ M7rio$ a irmã de *araQ la mesmaQ

    M>R?O6 5 mul+er de Oto.

    DR56 Mas - uma meninaL

    M>R?O6 )ois -.

    DR56 Mas isso - uma loucura.  G parteG ?sso passa.  /ltoG DocP... DocP nãoprecisava me contar.

    M>R?O6 DocP queria a verdade. 5&ora me su&ere que eu devia manter umamentira.

    DR56 u não queria essa verdade. 5 essa verdade eu preferia qualquermentira. 9ualquer mentira$ M7rio.  / lu* erde termina a+ui .G

    DR5345RR5,OR56 Dera tem a s8bita percep!ão de que a escritura deposse do marido não era verdadeira < ra apenas um arrendamento tempor7rio.Mas ela vai e:i&ir prorro&a!ão. Fazendo qualquer concessão$ pa&ando mais doque a outra interessada$ ocupando s@ a metade das acomoda!Tes. *olit7ria aessa altura da vida$ nunquin+a. ReAei!ão$ +umil+a!ão$ ci8me$ amar&ura$ nadainteressa. la vai c+orar$ vai se quei:ar$ implorar. )ode sofrer o diabo$ mas nãovai ser em silPncio. ,ecidida a isso$ perdido o pudor$ Dera pTe a boca no mundo.=onta a todas que queiram ouvir. =onsulta. )olítica. K outra mul+er.*urpreendidas$ as pessoas a ol+am com aquela mesma mistura de curiosidade esadismo com que todos n@s$ no conforto de nossos autom@veis$ diminuimos umpouco a marc+a pra ol+ar um cad7ver atropelado na 5venida Brasil. 5&ora$ diantedela$ todos os mais tolos$ os menos e:perientes$ os mais loucos$ os mais mo!os e

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    os mais ce&os$ viram s7bios$ donos do mist-rio$ dão consel+os definitivos. K... Opaís da dor de corno - uma imensa democracia.

    5ten!ão6 Os consel+os são divididos em6 1G ,itos pelos atores$ de costas.G ,itos por pessoas de m7scaras. NG Dozes &ravadas$ Off. 'udo isso alternado ou

    não.G=O*'ER?R56 DocP tem que se arrumar mel+or. DocP anda muito entre&ue

    s baratas.

     5M?O6 2 @ @ min+a fil+a$ professor cinqentão não resiste a uma dessascoisin+as fofin+as dizendo W=orte referencial epistemol@&ico.X

    ME/(R3DE/5R6 'rate dessas celulites. %7 leu W*e:o depois dosquarentaXQ

    OE'R56 u$ se fosse vocP$ dava pra outro.

    D/(56 K assim mesmo$ min+a fil+a < burro vel+o adora capim novo.

    M54?=ER56 /uta$ dona Dera. /uta.

    =(5'56 DocP est7 liquidada. 9uando o bic+o d7 na &oiaba não tem Aeito.7urante a cena, Vera ai se irando para cada um dos lados, ouindo as

    o*es, at! cair numa poltrona, eausta.G 6u* )aia ligeiramente.G

    DR5345RR5,OR56 $ subitamente$ a vida que$ nestas bandas$ sempre foiuma modesta com-dia de costumes$ come!a a virar drama. 6u* +ue desce mais,se apaga.G

    =45 ?0 6 O OE'RO /5,O

    9o )ar dom!stico, 6udmila apana um copo no )alcão. Vai se sentar aolado de 'to +ue j% est% serido.G

    /E,M?/56 SentandoG st7 muito zan&adoQ

    O'O6 9ue - que vocP ac+aQ Ficamos l7$ esperando$ como uns idiotas$ maisde uma +ora. )or que vocP não foiQ 9uando eu saí de casa vocP A7 estava selevantando...

    /E,M?/56 ,ormi de novo. stava cansada. =omo - que foi a reuniãoQ

    O'O6 O Ministro tamb-m c+e&ou atrasado. ,uas +oras. *@ recebeu squatro. O encontro foi um fracasso

    /E,M?/56 5 (eloneida *tudart não falouQ

  • 8/19/2019 é - Milandes

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    O'O6 Falou$ mas pouco$ não tin+a ambiente. 5c+o que o 4eU nem tomoucon+ecimento das reivindica!Tes. *abe como -$ conversou caval+eirescamente$aquele Ao&o de &entilezas anti&as quando se fala de Wcoisas de mul+eresX. DocPfez uma imensa falta...

    /E,M?/56 *ara pintou por l7Q

    O'O6 Foi$ mas ficou calada. 'amb-m est7 profundamente c+ateada comvocP.

    /E,M?/56 5+$ que - que +7Q 'amb-m não posso ser bab7 de todo mundoL

    O'O6 =omo$ ser bab7 de todo mundoQ ?sso - uma coisa s-ria$ fundamental.DocP est7 nisso desde o início. Foi quem or&anizou. *ara tem toda razão. 4a +oraa&7 vocP pula foraL ,ei:a de comparecer ao mais importante$ porque... porqueficou dormindo. 9ue - que vocP tem$ est7 doenteQ

    /E,M?/56 Se leanta, passeia, irritada.G 4unca me senti tão bem. 5c+o queestou c+eia$ - s@. 5c+o que nada quer dizer nada.

    O'O6 3ealmente surpreendido.G E-L

    /E,M?/56 E-$ o quPQ

    O'O6 9ue qu- issoL

    /E,M?/56 Com infinita paci&nciaD .G O que$ OtoQ

    O'O6 DocP vai dar uma de c-tica no meio da sinfoniaQ ,ei:a isso pra *ara.la - que acredita no destino$ nas conAun!Tes astrol@&icas.

    /E,M?/56 =-tica ou não c-tica$ Oto$ isso n@s e:aminamos depois. O queinteressa - que eu ten+o que pensar em mim tamb-m.

    O'O6 4in&u-m est7 pedindo pra vocP não pensar em vocP. DocP est7misturando as coisas. 4ão tem nada a ver o cu com as cal!as.

    /E,M?/56 'em$ Oto$ fui empurrada6 dei:ei de ser uma pessoa para ser molade uma lideran!aC a min+a nunca foi essa$ vocP sabe.

    O'O6 O que - que vocP vai fazerQ )ode sair$ mas deva&ar. 'odo mundoconta com vocP porque todo mundo te ac+a e:cepcional.

    /E,M?/56 Besteira. eu não assumo isso < participo$ aAudo$ colaboro. Masnão ven+am com essa de me botar como amostra &r7tis do comportamento socialda mul+er emancipada.

  • 8/19/2019 é - Milandes

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    O'O6 Mas eu sempre ac+ei que isso e a sua vida eram uma coisa s@. 4uncanada te prendeu. 'eve a vida que quis$ desde crian!a. Esou toda a educa!ão queadquiriu contra quem te educou. 'ua id-ia de liberdade.

    /E,M?/56 K isso. )or isso quero continuar solta. 8ntencional G *oltaLO'O6 Onde - que d@iQ ;esto de enfado de 6udmila.G DocP est7 querendo

    mesmo me... nos dei:ar no meio do camin+oQ

    /E,M?/56 Oto$ eu não quero - me sentir obri&ada a nada. 'en+o nãoapenas o direito mas a obri&a!ão de ser feliz. K esse o meu e:emplo.

    O'O6 TristeG u estou te impedindo de ser felizQ

    /E,M?/56 )ois - < vocP vP. DocP fez tudo que foi possível. =om vocP eunão estou feliz. 's dois continuam a se moimentar ao fundo, agamente,en+uanto Vera fala.G

    DR5345RR5,OR56 5os poucos as palavras vão perdendo em si&nificado$&an+ando em malabarismo. M7rio e Dera se acostumaram a&ora a falar nasfronteiras do que pensam. /udmila e Oto tentam em vão e:plicar o que nempensam. M7rio se descobre não tão conservador quanto se ac+ava. 9uer dizer6de vez em quando A7 não dorme mais em casa. /udmila menos revolucion7ria decostumes do que devia6 aprende a fazer caf- e ovos quentes. Dera$ tãodesamparada quanto sempre foi e não sabia$ faz tudo errado. Os fil+os$ aprincípio perple:os com o tumulto lo&o ficam c+eios com o problema dos vel+os. Oto$ a+$ OtoL Oto descobre que a vida - um flu:o constante que não fluinecessariamente pra mel+or. ,izem que$ na +ora da morte$ quando o toureiro l+eaponta a espada entre os dois ol+os para o &olpe final$ o touro aprende a verdadeessencial de sua vida. )or isso$ em tauromaquia$ essa se c+ama 5 (ora daDerdade. Ema verdade$ - claro$ A7 então in8til. Vera +ue sai. / conersa dos doiscontinua, como se tiesse aido um corte. / partir da+ui lu* eserdeada.G

    /E,M?/56 ,urante esses seis meses evitei te dizer... 5final não a&entei.

    O'O6 Tira as mãos do rosto.G *eis mesesL 1ausaG Mas vocP não tem quedei:ar. u te amo como te amo$ não interessa o resto.

    /E,M?/56 Ternamente se aproimando dele.G Mas a mim interessa. u nãoposso viver dessa maneira.

    O'O6 Mas vocP vem vivendo assim +7 tanto tempo. DocP precisa de mim...tamb-m.

    /E,M?/56 Oto$ não quero ser cruel$ mas... não preciso. 1ausaG 4omomento s@ preciso de mim mesma e de M7rio.

  • 8/19/2019 é - Milandes

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    O'O6 Mas eu estou disposto a tudo$ desde que vocP continue comi&o.

    /E,M?/56 DocP ac+a corretoQ

    O'O6 9ue maneira estran+a de vocP falar. =orretoL Dirou moralistaQ 4@ssabemos que todas as combina!Tes são v7lidas. stou su&erindo uma coisapr7tica. 9uero ter apenas vocP a meu lado enquanto me acostumo... a não termais.

    /E,M?/56 u vou viver com ele.

    O'O6 9ue loucuraL le vai dei:ar a mul+erQ

    /E,M?/56 Dai.

    DR5345RR5,OR56 ?mperceptivelmente passamos do clima de e:tremacompreensão e urbanidade que a vida estabilizada


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