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1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

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MASARYKOVA UNIVERZITA V BRNĚ Filozofická fakulta Ústav románských jazyků a literatur Portugalský jazyk a literatura Alosan da Goia O período islâmico em Portugal e o seus vestígios na toponímia do país Bakalářská diplomová práce
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Page 1: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

MASARYKOVA UNIVERZITA V BRNĚ

Filozofická fakulta

Ústav románských jazyků a literatur

Portugalský jazyk a literatura

Alosan da Goia

O período islâmico em Portugal e o seus vestígios na

toponímia do país

Bakalářská diplomová práce

Vedoucí práce: Mgr. Metoděj Polášek

Brno 2011

Page 2: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

Prohlašuji, že jsem bakalářskou diplomovou práci vypracovalsamostatně s využitím uvedených pramenů a literatury.

…………………………………….

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Page 3: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

Poděkování

Na tomto místě bych rád poděkoval vedoucímu své bakalářské práce, Mgr. Metoději

Poláškovi, za veškerý věnovaný čas i věcné připomínky, které mi během jejího psaní

poskytl.

3

Page 4: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

ÍNDICE

ÍNDICE __________________________________________________________________ 4

PREFÁCIO_______________________________________________________________6

1. TRAÇADO CRONOLÓGICO DA HISTÓRIA DO PORTUGAL ISLÂMICO______8

1.1. Conquista e o primeiro período do domínio muçulmano (711-828)_______________8

1.2. Segundo período. A autonomia do ocidente peninsular (828-929)_______________10

1.3. Terceiro período. A soberania do califado omíado e o seu desmembramento em

reinos de taifas (929-1086)______________________________________________________11

1.4. Quarto período. A queda do Ocidente islâmico (1086-1250)____________________13

2. COMPOSIÇÃO ÉTNICA E RELIGIOSA__________________________________16

2.1. Árabes________________________________________________________________16

2.2. Berberes______________________________________________________________17

2.3. Hispano-Romanos______________________________________________________18

2.4. Judeus e os Eslavos_____________________________________________________19

3. SITUAÇÃO LINGUÍSTICA_____________________________________________21

3.1. Língua moçárabe_______________________________________________________21

3.2. Árabe_________________________________________________________________23

3.2.1. Expansão do árabe___________________________________________________________23

3.2.2. Dialecto andaluz_____________________________________________________________24

4. DIVISÃO TERRITORIAL E O POVOAMENTO DO PORTUGAL MUÇULMANO

28

4.1. Divisão territorial_______________________________________________________28

4.1.1. Divisão administrativa na época romana e visigótica_________________________________28

4.1.2. Divisão administrativa na época islâmica__________________________________________29

4.2. Povoamento___________________________________________________________31

5. VESTÍGIOS TOPONÍMICOS DA PRESENÇA MUÇULMANA_______________33

5.1. Classificação etimológica dos topónimos árabes______________________________34

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Page 5: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

5.1.1. Nomes comuns______________________________________________________________36

5.1.2. Nomes antroponímicos________________________________________________________41

5.1.3. Nomes de localidades islâmicas_________________________________________________44

5.1.4. Nomes não-árabes que testemunham a presença histórica dos muçulmanos_______________45

5.2. Difusão geográfica dos topónimos árabes_______________________________________46

5.3. Características fonéticas dos topónimos árabes______________________________51

5.3.1. Sistema vocálico_____________________________________________________________52

5.3.2. Sistema consonântico_________________________________________________________54

5.3.3. Fenómenos fonéticos_________________________________________________________60

5.3.4. Fenómenos morfológicos______________________________________________________61

6. TOPONÍMIA PRE-ÁRABE E MOÇÁRABE_______________________________63

6.1. Características fonéticas da toponímia pre-árabe e moçárabe _____________________64

6.1.1. Sistema vocálico_____________________________________________________________64

6.1.2. Sistema consonântico_________________________________________________________65

6.2. Características morfológicas da toponímia pre-árabe e moçárabe_____________________66

CONCLUSÃO____________________________________________________________68

BIBLIOGRAFIA__________________________________________________________70

APÊNDICE ______________________________________________________________ 74 1. Lista dos topónimos de etimologia árabe examinados no trabalho ____________________ 74

2. Tabela comparativa entre os sistemas de transcrição fonética utilizados no trabalho ______ 79

3. Número de topónimos árabes e arabizados na Península Ibérica por 1000 km² __________ 80

4. Mapa do território muçulmano na Península Ibérica até meados do século XI ___________ 81

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PREFÁCIO

Até recentemente, a época islâmica na história da Península Ibérica era vista como

um período de domínio estrangeiro, marcado pelo contínuo avanço da Reconquista,

percebida como uma guerra santa contra os infiéis e como um esforço por parte dos povos

ibéricos dedicado a expulsar os usurpadores árabes. Embora esta imagem ainda possa estar

bem viva fora do mundo académico, na historiografia foi durante as últimas décadas

gradualmente substituída por uma concepção mais objectiva, que reconhece a civilização

muçulmana na Península como sendo tão legitimamente hispânica quanto a dos

reconquistadores.

O aspecto da época islâmica na história dos povos peninsulares que é mais

entusiasticamente apreciado é o seu legado civilizador, seja científico ou artístico. No

entanto, é inegável que neste ponto os vestígios da presença islâmica na Espanha superam

de longe aqueles que se encontram no território de Portugal. De facto, não existe nenhum

equivalente português da Alhambra granadina ou da Mesquita de Córdova e tampouco

sabemos de qualquer figura muçulmana comparável com, por exemplo, Averróis ou

Maimónides que tenha nascido ou vivido no território desse país. Apesar disso, o legado do

dos muçulmanos em Portugal não é de pouca importância, embora certamente seja de

menor esplendor e à primeira vista menos impressionante.

Uma parte importante do património cultural da humanidade é a toponímia, a qual,

além de ser um elemento indispensável do nosso cotidiano, é também uma excelente fonte

de informações sobre a história e o carácter do povoamento numa dada área geográfica. É

justamente no contexto da toponímia onde o domínio secular dos muçulmanos em Portugal

deixou muitíssimos vestígios, seja sob a forma dos nomes que derivam directamente do

árabe, ou daqueles que, não sendo de etimologia árabe, testemunham a influência deste

idioma durante a sua evolução fonética ou, por fim, daqueles nomes não-árabes cuja

evolução foi marcada pelas condições externas que resultaram da ocupação árabe. No

entanto, devido às várias transformações que estes topónimos sofreram ao passar dos

séculos, na maioria dos casos é preciso recorrer aos métodos científicos de análise para

reconstruir as suas formas originais, ocultas sob uma superfície aportuguesada.

Muitos autores têm-se dedicado à examinação da toponímia árabe e arabizada no

território de Portugal, particularmente a partir do início do século passado, e o seu trabalho

permitiu estabelecer as etimologias de bom número de nomes locais do país. Não faltam,

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naturalmente, casos em que isso ainda não foi possível e a etimologia e datação do

topónimo estão, por enquanto, sujeitas a conjecturas. Porém, a evidência que já temos à

disposição é suficiente para ilustrar ou completar os nossos conhecimentos sobre o período

islâmico, adquiridos através das fontes literárias ou pela pesquisa arqueológica.

O objectivo principal deste trabalho é, portanto, oferecer uma visão básica da

problemática da toponímia portuguesa de etimologia árabe e arabizada, interpretando as

informações recolhidas de várias fontes relevantes, e aludir à importância deste aspecto da

contribuição árabe-muçulmana ao património linguístico e cultural de Portugal.

O primeiro capítulo é uma resenha da história do Portugal islâmico, destinada a

introduzir ao leitor a temática da presença árabe nesta região e descrever as circunstâncias

políticas em que se desenvolveu nela a cultura islâmica.

O segundo capítulo, que oferece algumas informações básicas sobre a composição

étnico-religiosa do território ocidental da Península, é complementado pelo terceiro,

dedicado à situação linguística durante o período muçulmano, com ênfase na descrição da

gradual disseminação da língua árabe na sociedade peninsular, um processo sem o qual

teria sido impensável o surgimento dos nomes locais de etimologia árabe ou a arabização

dos nomes já existentes.

No quarto capítulo relata-se a história administrativa de Portugal desde a época

romana até o período islâmico e também as características do povoamento que existiu nesta

região naquela época.

O quinto capítulo, a parte fundamental do trabalho, consiste numa análise

etimológica, geográfica e fonética de uma selecção representativa de topónimos árabes,

aproveitando alguns conhecimentos apresentados nos capítulos precedentes e

contextualizando-os.

O último capítulo é dedicado à análise das características principais dos nomes não-

árabes que os muçulmanos e cristãos das regiões meridionais passaram aos

reconquistadores e que os diferenciam daqueles do Norte.

Para facilitar a interpretação das informações analizadas, incluímos no apêndice a

lista de todos os nomes árabes recolhidos, uma tabela comparativa que mostra a

equivalência entre os símbolos dos sistemas de transcrição fonética utilizados neste

trabalho e, por fim, dois mapas: um que mostra a densidade de topónimos árabes e

arabizados em toda a Península Ibérica e outro, que representa as fronteiras do território

peninsular sob o domínio dos muçulmanos no auge do seu poder.

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1. TRAÇADO CRONOLÓGICO DA HISTÓRIA DO

PORTUGAL ISLÂMICO

Traçar neste trabalho, que tem por objectivo apenas examinar os efeitos do domínio

árabe na toponímia de Portugal, detalhadamente e em integridade a história inicial do

califado1 muçulmano seria um tanto supérfluo, já que nem que tudo o que se passou

durante o turbulento período da expansão do Islão tem alguma relação com a conquista da

Península Ibérica. Por isso descreveremos nos seguintes capítulos apenas a história política

do Portugal islâmico, desde a instalação dos muçulmanos no século VIII até o fim da

Reconquista portuguesa no século XIII.

Para relatar sinóptica e suficientemente a história do território de Portugal no tempo

da dominação árabe, será cabido dividi-la, a exemplo do modelo que utiliza o professor

José Mattoso na sua compreensiva História de Portugal2, em quatro períodos,

caracterizados por umas condições políticas marcadamente distintas.

1.1. Conquista e o primeiro período do domínio muçulmano (711-828)

A conquista do reino dos Visigodos pelos muçulmanos começou imediatamente após

a subjugação do norte da África, terminada no início do século VIII. A sua primeira fase

foi levada a cabo principalmente pelos Berberes, que se tinham recentemente convertido ao

Islão, tendo-se tornado vassalos dos Árabes. Os invasores, comandados pelo chefe berbere

Tariq ibn Ziyad, aproveitaram a relativa fragilidade do estado visigótico, enfraquecido por

violentas lutas entre várias fracções da nobreza.3

Após a derrota do exército visigótico pelas tropas berberes na batalha de Guadalete

em 711, em que faleceu o rei Rodrigo4, os muçulmanos começaram sem qualquer demora a

conquista da Península e tomaram logo a própria capital Toledo que se entregou sem

combate, impedindo a eleição de um novo rei.

Os Árabes, comandados por Musa ibn Nusair, governador da África do noroeste,

chegaram à Península no ano 712. Até o ano 714, conseguiu este chefe militar conquistar a

1 Domínios e dignidade de califa (do árabe ḫalīfa, „sucessor“, título dado após a morte do profeta Muhammad aos soberanos do império islâmico). 2 Mattoso, J.: História de Portugal: Vol. I. Lisboa: Círculo de Leitores, 1992, pág. 418-429.3 Ibid., pág. 321.4 Rodrigo (? - 711), nobre Godo. Ascendeu ao trono após a morte do rei Vitiza em 710.

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maior parte da Península, inclusive o actual território de Portugal, cuja conquista foi

efectuada pelo filho de Musa ibn Nusair, Abd al-Aziz, o qual tomou Beja e Ossónoba5 em

712 e aceitou a capitulação de Évora, Santarém, Lisboa e Coimbra em 714.6

A única área da Península Ibérica que não se rendeu aos invasores foi o Noroeste

montanhoso, onde os cristãos, liderados pelo nobre Godo Pelágio7, triunfaram em 722 na

batalha de Covadonga sobre os Árabes, iniciando assim, segundo a tradição posterior, a

reconquista da Península.8 No entanto, seria mais lógico interpretar estes acontecimentos

mais propriamente como uma manifestação da resistência tradicional dos montaheses

asturianos e bascos contra qualquer autoridade externa, fossem os Romanos, Godos ou

Árabes9, fortalecida por várias migrações da nobreza e de soldados para o Norte.10 O seu

resultado foi o estabelecimento do Reino das Astúrias em 739 pelo genro de Pelágio,

Afonso11, o qual conseguiu tomar aos muçulmanos a Galiza e a maior parte das terras a

norte do Douro.

Além das lutas com os cristãos no noroeste da Península, tiveram os muçulmanos

enfrentar um conflito étnico entre os Berberes, que formavam a maior parte das tropas no

exército muçulmano, e os Árabes, que eram a camada dominante. A grande rebelião dos

Berberes em 741, deixara desarmado várias cidades e castelos no Noroeste, facilitando

assim a tomada da Galiza pelos cristãos.12

O evento que mudou decisivamente o curso da história da Península foi a queda da

dinastia reinante dos Omíadas em 750, tendo sido substituída pelo clã dos Abássidas. O

único sobrevivente dos Omíadas, Abd ar-Rahman13, conseguiu escapar aos seus

perseguidores e refugiar-se no ano 756 na Península Ibérica, onde tomou o título de emir.14

Esta mudança política iniciou em 763 uma série de revoltas locais no sudoeste da

Península, ocupado pelas tribos árabes. Além destas rebeliões árabes, esmagadas durante a

segunda metade do século VIII, ocorreram na região ocidental da Península ao longo do

5 Faro.6 Rei, A.: Gharb al-Andalus (711 - 1250): Cronologia [online]. 2011 [cit. 2011-01-13]. Disponível em:<http://iem.fcsh.unl.pt/disponibilizar/cronologias/gharb-al-andalus-711-1250>.7 Em castelhano Pelayo (do latim Pelagius).8 Kaufmann, H.: Maurové a Evropa: Cesty arabské vědy a kultury. 1.edição. Tradução de I. Hrbek. Praga: Panorama, 1982, pág. 136.9 Ibid., pág. 137.10 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I. Lisboa: Palas Editores, 1985, pág. 53.11 Afonso I das Astúrias (693?—757). 12 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 53.13 Também Abderramão (733-781).14 Príncipe ou chefe árabe (do árabe amīr).

9

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século IX também vários levantamentos da aristocracia indígena, principalmente na zóna

de Mérida.15

1.2. Segundo período. A autonomia do ocidente peninsular (828-929)

As revoltas dos cristãos e muçulmanos no ocidente da Península contra o poder

central do emir, instalado em Córdova desde o ano 766, iniciadas nos finais do século VIII,

conferiram a esta região um estatuto de ampla autonomia que deveria durar por mais de um

século.16 Como início deste período é possível estabelecer o ano 828, quando começou uma

grande insurreição dos Berberes e muçulmanos indígenas em Mérida, pacificada em 835

por Abd ar-Rahman II.

Outra revolta local desencadeou-se em 868, tendo sido iniciada por Abd ar-Rahman

ibn Marwan al-Jilliqi17, nobre muçulmano de origem indígena. Apesar de a rebeldia ter sido

logo suprimida, al-Jilliqi conseguiu fugir da corte de Córdova, aonde fora levado, e após

uma estadia temporária no território cristão iniciou outra rebelião em 884, tendo-se

instalado em Idanha-a-Velha. O emir Muhammad I decidiu fazer concessões importantes

aos rebeldes, sobretudo permitir a al-Jilliqi fundar a cidade de Badajoz, receber impostos

das populações locais e exercer autoridade pessoal sobre os habitantes da região.18 Neste

período de lutas internas no território islâmico, os cristãos conseguiram penetrar nas terras

a sul do Douro e no 878 tomaram aos muçulmanos a cidade de Coimbra, a qual

permaneceu na sua posse até os finais do século seguinte.19

Após a morte de al-Jilliqi em 889-890 o poder na área da sua influêcia foi divido

entre três chefes militares, Abd ar-Rahman ibn Marwan, instalado em Badajoz e Mérida,

Abd al-Malik ibn Abu-l-Jawad ,que se apossara de Beja e Mértola, e Bakr ibn Yahya ibn

Bakr, sediado em Ossónoba. A autonomia destes senhores locais foi fortemente

enfraquecida depois da breve incursão do rei galego Ordonho II20 no território muçulmano

em 913, durante a qual foi arrasada Évora. A expedição de vingança organizada no ano

15 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 420.16 Ibid., pág. 421.17 “O Galego” (do árabe al-Ǧillīqī).18 Ibid., pág. 422.19 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 54.20 Ordonho II (cca 871-924), rei de Leão desde 914.

10

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916, comandada por Abd ar-Rahman III, quebrou o poder militar dos senhores locais,

subalternizados ao emir.21

A plena submissão do Ocidente foi completada nos anos 929-930 através de uma

campanha militar de Abd ar-Rahman III22, que se tinha recemente proclamado califa. A

tomada de Badajoz, centro do poder autónomo no Ocidente, em 930 assegurou a soberania

do califado omíado nesta parte da Península nos próximos oitenta anos.

1.3. Terceiro período. A soberania do califado omíado e o seu

desmembramento em reinos de taifas (929-1086)

A época da autonomia do Ocidente sob o governo da família de al-Jilliqi foi seguida

por um período de forte centralismo, desempenhado por Córdova, em que os

acontecimentos nas zonas marginais, inclusive o território de Portugal, foram de menor

relevo.

Uma das consequências da consolidacão do califado e da centralização do seu poder

foi o crescimento das competências do hajib, isto é, prefeito do palácio do califa,

particularmente na época do consulado de al-Mansur ibn Abi Amir,23 que conseguiu tomar

todo o poder, deixando ao califa uma importancia apenas nominal. Al-Mansur procedeu a

profundas reformas militares, que consistiram principalmente no recrutamento de um

grande número de Berberes norteafricanos e mercenários cristãos e na sua incorporação ao

excército do califado. Com estas novas tropas, conduziu uma série de campanhas ao

território cristão durante as quais foi reconquistada Coimbra24, destruído o Santuário de

Santiago de Compostela25 e a fronteira entre o território cristão e o califado colocada

novamente no Douro.26 A vinda dos mercenários estrangeiros, embora tivesse contribuído

aos successos militares do califado nas lutas contra os cristãos do Norte, foi também um

dos factores que levaram ao seu desmembramento no século seguinte.27

O período de sangrentas lutas e revoltas, que começara após o assassinato do califa

Hisham II em 1013, resultou no ano 1031 na desagregação total do poder central do

21 Ibid., pág. 423.22 Abd ar-Rahman III (891-961)23 Em português também conhecido como Almançor (938-1002).24 Em 987.25 Em 997.26 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 54.27 Kaufmann, H.: Maurové a Evropa: Cesty arabské vědy a kultury, pág. 36.

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califado omíado, que se dividiu em vários principados chamados de taifas.28 Embora seja

habitual designar estes estados como „reinos“, os seus soberanos nunca assumiram o título

de califa ou de rei.29

No ocidente da Península, onde os clãs locais mantinham poderes consideráveis

desde o século VIII, surgiram entre os anos 1012 e 1094 seis taifas, cuja existência é

possível interpretar como uma manifestação do desejo de autonomia das populações locais

e uma expressão dos interesses das diferentes tribos árabes.30

A primeira taifa no território de Portugal foi fundada no ano 1012 em Huelva, onde a

dinastia Bahri governou durante quarenta anos, dominando uma faixa de costa que incluía

também a cidade de Ossónoba, então mais conhecida por Santa Maria. Em 1026 separou-se

a parte ocidental da taifa de Huelva que correspondia, grosso modo, à parte oriental do

actual Algarve, para formar um principado independente, governado pela família Banu

Harun, possivelmente de origem autóctone, o qual perdurou até o ano 1052.31

Outra taifa formou-se no vale do Guadiana sob o governo do Berbere Ibn Tayfur,

tendo como a sua capital a cidade de Mértola. Esta taifa manteve-se até o ano 1044, quando

sucumbiu às tropas da poderosa taifa de Sevilha, fundada em 1023 e governada pela

dinastia dos Abádidas, que já havia tomado Lisboa em 1039 e forçara à submissão as taifas

de Huelva e Santa Maria em sucessivas campanhas militares entre 1051 e 1053. No

entanto, nem este principado conseguiu manter a sua integridade e no ano 1048 formou-se

no seu território outra taifa baseada em Silves, compreendendo aproximadamente a parte

ocidental do Algarve moderno. Os seus governadores provinham da família árabe dos Banu

Muzayn, chegada à Península no início do século VIII. A vida da taifa de Silves como uma

entidade política independente foi, contudo, bastante curta e já no ano 1063 foi

forçosamente reintegrada à taifa de Sevilha.32

Após as campanhas expansionistas do reino de Sevilha sob o governo de Muhammad

ibn Abbad al-Mu'tamid33 em meados do século XI, existiam no Ocidente apenas duas taifas

independentes: a taifa de Sevilha e a poderosa taifa de Badajoz. Este principado foi

fundado em 1013 por Sabur al-Amiri, eslavo que nela assumiu poderes autonómicos até à

28 Do árabe ṭā'ifa (“facção”). 29 Em árabe malik. Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 67.30 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 424.31 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 64.32 Ibid., pág. 63.33 Muhammad ibn Abbad al-Mu'tamid (1027-1095).

12

Page 13: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

sua morte em 1022. O governo passou subsequentemente para as mãos da familia Banu al-

Aftas, de origem berbere embora já plenamente arabizada nesta época.34

A luta contínua com a taifa de Sevilha, que se arrastou ao longo de várias décadas,

enfraqueceu bastante Badajoz, favorecendo o avanço cristão, até então estagnado. Os

reinos cristãos conseguiram aproveitar a fragmentação política no território muçulmano e

iniciar uma série de campanhas militares contra os reinos de taifas, podendo manter um

exército permanente e superior ao dos muçulmanos.35

A partir de 1055 obrigaram as campanhas do reino de Leão e Castela os governadores

de Badajoz ao pagamento de tributos e permitiram aos cristãos atingir a linha do Mondego,

tomando succesivamente Lamego, Viseu, a importante cidade de Coimbra.36 A perda da

cidade de Coria em 1079 permitiu aos cristãos o acesso ao vale do Tejo e no ano 1085

reconquistaram os cristão a antiga capital do reino dos Visigodos, Toledo. Incapazes de

resistir ao avanço cristão, decidiram os governadores das taifas de Sevilha e Badajoz em

1085 pedir auxílio à dinastia norteafricana dos Almorávidas,37 cujo império se estendia

desde o rio Senegal até a costa do Mediterrâneo.38

1.4. Quarto período. A queda do Ocidente islâmico (1086-1250)

A vinda dos Almorávidas em 1086 marca o início do último período na história do

Portugal muçulmano, em que o centro da decisão transfere-se definitavemente para o norte

da África, cabendo neste contexto aos muçulmanos locais um papel apenas de segundo

plano.39

Logo depois da sua chegada, conseguiram os Almorávidas, liderados pelo emir Yusuf

ibn Tashufin, defrontar e derrotar as tropas do reino de Leão e Castela na batalha de Zalaca

e recuperar o domínio muçulmano a sul do Mondego. No entanto, como os Almorávidos

haviam decidido ficar na Península e reunificá-la sob o seu jugo, os soberanos peninsulares

fizeram uma aliança com o rei Afonso VI.40 As suas tropas foram, contudo, derrotadas e o

governador do reino de Sevilha al-Mu'tamid foi no ano 1092, junto com a sua família, 34 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 424.35 Ibid., pág. 426.36 Em 1064.37 Do árabe al-murābiṭ („guarda de fronteira, eremita, religioso“). 38 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 66.39 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 426.40 Afonso VI de Leão e Castela (1040-1019). Proclamou-se “imperador de toda a Hispânia” (em latim imperator totius Hispaniae) em 1077.

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Page 14: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

deportado para a África. O mesmo destino teve a taifa de Badajoz, ocupada pelos

Almorávidas em 1094.

Após a morte de Yusuf ibn Tashufin, sucede-lhe o filho Ali ibn Yusuf, cujo reinado

seria assinalado pelo gradual enfraquecimento do poder almorávida na Península, devido à

crescente insatisfação dos muçulmanos peninsulares com a intolerância religiosa dos

Almorávidas, ao apertado controle fiscal e ao mesmo tempo à estabilização progressiva dos

reinos cristãos, o que levou a fronteira comum para o rio Tejo.41

A dissolução do poder da nova dinastia resultou, a partir do ano 1144, no

aparecimentodas segundas taifas, embora de carácter somente episódico. Este processo

desenrolou-se simultaneamente com a grande investida das tropas do recém-criado reino de

Portugal para o Sul muçulmano (1139-1147).42

O líder da primeira revolta local no Ocidente foi o sufista43 Abu-l-Qasim al-Husayn

ibn Qasi, que se apoderou em 1144 de Mértola, onde era governador. Este acontecimento

provocou outras duas revoltas na região, uma em Beja, onde governava Abu Muhammad

Sidray ibn Wazir, e outra na cidade de Silves, a qual foi capturada, junto com a Ossónoba,

por Abu Walid Muhammad ibn al-Mundir. Estes governadores submeteram-se inicialmente

a Ibn Qasi, porém Ibn Wazir revoltou-se logo contra o seu soberano, o que levou Ibn Qasi a

recorrer à ajuda dos Almóadas,44 um novo movimento religioso e militar que havia surgido

no norte da África.

Os Almóadas conseguiram derrotar definitivamente os Almorávidas e impor-se na

Península, intervindo a favor de Ibn Qasi, ao qual entregaram em 1147 o poder de Silves,

no mesmo ano em que os cristãos conquistaram Santarém e Lisboa. A soberania de Ibn

Qasi durou, porém, somente até o ano 1151, quando foi assassinado pela população de

Silves.

A morte de Ibn Qasi não marca apenas o fim do período das segundas taifas no

ocidente da Península, mas também o início da fase final da época islâmica na história de

Portugal, o período do irreversível avanço cristão para o Sul. Ao longo do século XI, este

processo ganhou o carácter de guerra santa da reconquista dos territórios outrora cristãos,

radicalizada pela presença de cavaleiros francos e ordens religiosas.45

41 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 427.42 Ibid., pág. 428.43 Do árabe ṣūfī, “pessoa sectária do sufismo” (movimento de ascese mística do Islão). 44 Do árabe al-muwaḥḥid, („monoteísta “). “Almohade”, in Diccionario de la Real Academia Española [online]. 2011 [cit. 2011-01-11]. Disponível em: <http://www.drae.rae.es>.45 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 427.

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No ocidente da Península, os Almóadas levaram a cabo, entre 1161 e 1195, oito

campanhas militares que não tiveram, porém, nenhum resultado práctico.46 Em 1212 foram

derrotados os muçulmanos na batalha de Navas de Tolosa por um exército coligado de

Castelhanos, Portugueses, Aragoneses e Navarros. Esta victória permitiu aos cristãos

prosseguir a Reconquista e apoderar-se durante os próximos quarenta anos dos últimos

territórios no Ocidente que ainda estavam nas mãos dos muçulmanos. No ano 1229 foi

capturado Badajoz pelos Leoneses, em 1234 seguiu-se a tomada de Beja e Aljustrel pelos

Portugeses e em 1238 conquistaram estes Mértola. Este processo foi levado ao cabo pelo

rei Afonso III de Portugal, que se apoderou em 1249 de Silves e Faro, o último enclave

muçulmano no Ocidente. Este acontecimento marca o fim do período islâmico na história

de Portugal.

2. COMPOSIÇÃO ÉTNICA E RELIGIOSA

46 Ibid., 429.

15

Page 16: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

A presença de vestígios topónimicos de origem árabe em Portugal teria sido

dificilmente imaginável sem uma ampla disseminação do árabe no território deste. Para

entender melhor o processo da arabização, que se foi desenvolvendo ao longo dos mais de

cinco séculos do domínio muçulmano no ocidente da Península Ibérica, convirá descrever

primeiramente a configuração étnica e religiosa da sociedade peninsular, resultante da

conquista em 711.

2.1. Árabes

O grupo dominante na nova sociedade eram os Árabes, os primeiros seguidores e

propagadores do Islão. A sua imigração é característica sobretudo para o período inicial da

estabilização do governo muçulmano, até do ano 756.47 No Ocidente é atestada primeiro a

chegada e o estabelecimento dos Árabes iemenitas, vindos com o exército de Musa ibn

Nusayr após 712, instalados nomeadamente na região de Silves48, e depois de novas tribos,

de proveniência síria, vindas para esmagar a revolta berbere em 741. O influxo dos Sírios

provocou conflictos com os Árabes que tinham chegado antes e sentiam-se incomodados

pela presença dos Sírios. Os recém-chegados foram subsequentemente instalados em várias

localidades no sul da Península, para que estivessem longe da capital no caso de revolução

ou intento de sedição.49 No Ocidente, estabeleceram-se os Sírios na região de Beja e no

Algarve.50

Segundo uma estimativa, à chegada de Abd ar-Rahman em 756 a população árabe

contava aproximadamente entre 50 e 60 mil de pessoas e a população indígena entre 5 e 6

milhões de pessoas.51 Apesar de serem minoritários na sociedade peninsular, os Árabes

constituíam o grosso da aristocracia e burguesia muçulmana, dedicando-se ao artesanato e

ao comércio internacional52 e possuindo vastas latifundias no campo.53

47 Kaufmann, H.: Maurové a Evropa: Cesty arabské vědy a kultury, pág. 140.48 Stanislawski, D.: The Individuality of Portugal: A Study in Historical-political Geography [online]. Austin: University of Texas Press, 1959, cap. 10 [cit. 2010-12-08]. Disponível em: <http://libro.uca.edu/stanislawski/portugal.htm>.49 Vallvé, J.: La división territorial de la España musulmana. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Cientificas, 1986, pág. 195.50 Ibid., pág. 194 e 197.51Zayed, A. S. M.: Datos dialectales andalusíes (gramaticales y léxicos) en algunos documentos tardíos granadinos y moriscos [online]. Tese de doutoramento. Madrid: Universidad Complutense, Facultad de Filología, Departamento de Estudios Árabes e Islámicos, 1993, pág. 10 [cit. 2010-12-14]. Disponível em:<http://eprints.ucm.es/tesis/19911996/H/3/AH3030101.pdf>.52 Kaufmann, H.: Maurové a Evropa: Cesty arabské vědy a kultury, pág. 139.53 Ibid., pág. 140.

16

Page 17: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

2.2. Berberes

O numericamente mais significativo componente do exército invasor muçulmano

foram os Berberes, cuja imigração à Península continuou, à diferença dos Árabes, até o

século XII.54 Sendo vassalos dos Árabes, eram instalados nas áreas áridas e montanhosas

do interior da Península, de pouca densidade de povoamento, à diferença das tribos árabes

que se apoderaram das terras mais férteis ao longo do Mar Mediterrâneo e nos vales

fluviais.55 A colocação geográfica das tropas berberes era reforçada pela preocupação em

manter estes soldados temíveis, unidos por fortes laços familiares, afastados da capital e

dos outros centros de poder.56

Embora exista incerteza a respeito deste assentamento berbere, considerando-o alguns

ter sido mais de carácter agricultural do que militar, é possível aceitar a tese oposta,

defendida pelo J. Mattoso, segundo a qual:

“As comunidades camponesas dificilmente aceitariam agregar a si e muito menos integrar um grupo de mercenários estrangeiros. Desmobilizados, a sua diluição ou fixação como grupo homogéneo só era, portanto, concebível no cosmopolita meio urbano.”57

Desta maneira é também possível explicar a rápida arabização dos Berberes nas

cidades, em comparação com aqueles se haviam instalado no campo, conservando até o

século XII as suas tradições e o idioma.58 Nas cidades impuseram os Berberes

massivamente a sua presença durante a época dos Almorávidas e dos Almóadas.59

Como um dos mais elucidativos exemplos da importância dos Berberes para o

estabelecimento do domínio muçulmano na Península e um dos vestígios mais duradouros

da sua presença é possível mencionar a palavra Mouro60, termo utilizado pelos Hispano-

Romanos para designar os habitantes berberes da África do Noroeste, mais tarde extendido

para todos os muçulmanos.61

54 Ibid.55 Kaufmann, H.: Maurové a Evropa: Cesty arabské vědy a kultury, pág. 139.56 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 373.57 Ibid.58 Kaufmann, H.: Maurové a Evropa: Cesty arabské vědy a kultury, pág. 142.59 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 373.60 Do latim Maurus. Reichert, R.: Denominações para os muçulmanos no Sudão Ocidental e no Brasil [online]. Revista Afro-Ásia, nº 10-11, 1970, pág. 109 [cit.2011-01-07]. Disponível em:<http://www.afroasia.ufba.br/pdf/afroasia_n10_11_p109.pdf>.61 Ibid., pág. 110.

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Page 18: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

2.3. Hispano-Romanos

O elemento étnico percentualmente mais numeroso foi, contudo, a população

hispano-romana. Embora existisse nos primeiros anos da administração muçulmana entre

ela e os conquistadores árabes e berberes uma barreira religiosa, esta foi desaparecendo à

medida que um número crescente dos cristãos se foi convertendo ao Islão, sobretudo a

partir do século X. Como nota J. Mattoso:

“Até há pouco, considerava-se que a ocupação massiva da Península Ibérica pelos exércitos de árabes, iemenitas, sírios e berberes tinha imposto rapidamente a lei de Maomé62, massacrando ou empurrando para norte os cristãos humilados e vencidos. Ao admitir-se hoje, pelo contrário, a pouco significativa contribuição das forças militares na islamização do Andaluz63 e o papel decisivo desempenhado pelos caminhos e rotas do comércio oriental, sabemos que a penetração da religião muçulmana foi um fenómeno lento e gradual.”64

Supõe-se, segundo alguns estudos, que por volta do ano 1100, os muçulmanos de

origem indígena, conhecidos como muladís65, constituíssem, junto com os Árabes e os

Berberes, 80 por cento dos habitantes do território que estava na posse dos muçulmanos.66

A adopção do Islão pelos cristãos era motivada por vários factores sociais, culturais e

económicos, entre outras coisas pela possibilidade de serem, desta maneira, isentos do

pagamento da djizya, isto é, dos impostos de capitação, aos quais eram sujeitos os cristãos e

judeus dentro do estado islâmico, em que pertenciam às minorias protegidas, sob a

condição de respeitarem a dominação política do Islão.67

Após a sua conversão, os muladís eram integrados na estructura tribal da sociedade

árabe, tornando-se vassalos de alguma tribo, cujo nome também levavam.68 Apesar deste

processo de assimilação, os agricultores muladís ainda tinham de pagar ao estado um

tributo elevado, chamado kharadj, ou seja, imposto predial, o que acarretou perturbações 62 O profeta Muhammad.63 Do árabe al-andalus (nome dado à Península Ibérica pelos Árabes). 64 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 407.65 Do árabe hispânico muwalladīn, („concebidos por mãe não árabe“). 66 Glick, T. F.: Islamic and Christian Spain in the early Middle Ages [online]. Princeton: Princeton University Press, 1979, cap. 1 [cit.2010-12-07]. Disponível em: <http://libro.uca.edu/ics/emspain.htm>.67 Kemnitz, E.-M. Von.: A construção de uma nova sociedade: o caso específico da minoria moura [online]. Revista de Guimarães, nº 106, 1996, pág. 159-174 [cit.2011-01-11]. Disponível em: <http://www.csarmento.uminho.pt/docs/ndat/rg/RG106_08.pdf>.68 Kaufmann, H. Maurové a Evropa: Cesty arabské vědy a kultury, pág. 143.

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Page 19: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

sociais e por algum tempo contribuíu à persistência da divisão entre os muladís e os

muçulmanos de origem árabe.69 Neste contexto, é de interesse mencionar que na língua

portuguesa a palavra muwallad deu origem70 ao termo malado, denominação do habitante

de maladia, terra habitada por vassalos solarengos, sujeitos a encargos feudais.71

Os Hispano-Romanos que mantinham a fé cristã eram conhecidos como moçárabes.72

Embora resistissem à possibilidade de adoptar a religião privilegiada do estado e melhorar

deste modo o seu estatuto social, como testemunha a sua denominação, incorporaram à sua

cultura vários elementos árabes. Apesar da gradual arabização, mantiveram os moçárabes

na sua cultura também muitos costumes hispano-visigóticos, inclusive o rito litúrgico, que

foi oficialmente abolido pelos cristãos do Norte em 1080.73 No Ocidente é atestada uma

forte presença dos moçárabes nos meios urbanos de Coimbra, Lisboa e do Algarve.74

2.4. Judeus e os Eslavos

Além dos cristãos e muçulmanos, outro grupo importante na sociedade peninsular

eram os judeus, implantados na Península desde a época romana.75 Como o único grupo

religioso não-católico, foram os judeus duramente discriminados pelo estado visigótico,

após a conversão do rei Recaredo76 ao catolicismo em 589, e por isso não é de estranhar

que tenham recebido positivamente os invasores e que até tenham contribuído a facilitar-

lhes a tomada de algumas cidades importantes.77 No âmbito do novo sistema político e

social gozavam os judeus, assim como os cristãos, do estatuto de protegidos da sociedade

muçulmana, vivendo em comunidades prósperas e abastadas. Embora sujeitos ao

pagamento da djizya, os judeus dispunham, assim como os cristãos, de uma autonomia

bastante ampla, elegendo as suas autoridades privadas, e muitos desempenhavam cargos de

69 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 121. 70 Ibid.71 “Maladia”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [online]. 2011 [cit.2011-01-07]. Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=Maladia>.72 Do árabe musta'rab ( „arabizado“). 73 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 409.74 Ibid.75 Ibid., pág. 407.76 Recaredo (?-601), rei dos Visigodos de 586 a 601.77 Pérez, J.: Los judíos en España. [online]. Madrid: Marcial Pons, 2005, pág. 30 [cit.2010-12-07]. Disponível em: <http://www.books.google.cz/books?isbn=8496467031>.

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Page 20: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

responsibilidade e de confiança da corte. Sem embargo, as funções militares e o exercício

do poder eram proíbidas aos não-muçulmanos.78

Na área controlada pelos muçulmanos existiam importantes comunas dos judeus

sobretudo no solo da Espanha actual, nas cidades de Córdova, Granada, Tarragona,

Saragoça, Sevilha e outras79, enquanto que no território de Portugal havia significativas

comunas judaicas nas pricipais cidades portuárias, nomeadamente em Lisboa e Faro.80

Outro elemento étnico na sociedade eram os escravos, provenientes da África

Subsariana e da Europa oriental. Os escravos brancos, nos séculos IX e X maioritariamente

de origem eslava e chamados, portanto, aṣ-Ṣaqāliba81, eram importados para servirem nos

haréns, no exército e na guarda pessoal do califa, mantendo assim equilíbrio entre os

Árabes e Berberes. Estes escravos-mercenários ganhavam logo liberdade, o que lhes abria

portas para a ascensão social, e após o desmembramento do califado omíada no século XI

governaram em algumas taifas no oriente da Península.82

3. SITUAÇÃO LINGUÍSTICA

Do ponto de vista linguístico, caracteriza-se a época do domínio muçulmano no

território de Portugal pela convivência e competição de dois idiomas maioritários, os quais

eram a língua moçárabe e o árabe. Por isso, serão nos seguintes sub-capítulos apresentadas

algumas informações básicas apenas sobre estas duas línguas. Todavia, é preciso

mencionar que o quadro línguístico neste período completava também a presença da língua

berbere, remotamente aparentada com o árabe83, e dos falares românicos do noroeste da

Península, nomeadamente do português. No entanto, como o berbere de facto não deixou

78 Ibid. pág. 31.79 Ibid. pág. 32.80 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 407.81 Em árabe “Eslavos”. Zayed, A. S. M.: Datos dialectales andalusíes (gramaticales y léxicos) en algunos documentos tardíos granadinos y moriscos [online], pág. 10 [cit. 2010-12-13].82 Kaufmann, H.: Maurové a Evropa: Cesty arabské vědy a kultury, pág. 148.83 Os dois idiomas pertencem à família afro-asiática.

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Page 21: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

quase nenhuns vestígios linguísticos84 e o português só se instalou na região após a

Reconquista, não serão objecto do nosso interesse.

3.1. Língua moçárabe

Quando os muçulmanos entraram na Península Ibérica, estavam já extintas, com a

excepção do basco, todas as línguas faladas nela no período pré-romano, pois o paulatino

processo da romanização levou à sua substituição pelo latim, que se foi introduzindo nesta

área a partir do século II a.C.85 O tipo do latim falado pelos soldados e comerciantes

romanos diferia, porém, consideravelmente da sua variante literária e por isso costuma

denominar-se como “latim vulgar”, definido como “a língua falada pelas camadas pouco

influenciadas ou não influenciadas pelo ensino escolar e pelos modelos literários”.86 Supõe-

se que o processo do afastamento destas duas modalidades da mesma língua tenha

acelerado a partir do século V, coincidindo com as invasões bárbaras e a quebra do sistema

educativo romano.87

O latim peninsular não era um idioma homogéneo, pois as características do latim

falado nas várias partes do Império Romano correspondiam ao estágio em que a língua

estava na época da sua subjugação de cada região pelos Romanos. O latim falado nas partes

meridionais da Península Ibérica era, portanto, mais arcaico do que aquele no Noroeste,

cuja conquista foi terminada só nos finais do século I a.C.88 Estas diferenças foram

acentuando-se na época depois da chegada dos muçulmanos e do estabelecimento do seu

poder no sul da Península, que causou a isolação do falares utilizados neste território

daqueles que existian na região sob a controle dos cristãos.

À medida que um número crescente dos cristãos se convertia ao Islão e abandonava o

idioma românico, adoptando o árabe, o uso deste idioma foi-se restringindo aos moçárabes

e portanto é habitual denominá-lo como “romance moçárabe”.89 Em comparação com os

falares do Noroeste, como o português e o castelhano, o moçárabe apresentava várias

84 Kaufmann, H.: Maurové a Evropa: Cesty arabské vědy a kultury, pág. 140.85 Castro, I.: Introdução à História do Português. Lisboa: Edições Colibri, 2006, pág. 55.86 Ibid., pág. 53.87 Ibid., pág. 53.88 Ibid., pág.56.89 Ibid., pág. 62.

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Page 22: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

características distintas, devido, sobretudo, ao seu carácter conservador e à influência do

árabe. No plano fonético é particularmente90:

a) a preservação dos grupos iniciais PL-, FL-, PL- latinos.

b) a preservação do –E final depois de consoante líquida.

c) a não sonorização de surdas intervocálicas.

d) a preservação dos –L- e –N- intervocálicos.

A documentação escrita do romance moçárabe é relativamente escassa e consiste

sobretudo das assim chamadas hardjas91, isto é, pequenas estrofes românicas incorporadas

em muwashshah92, longos poemas narrativos. No entanto, a interpretação destes artefactos

literários, escritos no alfabeto árabe, que habitualmente não marca vogais curtas, apresenta

várias dificuldades e por isso é de elevada importância o estudo dos topónimos de origem

moçárabe, preservados especialmente nas áreas a sul do Mondego.93

Embora se suponha a existência de diferenças entre o moçárabe falado no Ocidente e

os dialectos das restantes partes da Península, sabe-se pouco das suas características.94

3.2. Árabe

O idioma que se impôs gradualmente como língua maioritária ou, sem dúvida, a mais

prestigiosa, foi o árabe, a língua nativa da classe dominante, constituída pelas tribos

árabes.95 O processo da arabização, tanto cultural como linguística, acompanhou o paralelo

processo da islamização dos Hispano-Romanos, que tomavam os costumes, trajos, nomes e

a língua dos Árabes.96

90 Ibid., pág. 62 e 64.91 Do árabe ḫarǧa („saída“ ) 92 Do árabe muwaššaḥ. 93 Castro, I.: Introdução à História do Português, pág. 64.94 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 27.95 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 374-375.96 Castro, I.: Introdução à História do Português, pág. 61.

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Page 23: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

3.2.1. Expansão do árabe

Além dos Árabes que chegaram à Península nos primeiros anos após a conquista,

continuavam a reforçar o elemento árabe numerosos mercadores, artistas, literatos e

artesões que vinham do Médio Oriente, atraídos pelo esplendor do emirado omíada,

fundado em 756.97 Na disseminação da língua árabe na Península participaram também os

judeus, implantados nas cidades. O professor J. Mattoso comenta da seguinte maneira a

importância dos judeus e dos mercadores orientais na introdução do árabe:

“Se admitirmos que os exércitos e forças militares invasores não são os melhores veiculadores de línguas e cultural e se aceitarmos que os mecanismos de difusão civilizacional passam sobretudo pelos intercâmbios pacíficos do comércio, não será descabido atribuir a grupos de orientais de há muito radicados no Ocidente e às próprias comunas de mercadores judeus os primeiros passos na introdução da língua árabe nos portos hispânicos. (...) Os falares arábicos vão acompanhando o percurso e a fixação destes mercadores nos principais portos marítimos e fluviais e depois nos outros centros urbanos.”98

A expansão do árabe em detrimento da língua moçárabe acelerou notavelmente no

século XI, na época em que o árabe se afirma como língua culta dos meios urbanos. Este

processo parece ter levado à marginalização social e cultural do moçárabe em finais do

século XI e à sua restrição ao mundo rural e, por fim, no século XII o árabe torna-se

exclusivo nos circuitos urbanos. Este fenómeno foi agravado pela intransigência religiosa

das dinastias berberes dos Almorávidas e Almóadas que perseguiram os não-

muçulmanos.99 Nos séculos XI e XII estavam os dialectos moçárabes incontestavelmente

em declínio e não é seguro que a Reconquista os tenha ainda encontrado com alguma

vitalidade.100 Não obstante, alguns traços comuns aos dialectos centro-meridionais da

língua portuguesa parecem resultar de uma influência moçárabe, o que favorece a hipótese

da persistência do moçárabe até a chegada dos Portugueses nos séculos XII e XIII.101

Após a terminação da Reconquista, o árabe continuou a ser falado pelos mudéjaros,

muçulmanos que se mantiveram nos reinos cristãos102, e foi definhando durante quase três

97 Zayed, A. S. M.: Datos dialectales andalusíes (gramaticales y léxicos) en algunos documentos tardíos granadinos y moriscos [online], pág. 47 [cit. 2010-12-13].98 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 375.99 Ibid.100 Castro, I.: Introdução à História do Português, pág. 62.101 Fernandes, M.A.: O dialecto algarvio: abordagem histórica [online]. Tavira: Campo Arqueológico de Tavira, 2008, pág. 8 [cit. 2010-01-11]. Disponível em: <http://www.arkeotavira.com/Estudos/dialecto-algarvio-net.pdf>.102 Do árabe mudaǧǧan (“domesticado”)

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Page 24: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

séculos, até desaparecer por completo.103 Além dos vestígios toponímicos, a herança

linguística do árabe na língua portuguesa é constituída por mais de 600 empréstimos de

origem árabe como açúcar, adufe, alfaiate, almofada, azulejo etc.104 Duas destas palavras

emprestadas, os termos algaravia e aravia (derivados do árabe al-‘arabīya, “língua

árabe”), testemunham bem o gradual desaparecimento da língua árabe, cuje nome se tornou

sinónimo de uma linguagem incompreensível ou difícil de entender.105

Como o último estado muçulmano na Península, emirato de Granada106, conseguiu

manter-se até os finais do século XIV, não surpreende que a língua árabe tenha sobrevivido

na Espanha por muito mais tempo do que em Portugal e que tenha desaparecido

definitivamente só no século XVII com a expulsão dos últimos muçulmanos

clandestinos.107

3.2.2. Dialecto andaluz

Assim como no caso do latim, onde coexistia a língua literária com a variante

coloquial, a qual com o passar dos séculos evoluiu numa língua independente, encontrava-

se também o árabe numa situação de diglossia, em que a língua literária coexistia com a

língua coloquial, situação característica para o mundo árabe até aos nossos dias.108 O

padrão desta língua oficial foi derivado dos dialectos conservadores e cofidicado pelos

gramáticos à base do Alcorão e a poesia árabe da época pré-islâmica nos primeiros séculos

do califado.109 Com a expansão do Islão espalhou-se o uso do árabe literário em todos os

países muçulmanos, uma vez que as orações, obrigatórias para todos os muçulmanos,

consistem na recitação dos versos do Alcorão e por isso devem ser efectuadas em árabe.110

103 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 375.104 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 27.105 Nimer, M.: Influências Orientais na Língua Portuguesa [online]. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005, pág.141 [cit.2011-01-06]. Disponível em:<http://books.google.cz/books?isbn=8531407079>.106 Reinado pela dinastia dos Nasridas desde 1238 até 1492.107 Zayed, A. S. M.: Datos dialectales andalusíes (gramaticales y léxicos) en algunos documentos tardíos granadinos y moriscos [online], pág. 47 [cit. 2010-12-14].108 Ibid. pág. 47.109 Versteegh, K.: The Development of Classical Arabic [online]. 1997, cap. 5.1 [cit. 2010-12-14]. Disponível em: <http://acc.teachmideast.org/texts.php?module_id=1&reading_id=17>.110 Haeri. N.: Introduction to Sacred Language Ordinary People [online]. 2003 [cit. 2010-12-14]. Disponível em: <http://acc.teachmideast.org/texts.php?module_id=1&reading_id=1020>.

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Page 25: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

A evolução do árabe coloquial e dos seus dialectos é o problema que mais ocupa os

linguístas que estudam a história da língua arábe e, portanto, têm sido propostas várias

hipóteses que o procuram explicar. Os linguístas alemães Wolfdietrich Fischer e Otto

Jastrow tentaram exprimir o consenso geral com as seguintes palavras:

“One will hardly go wrong if one imagines that the development of New [colloquial] Arabic was connected with dialect mixing in the camps of the conquerors, the influence of the languages and dialects of the conquered, and the formation of regional vernaculars. Later population displacements and constant leveling tendencies through cross-regional contacts between the cities, likewise tendencies toward peculiar developments among the most isolated rural populations, may have been equally important developmental factors.”111

Na época das conquistas muçulmanas os dialectos falados na Península Arábica,

dividos provavelmente no grupo ocidental e oriental112, expandiram para além das

fronteiras da Península, misturando-se e entrando em contacto com as línguas que existiam

nos países recém-dominados. Esta primeira onda migratória deu origem ao surgimento de

novos grupos dialectais, falados principalmente nas áreas urbanas. Mais tarde,

particularmente a partir do século XI, foram os países do Norte de África afectados pelo

influxo de nómadas árabes que se instalaram nas áreas rurais, o que criou nestas regiões a

distinção primária entre os dialectos urbanos e os dialectos rurais, trazidos pelos

nómadas.113

A dicotomia entre o árabe literário e o dialecto, regista-se também na Península

Ibérica, onde o uso do árabe literário alastrava até entre os moçárabes, causando o

abandono do latim como língua culta, o que ocasionalmente provocou lamentos por parte

dos oponentes deste processo.114 Os dialectos dos conquistadores sírios, iemenitas e

egípcios, trazidos na primeira metade do século VII, evoluíram por volta do século IX num

falar hispano-árabe de características próprias, conhecido como “árabe andaluz”115. Este

dialecto recebeu influência do romance nos seus aspectos gramaticais e no léxico116,

embora fosse aparentado estreitamente com os dialectos do noroeste da África, com que

formava o grupo dialectico ocidental.117 Apesar de não sabermos a extensão exacta da

111 Bishop. B.: A History of the Arabic Language [online]. 1998 [cit. 2010-12-14]. Disponível em: <http://linguistics.byu.edu/classes/ling450ch/reports/arabic.html>.112 Versteegh. K.: Dialects of Arabic [online]. 1997, cap. 1 [cit. 2010-12-14]. Disponível em: <http://acc.teachmideast.org/texts.php?module_id=1&reading_id=113&sequence=1>.113 Ibid., cap. 5.114 Kaufmann, H.: Maurové a Evropa: Cesty arabské vědy a kultury, pág. 142.115 Do árabe al-Andalus (nome dado à Península Ibérica pelos Árabes).116Zayed, A. S. M.: Datos dialectales andalusíes (gramaticales y léxicos) en algunos documentos tardíos granadinos y moriscos [online], pág. 47. [cit. 2010-12-14].117 Versteegh. K.: Dialects of Arabic [online], cap. 5 [cit. 2010-12-14].

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Page 26: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

contribuição lexical românica no dialecto andaluz, as estimativas oscilam entre os 5 e 10 do

léxico total.118 Este facto resultou de um bilinguismo árabo-românico, existente nos

circuitos urbanos até os finais do século XI.119 Como exemplo deste fenómeno podem

servir os zéjeles120, escritos no dialecto andaluz pelo poeta cordovês Ibn Quzman121, que

contêm numerosas palavras moçárabes.122

A adopção do árabe pelas amplas camadas da população peninsular foi acompanhada

também pela sua diferenciação dialectal, atestada pelos autores árabes, acelerada pelo

contacto com os falares românicos e às variações entre os vários dialectos dos

conquistadores originais. Por exemplo no século XI o escritor cordovês Ibn Hazm123 notou

a marcada diferença entre a fala de Córdova e o dialecto que utilizavam os habitantes da

próxima região Fahas al-Ballut124 e as profundas alterações que sofriam palavras árabes na

boca do “vulgo” andaluz.125 Pelo contrário, no século XII ressaltou o geógrafo al-Idrisi126 a

eloquência dos habitantes da cidade de Silves e dos seus arredores, povoados pelos

Iemenitas e outros Árabes após a conquista, e a “pureza” notável do seu dialecto.127

Uma diferença importante entre os dialectos da África e o dialecto andaluz é que o

dialecto falado na Península não recebeu nenhuma influência dos falares das tribos árabes

chegadas à Africa a partir do século XI e no árabe andaluz nunca existiu, portanto, o

mesmo contraste entre os dialectos urbanos e os rurais, de origem nómada, que se regista

no noroeste da África.128

118 Segundo J. Mattoso rondavam as palavras com origem ou romancismos os 10 por cento do léxico do árabe andaluz (Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 375). Em contrapartida, um estudo recente, citado por I. Ferrando, comprova que a contribuição românica não terá ultrapassado 5 por cento do léxico total deste dialecto. (Ferrando, I.: El árabe andaluz y la clasificación de los dialectos neo-árabes: Parte I [online]. Revista Alif Nûn, nº 18, 2003, pág. 7 [cit. 2010-12-14]. Disponível em: <http://www.libreria-mundoarabe.com/Boletines/n%BA18%20Jul.03-PDF.pdf>.)119 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 375120 Composição estrófica da métrica árabe na Península Ibérica (do árabe zaǧal). 121 Muhammad ibn Abd al-Malik ibn Quzman (1078-1160).122 Capra, D.: Romancismos y oralidad en los zéjeles de Ibn Quzmān [online]. Artifara: Revista de lenguas y literaturas ibéricas y latino-americanas, nº 1, 2002 [cit. 2010-12-14]. Disponível em:<http://www.cisi.unito.it/artifara/rivista1/testi/zejeles.asp>.123 Abu Muhammad ‘Ali ibn Ahmad ibn Sa‘id Ibn Hazm (994-1064), literato, historiador, jurista e teólogo muçulmano.124 A kūra (distrito) de Firrīš e Faḥṣ al-Ballūṭ. Compreendía uma parte das actuais províncias espanholas de Córdova, Sevilha, Huelva, Ciudad Real e Badajoz. Vallvé, J.: La división territorial de la España musulmana, pág. 313.125 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 375.126Abu Abd Allah Muhammad al-Idrisi (1099-1164/65), célebre geógrafo árabe, nascido em Ceuta.Viajou pela Península Ibérica, Norte de África e Ásia Menor e acabou instalando-se na Sicília, onde escreveu a sua maior obra geográfica Nuzhat al-Mushtaq fi Ikhtiraq al-Afaq, a qual contém também um mapa do mundo, conhecido como Tabula Rogeriana.127 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 117.128 Ferrando. I.: El árabe andaluz y la clasificación de los dialectos neo-árabes: Parte II [online]. Revista Alif Nûn, nº 19, 2003, pág. 9 [cit. 2010-12-14]. Disponível em: <http://www.libreria-mundoarabe.com/Boletines/n%BA19%20Sep.03-PDF.pdf>.

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Page 27: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

4. DIVISÃO TERRITORIAL E O POVOAMENTO DO

PORTUGAL MUÇULMANO

Antes de proceder à examinação dos vestígios árabes na toponímia de Portugal, será

altamente útil pelo menos esboçar o contorno básico da divisão territorial do seu território

no período examinado e as características do povoamento que existiu nele, já que a

ocorrência e densidade de topónimos árabes em várias regiões do país têm uma relação

directa com as condições demográficas na época islâmica.

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Page 28: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

4.1. Divisão territorial

4.1.1. Divisão administrativa na época romana e visigótica

À sua chegada à Península Ibérica, encontraram os muçulmanos o reino dos

Visigodos dividido basicamente da mesma maneira como estava no tardio Império

Romano. Sob o governo dos Romanos, a Península foi gradualmente dividida129 em cinco

províncias: Baetica, Lusitania (Lusitânia), Gallaecia130, Tarraconensis e Carthaginensis.

No que toca a Portugal, o seu território pertenceu a duas destas províncias: a região a norte

do Douro fazia parte da Callaecia e o território a sul desta linha natural era incluído na

Lusitania, que se estendia também na actual Extremadura espanhola e no sul era separada

da Baetica aproximadamente pelo rio Guadiana (embora uma parte dos territórios da

margem esquerda pertencesse à Lusitania).131

As províncias constavam ainda de unidades menores, chamadas conventus iuridici,

dos quais a Lusitania englobava os conventus Pacensis (da sua cidade capital Pax132),

Scallabitanus (de Scallabis133) e Emeritensis (de Emerita134), pertencendo a parte portuguesa

da Callaecia ao conventus Bracarensis (de Bracara135). Em cada província existiam vários

núcleos urbanos, os municipia, as coloniae, as prefecturae e as civitates, sendo as últimas,

cujo nome prevaleceu sobre todas as outras como denominação geral, à medida que foram

desvanecendo as distinções entre estes tipos de povoações.136

O processo de divisão administrativa das províncias hispânicas parece ter-se

completado no fim do século I. Esta divisão conservou-se até a época visigoda na

organização eclesiástica, que se tinha sobreposto às antigas divisões territoriais romanas.137

Deste modo, as novas províncias eclesiásticas, estabelecidas no decorrer do século IV,

correspondiam às províncias romanas e as dioceses coincidiam em geral com municipia

romanos tardios, embora nem sempre.138

129 A última maior reorganização destas divisões administrativas na época romana foi efectuada pelo imperador Diocleciano entre 284 e 288.130 Em português também Galécia (daí os topónimos Galiza, Galícia).131 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 236.132 Beja.133 Santarém.134 Mérida.135 Braga.136 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 35.137 Vallvé, J.: La división territorial de la España musulmana, pág. 182.138 Ibid. 183.

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Page 29: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

Os Visigodos não alteraram significativamente este sistema, apesar de ser possível

observar nesta época certos fenómenos que se foram agravando pelo tempo,

particularmente a supressão paulatina da província e do conventus, em benefício da civitas

e do seu território circunvizinho, denominado como territorium, o que testemunha um

enfraquecimento da centralização geral e uma progressiva degradação do sistema

administrativo romano.139

4.1.2. Divisão administrativa na época islâmica

Embora os muçulmanos tenham trazido à Península Ibérica um sistema cultural,

social e religioso marcadamente diferente do que existia antes da sua chegada, também eles

respeitaram as unidades administrativas existentes. Ao constatarmos este facto, temos que

levar em conta que, como nota J. Mattoso:

“Antes dos tempos modernos (...) os limites regionais e territoriais aproveitavam sempre os acidentes ou as pequenas marcas naturais que pontuam as linhas de cumeada ou festos da serra, acatando invariavelmente os costumes antigos do local.”140

Por isso, na época islâmica nota-se a sobrevivência das centenárias divisões regionais,

anteriormente estabelecidas.

Para denominar a Península Ibérica, introduziram os Árabes o termo al-Andalus

(Andaluz), documentado pela primeira vez em 716 e de etimologia incerta, ora interpretado

como uma forma da palavra Vandalicia (não-documentada), ora como proveniente do

grego Atlantis (Atlântida).141 A parte ocidental do Andaluz era conhecida como Ġarb al-

Andalus (“o ocidente do Andaluz”) ou simplesmente al-Ġarb (“o Ocidente”), e as suas

fronteiras correspondiam, grosso modo, às da antiga Lusitânia, com a excepção da instável

região entre o Mondego e o Douro.142

Do ponto de vista administrativo, o território do Ġarb al-Andalus, era dividido em

várias kuwar (singular kūra), distritos que coincidiam com os antigos conventus e as

dioceses religiosas. No ocidente da Península sabemos da existência das seguintes kuwar: a

139 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 36.140 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 367.141 Ibid., pág. 363142 Ibid., pág. 368.

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Page 30: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

kūra de Ossónoba (Faro), cuja sede foi posteriormente transferida para Silves, a kūra de

Beja, Évora, Lisboa, Santarém, Mérida e, possivelmente, as kuwar de Coimbra e Egitania

(Idanha-a-Velha). Dentro de cada kūra existiam unidades menores, as mudun (singular

madīna143), que correspondiam, em princípio, às civitates romanas e dispunham de

jurisdição sobre o território que os cingia, com as quran (singular qarya) e os casais, que

eram núcleos de povoamento rural, e finalmente os ḥusun (singular ḥisn144), fortificações

dotadas de administração própria, que incluíam um pequeno território com diversas

quran.145 As necessidades militares levaram à criação de vastas marcas com poderes civis e

militares unificados, englobando várias kuwar na proximidade da fronteira com o território

cristão. No território de Portugal é atestada a existência da marca designada como al-Tagr

al-Adna, ou seja, “a marca inferior”, com sede em Mérida ou Badajoz, agregando as kuwar

a norte de Beja.146

Estas divisões administrativas, resultado de um longo processo de colonização e

repartição das terras por várias ondas de invasores, não deixaram de ter importância nem

no período da Reconquista, quando foram esboçadas as fronteiras entre os reinos cristãos,

vigentes, com alguns ajustamentos, até hoje. Como acrescenta o professor A.H. de Oliveira

Marques:

“Assim quando a “Reconquista começou e a ordem cristã foi gradualmente submergindo todo o ocidente da Península Ibérica, nada de essencial foi mudado nas fronteiras e nas tradições administrativas que, em alguns casos, tinham quase um milénio de existência. Não admira que um tal quadro permanecesse sempre no espírito de reis, senhores, bispos e comunidades, nos seus esforços para organizar, governar ou simplesmente explorar.”147

Deste modo, podemos interpretar algumas campanhas portuguesas contra os

muçulmanos no Ocidente como fruto de um plano para recuperar o antigo território da

província eclesiástica da Lusitânia, englobado nas kuwar e taifas do al-Ġarb muçulmano.148

4.2. Povoamento

143 Em árabe „cidades“.144 Em árabe „forte”.145 Conde, M.S.A.: Ocupação humana e polarização de um espaço rural do Garb-al-Andalus : o Médio Tejo à luz da toponímia arábica [online]. 1997 [cit.2010-12-18]. 146 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 38.147 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 41.148 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 368.

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Page 31: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

Embora possa a intensa arabização e (em menor grau) islamização do Ocidente

durante o período do domínio muçulmano possa dar a impressão de que a conquista

muçulmana foi acompanhada por um influxo maciço de imigrantes árabes que absorveram

o restante da população indígena, uma examinação mais detalhada comprova, pelo

contrário, uma relativa estabilidade demográfica desde a época pré-romana, facto

compreensível, uma vez que as correntes migrátorias faziam-se sentir particularmente nas

zonas de mais intensa urbanização.149

Dito isto, não deveríamos esquecer o facto de que eram justamente as zonas urbanas

que tinham a maior densidade populacional a sul do Tejo. Nesta região, mais intensamente

afectada pela presença dos muçulmanos, os principais núcleos de povoamento eram

Lisboa, Santarém, Sintra, Almada, Alcácer do Sal, Elvas, Évora, Juromenha, Moura, Beja,

Serpa, Mértola, Silves, Loulé, Santa Maria de Faro, Tavira e Cacela.150 Entre os territórios

no vale do Tejo e o Algarve, áreas bem cultivadas, estendiam-se vastas áreas quase

despovoadas do Alentejo e do Ribatejo, alternadas pelas áreas de maior densidade

populacional ao longo do Guadiana e na Península de Setúbal.151

É difícil fazer uma estimativa sobre o número exacto dos habitantes do Ocidente. No

entanto, é possível admitir que fosse entre 300 e 500 mil de pessoas, dos quais mais de

metade terá vivido em cidades ou na sua dependência directa.152 Quanto ao número dos

habitantes das cidades ocidentais, deduz-se que a população de Lisboa não terá

ultrapassado 5 mil de pessoas, mesmo assim superando as demais comunidades urbanas no

Ocidente. 153

Fora das cidades e dos seus arredores, centros do comércio, artesanato e da

agricultura intensiva, estendiam-se grandes territórios interurbanos, onde se conservavam

pequenos grupos agro-pastoris de velho assentamento histórico.154

149 Ibid., pág. 370.150 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 116.151 Ibid., 117.152 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 373.153 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 116.154 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 374.

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Page 32: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

5. VESTÍGIOS TOPONÍMICOS DA PRESENÇA

MUÇULMANA

Após a terminação da Reconquista portuguesa no século XIII, começou o processo do

repovoamento das terras recém-conquistadas. Os colonos, vindos do Norte, traziam

consigo não apenas a religião, a cultura e o sistema feudal, mas também a sua língua, um

idioma românico que tinha evoluído a partir do latim vulgar, falado nos territórios da antiga

Gallaecia. Esta língua, conhecida mais comumente como português arcaico ou galego-

português155 gradualmente suplantou ambos idiomas antes utilizados no extremo ocidente

da Península, o árabe, dominante nas áreas urbanas, e o moçárabe, a continuição natural do

latim falado na Lusitânia. Este processo não significou, porém, uma liquidação dos

vestígios linguísticos da presença árabe, já que no território do antigo al-Ġarb permaneceu

por algum tempo uma grande comunidade de muçulmanos e moçárabes que naturalmente

interagiram com os novos povoadores.156

Já mencionámos o grande número de empréstimos árabes que sobrevivem na língua

portuguesa e que, segundo algumas estimativas, formariam em torno de 25 por cento do

155 Castro, I.: Introdução à História do Português, pág. 73.156 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 456.

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Page 33: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

vocabulário da língua portuguesa antes da sua relatinização durante o período da

Renascença.157 No entanto, a vitalidade desta contribuição lexical na língua contemporânea

é muito variável, pois muitos vocábulos de origem árabe já se tornaram obsoletos (por

exemplo acedrenchado, aljuba, alpergata etc.158). Portanto, é a contribuição toponímica do

árabe, que podemos considerar como muito mais duradoura e não-limitada pelas mudanças

na realidade social ou cultural.

A história da investigação sistemática da toponímia árabe em Portugal remonta aos

finais do século XVIII, quando foi publicada a primeira obra dedicada a esta matéria foi o

livro Vestigios da lingoa arabica em Portugal, escrito por João de Souza159 e publicado

novamente em 1830.160 Deixa, contudo, muito a desejar, particularmente na área da

etimologia. Outro maior trabalho dedicado aos nomes árabes, Toponímia árabe de

Portugal, foi publicado só no ano 1902 na Revue Hispanique pelo professor David de Melo

Lopes,161 o primeiro autor que estudou a toponímia árabe peninsular em bases

rigorosamente científicas.162 Este e alguns outros estudos deste autor sobre a toponímia

árabe e moçárabe foram em 1968 organizados por José Pedro Machado163 numa colectânea,

sob o título Nomes árabes de terras portuguesas. Esta publicação, que inclui algumas obras

de importância primordial para o estudo da toponímia árabe em Portugal, serviu também

como fonte primária deste trabalho. Das demais publicações que serviram de base para o

nosso trabalho, cabe mencionar o texto Arabismos na toponímia lisboeta164 de José Pedro

Machado.

5.1. Classificação etimológica dos topónimos árabes

Um facto que infelizmente dificulta a reconstrução dos topónimos árabes na sua

forma original é a escassez de fontes árabes para o território do Ocidente, à diferença das

157 Houaiss, A.: As Projeções da Língua Árabe na Língua Portuguesa [online]. 1986 [cit.2010-12-18]. Disponível em: <http://www.hottopos.com/collat7/houaiss.htm>.158 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 27.159 João de Souza (1730/35-1812), frade e célebre arabista.160 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas. Lisboa: Sociedade de Lingua Portuguesa e Círculo David Lopes, 1968, pág. 19.161 David de Melo Lopes (1867-1942), professor na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e especialista de língua e literatura árabe.162 Piel, J. M.: Aspectos da Toponímia Pré-árabe ao Sul do Tejo. Boletim de Cultura da Câmara Municipal de Évora, nº 59, 1976, pág. 44.163 José Pedro Machado (1914-2005), arabista e historiador da língua portuguesa. 164 Machado, J. P.: Arabismos na toponímia lisboeta. Lisboa: Sociedade da Língua Portuguesa, 1992.

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Page 34: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

regiões centrais da Península. Como menciona o professor Melo Lopes: “Evidentemente

nunca poderemos haver (sic) tantos textos árabes quantos seriam precisos para estabelecer

as origens da nossa toponímia”.165

Entre os textos árabes relativos à geografia do Portugal muçulmano, os da maior

importância são sobretudo as obras de al-Idrisi, Ibn Ghalib166, al-Himyari167 e al-Razi.168

Dos demais autores merecem aqui registo dois autores do século XIII, Yaqut al-Hamawi e

Ibn Sa’id al-Maghribi, cujos relatos sobre o ocidente peninsular foram só recentemente

traduzidos em integridade para o português.169

A escassez de textos árabes que possam ajudar na interpretação etimológica dos

topónimos é ainda mais evidente no caso de localidades rurais e, por consequência, de

menor importância histórica, o que confirmam com as seguintes palavras os autores de um

estudo recente, no contexto da toponíma algarvia:

“A atestação destes topónimos em fontes islâmicas ou portuguesas medievais é rara. Não são, na sua maior parte, lugares com estatuto político-administrativo ou relevância geográfica que justifiquem a sua menção documental. Trata-se de topónimos viários, relativos à denominação dos caminhos, ou de topónimos de vizinhança, isto é, de lugares indicadores de percurso cuja designação, dispondo-se da chave interpretativa, revela a respectiva função: defensiva, religiosa, de aguada, aprovisionamento ou apoio ao viajante e assentamento rural.”170

Dado que as fontes históricas não constituem um recurso suficiente para podermos

estabelecer as etimologias de muitos topónimos e que a sua forma árabe pode estar opaca

também por causa da evolução fonética posterior, torna-se indispensável o conhecimento

dos factores extra-linguísticos que motivaram as criações toponímicas, sobretudo das

características físicas do território e das suas formas de ocupação.171

165 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 22.166 Muhammad bin Ayyub al-Gharnati ibn Ghalib (o século XII), geógrafo e historiador granadino. Escreveu o livro Farhat al-anfus fi ta’rikh al-andalus, preservado em fragmentos.167 Muhammad ibn Abd al-Mun’im al-Himyari (o século XV), natural de Ceuta, jurista e o autor da obra Kitab al-Rawd al-Mi’tar fi Khabar al-Aqtar, onde reuniu relatos diversos de conteúdo geográfico e histórico, referentes à África do Norte e à Península Ibérica.168 Abu Bakr Ahmad ibn Muhammad al-Razi (888-955), historiador muçulmano, nascido em Córdova. Compôs a obra Akhbar Muluk al-Andalus. Atribuía-se-lhe tradicionalmente a autoria do texto conhecido como Crónica do Mouro Rasis, traduzido para o português nos séculos XIII-XIV, mas trata-se de uma compilação do século XII. 169 Rei, A.: O Gharb al-Andalus em dois geógrafos árabes do século VII/XIII: Yâqût al-Hamâwî e Ibn Sa'îd al-Maghribî [online]. Revista Medievalista, nº 1, 2005, pág. 2 [cit. 2011-01-06]. Disponível em:<http://www.fcsh.unl.pt/iem/medievalista/MEDIEVALISTA1/PDF/GHARB%20AL%20ANDALUS%20pdf.pdf>.170 Fernandes, M.A., Khawli. A., Silva, L.F. da: A viagem de Ibn Ammâr de São Brás a Silves [online]. São Brás de Alportel: Câmara Municipal, 2007, pág. 44 [cit. 2011-01-10]. Disponível em:<http://www.arkeotavira.com/Estudos/texto-ibn-ammar-finalR.pdf>.171 Ibid., pág. 45.

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Page 35: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

No âmbito do nosso trabalho, procurámos concentrar-nos, em benefício da brevidade,

apenas nos topónimos de etimologia clara (por exemplo: Almançor, Almedina, Alverca,

Fátima) ou generalizadamente aceite (por exemplo: Algueirão, Arrifana, Azoia, Marvão),

excluindo aqueles cuja origem permanece sujeita a conjecturas.

Para classificar os nomes locais de origem árabe do ponto de vista etimológico,

podemos adoptar o método do Prof. Melo Lopes, que estabelece entre eles três classes

gerais172:

1) Os nomes comuns, tornados nomes próprios de povoações.

2) Os nomes de pessoas, convertidos em nomes geográficos.

3) Os nomes geográficos de localidades de países islâmicos, transplantados para

o território de Portugal.

A estas categorias ainda acrescentaremos a quarta, que inclui os topónimos que não

têm etimologia árabe, mas aludem à presença histórica dos muçulmanos numa dada

localidade.

5.1.1. Nomes comuns

Os topónimos formados a partir de nomes comuns são incontestavelmente a categoria

mais numerosa na toponímia árabe de Portugal. Podem resultar sobretudo das condições do

terreno, flora, da presença de templos, pontes e outros tipos de estructuras, unidades

administrativas etc.

Os topónimos que pertencem a esta categoria subdividimos, segundo a sua

etimologia, nas seguintes subcategorias básicas173:

1) Condições do terreno e formações naturais

Alcárcova (“fosso, vala”), Alcúdia (“colina, cabeço, montículo”), Alferrarede (“cascatas”), Alfurja (“buraco, fenda”), Algar (“cova, gruta”), Algés (“gesso”), Aljezur (“ilhas, penínsulas"), Almargem (“pastagem, prado”), Almegue (“vau de um rio”), Almeida (“planura, outeiro”), Almeijoafas (“côncava”), Alqueidão (“tufo calcário”), Arraçário (“cabeça, elevação de terreno entre dois vales”),

172 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 27-28.173 A lista completa dos topónimos recolhidos está incluída no apêndice.

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Page 36: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

Arrife (“parte da terra que está à beira da água, onde existem verdura, água e cultura, flanco da montanha”), Loulé174 (“a alta, a altura”), Xarca (“fenda, terreno despenhado e apertado”)

2) Cursos de água e sítios de aguada Albufeira (“lago”), Algodor (“ribeiros, riachos”), Algudi (“ribeiro, riacho ou lago de águas estagnadas”), Alverca (“lagoa”), Assacaias (“regueiro”), Odesseixe (do étimo wād, „rio“)

3) Fauna Alcolena (“coelhos”), Zêzere (“cigarra”)

4) Flora Adiça (“espécie de junco”), Alcamim (“hortaliça”), Alcolura (“esgalho de cacho”), Alecrim, Alfarrobeira, Alfeizirão (“cana, canavial”), Almaraz (“parreira”), Almeirão (“planta, espécie de chicória”), Árgea (“cedral”), Arroz (“arroz”), Assumar (“junco, junqueira”), Azeitão (“azeitona, olival”), Arrifana (“murta”), Azambuja (“oliveira brava”), Laranjeira, Queluz (“vale da amendoeira”)

5) Estructuras humanas Açouge (“mercado”), Açude (“barreira, tudo o que forma obstáculo entre duas coisas”), Alcaçarias (“bazar, casa grande rodeada de pórticos”), Alcácer (“castelo, casa que atinge grande altura“), Alcáçova (“citadela”), Alcainça (“igreja”), Alcântara (“ponte, parte elevada de um edifício”), Alcalá (“castelo”), Alcoentre (“ponte pequena”), Alfama (“termas, fonte de água quente”), Alfândega (“estalagem, hospedaria”), Alfofa (“porta do postigo”), Almada (“mina, mineral”), Almagede (“mesquita“), Almancil (“estalagem”), Almares (“ancoradouros”), Almazém (“lugar onde se conservam, depositam objectos”), Almixaris (“secadouro”), Almocavar (“cemitério”), Almodôvar (“edifício ou casa redonda”), Almuinha (“casal, herdade”), Alvalade (“estrada, caminho empedrado”), Alvor (“poço”), Alvorge (“pequeno forte, torre”), Arrábida (“convento fortificado”), Arracefe (“calçada, caminho pavimentado”), Asno (“castelo”), Atafona (“moinho”), Atalaia (“sentinela, vigia”), Azinhaga (“rua estreita”), Azoia (“ermida”), Borratém (“poço da figueira”), Chafariz (“cisterna, bebedouro”), Couço (“arco”), Cuba (“pequena torre, cúpula”), Safas (“valado, sebe”)

174 Alguns autores propõem para este nome uma etimologia românica do latim vulgar Olia (“oliveira”). Fernandes, M.A., Khawli. A., Silva, L.F. da: A viagem de Ibn Ammâr de São Brás a Silves [online], pág. 56 [cit. 2011-01-12].

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Page 37: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

6) Povoações Alcaria (“aldeia, povoado rural de tipo disperso”), Aldeia (“propriedade fundiária, povoação rústica”), Almedina (“cidade, zona nuclear de aglomerado habitacional”), Almofala (“arraial, aldeia”), Arrabalde (“subúrbios”)

7) Nomes de profissões Adelas (“corrector, leiloeiro”), Alcaide (“conductor”), Alfafar (“oleiro”), Alfaiates, Alferes (“cavaleiro”), Algibebes (“vendedor de aljubas”), Almotacé (“funcionário encarregado da inspecção dos pesos, preços e medidas”), Almoxarife (“inspector, supervisor”), Alvaiázere (“falcoeiro”), Arrais (“patrão de barco”), Azemel (“almocreve”)

8) Objectos do cotidiano Açucenas (nome de unidade de sūsān - lírio), Alcochete (“forno”), Alfinete (“instrumentos para furar, palitos”), Azenha (“roda de irrigação”), Fangas (“medida de cereais, carvão e sal”), Nora , Xadrez

8) Nomes metafóricos Alpeidão (“as brancas”, nome de um escolho), Lafões (“dois irmãos”, nome de dois castelos fronteiros)

8) Nomes que apontam a localização geográfica

Albarrã (“de fora, exterior, camponês”, nome de uma torre), Algarve (“Ocidente”), Almogreve (“Ocidente”)

A análise desta seleçcão de nomes testemunha claramente a significativa contribuição

dos Árabes ao desenvolvimento urbano e económico durante a sua presença na Península,

agudamente contrastante com a decadência geral na época precedente.175 À diferença dos

Visigodos, que não tinham como um povo pastoril as experiências necessárias para manter

a produção agricultural e a ordem administrativa ao nível que tinham alcançado no período

romano, os Árabes reconstruíram as decaídas cidades (Almedina), cercadas de novos

subúrbios (Arrabalde). No centro das cidade edificaram fortalezas (Alcáçova), onde residia

o governador militar (Alcaide), e que serviam como lugar central da defesa do aglomerado

urbano.176 Para as cidades muçulmanas era típica a posição central da mesquita (Almagede)

e do mercado (Açouge). Além da considerável beneficiação arquitectónica (Alcaçarias,

Alfama, Almodôvar, Arracefe, Azinhaga, Cuba), a época islâmica é um tempo em que

175 Kaufmann, H.: Maurové a Evropa: Cesty arabské vědy a kultury, pág. 133.176 Matos, J.L.de.: Lisboa Islâmica [online]. Lisboa: Instituto Camőes, 1999, pág. 7 [cit. 2010-12-20]. Disponível em: <http://cvc.instituto-camoes.pt/conhecer/biblioteca-digital-camoes/doc_download/119-lisboa-islamica-.html>.

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Page 38: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

floresceram intensamente os artesanatos, por exemplo a olaria (Alfafar) ou a alfaiataria

(Alfaiates), assim como o comércio e a administração (Algibebes, Almazém, Almotacé,

Almoxarife, Arrais, Fangas).177

Apesar do peso demográfico da população urbana no ocidente do Andaluz, a vida

económica baseava-se sobretudo na agricultura.178 Para melhorar as tecnicas agrícolas

introduziram os muçulmanos novos engenhos relevantes (Nora, Zenha) e introduziram ou

espalharam o uso de diversas plantas (Alcamim, Alfarrobeira, Alfeizirão, Arroz, Azeitão,

Laranjeira). Como bem nota M.S.A. Conde: “A toponímia arábica sub-regional espraia-se

pela terminologia relativa à paisagem, ao povoamento e às actividades económicas,

primárias e secundárias.”179

Da seguinte maneira relata o Prof. Oliveira Marques o aspecto da paisagem rural no

Portugal muçulmano:

“Todo o país estava coberto de olivais, frequentes vezes à mistura com o trigo. O actual Algarve era então já um dos grandes produtores de figo e amêndoas, objecto de largas exportações. Em redor de cada cidade pomares, acompanhados de fertéis e verdes hortas alimentavam a população local, permitindo algumas exportações também.”180

A paisagem ainda completavam outros resultados da actividade humana como pontes

(Alcântara, Alcoentre), caminhos empedrados (Alvalade181), conventos e ermidas

(Arrábida, Azoia182), estalagens (Almancil) ou minas (Almada) e canteiras donde se extraía

o gesso (Algés), tufo calcário (Alqueidão) e outros minerais.183

177 Kaufmann, H.: Maurové a Evropa: Cesty arabské vědy a kultury, pág. 154.178 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 117.179 Conde, Manuel Sílvio Alves.: Ocupação humana e polarização de um espaço rural do Garb-al-Andalus: o Médio Tejo à luz da toponímia arábica [online]. Revista Arquipélago - História, 2ª série, vol. 2, 1997, pág. 356 [cit. 2010-12-20]. Disponível em:<http://repositorio.uac.pt/bitstream/10400.3/474/1/ManuelSConde_p353-385.pdf>.180 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 154.181 A mesma etimologia têm, provavelmente, os topónimos Vale de Beja, Vale de Bordeira, Vale de Mértola, Vale de Silves, Vale de Sines e Vale da Serra, em que o nome comum valede terá sido segmentado em vale de, numa reinterpretação motivada pela existência dessas palavras no léxico português e pelo timbre semi-fechado da vogal final. Fernandes, M.A., Khawli. A., Silva, L.F. da: A viagem de Ibn Ammâr de São Brás a Silves [online], pág. 62 [cit. 2011-01-11].182 Desconheçemos a razão que levou J. Mattoso a incluir nos seus dados cartográficos algumas localidades que levam estes nomes, de etimologia puramente árabe, na área da toponímia moçárabe (Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 457), já que os vocábulos rābiṭa e zāwiya se referem, segundo as nossas informações, exclusivamente às ermidas e conventos religiosos do Islão (“Zawiyah” in Britannica Online Encyclopedia [online]. 2011 [cit.2011-01-08]. Disponível em: <http://www.britannica.com/EBchecked/topic/656054/zawiyah>. ).183 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 390.

38

Page 39: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

Os dispersos povoamentos rurais (Alcaria, Aldeia, Almofala), pegados às terras de

cultivo, eram administrados pelos alcaides, representantes do poder central que residiam

nas fortificações mais importantes (Alcácer, Alcalá, Alvorge, Asno).184

Além dos nomes de objectos e instituções, em muitos casos desconhecidos ou pouco

habituais até a chegada dos muçulmanos, os Árabes também deixaram vários vestígios

toponímicos relativos a objectos da natureza e detalhes topográficos (Alcúdia, Alfurja,

Algueirão etc.). Interessantes são particularmente os nomes que se iniciam com o prefixo

Ode- ou Odi-, formados a partir da palavra wād, que designava rio ou vale e que podia

indicar a sua navegabilidade. O étimo wād era anteposto ao nome de um pequeno porto em

que a navegabilidade acabava e que se aplicava também ao rio. Após o período islâmico

este étimo chegou a fazer parte dos nomes das localidades.185 Alguns nomes deste tipo,

comum particularmente no Algarve, são Odeáxere, Odeleite, Odelouca, Odesseixe,

Odivelas etc.

Ao examinarmos os topónimos de etimologia árabe, deveríamos tomar uma atitude

cautelosa no que toca à sua datação histórica, porque nem todos estes nomes remontam ao

período islâmico. É sobretudo o caso dos vocábulos que permanecem no português

corrente186. Um bom exemplo é a palavra „aldeia“, de difusão amplíssima no território do

país187. Outros topónimos baseados em nomes comuns que entraram no léxico português

são, por exemplo, Açude, Almoxarife, Alverca, Arrabalde, Atalaia, Azambuja ou Xadrez.

Tratando-se provavelmente em muitos casos de criações toponímicas posteriores ao

período islâmico, testemunham estes nomes a prolongada contribuição da língua árabe na

formação da toponímia de Portugal, embora já por intermédio da língua portuguesa. Os

nomes gerais que permanecem na língua portuguesa, tendo sido frequentemente tornados

topónimos, atestam a profunda penetração do árabe dialectal nas várias camadas da

sociedade andaluz, inclusive no ambiente rural, em que competiu nos últimos séculos do

período islâmico com a língua moçárabe, totalmente ou quase extinta no meio urbano.188

184 Conde, Manuel Sílvio Alves.: Ocupação humana e polarização de um espaço rural do Garb-al-Andalus: o Médio Tejo à luz da toponímia arábica [online], pág. 185 Fernandes, M.A., Khawli. A., Silva, L.F. da: A viagem de Ibn Ammâr de São Brás a Silves [online], pág. 69-70 [cit. 2010-12-20]. 186 Conde, M.S.A.: Ocupação humana e polarização de um espaço rural do Garb-al-Andalus: o Médio Tejo à luz da toponímia arábica [online]. [cit. 2010-12-20]. 187 No território de Portugal registam-se 28 freguesias com este nome ou com as suas variantes. Lista das freguesias [online]. 2005 [cit. 2010-01-05]. Disponível em:<http://www.autarnet.com/pdf/STAPE-LISTA_DAS_FREGUESIAS.pdf>.188 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 375.

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Page 40: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

Um caso interessante é o nome Alcaria, proveniente do árabe al-qarya, que era um

povoado rural de tipo disperso. Durante a transição para o português, este vocábulo mudou

de significado, passando a denominar um habitat rural isolado189, o que explica a existência

de povoações que levam o nome Alcarias, com o sufixo plural românico.190 Embora de uso

muito reduzido no português contemporâneo, encontra-se o nome Alcaria e as suas

derivações (Alcarial, Alcarias, Alcariota) com muitíssima frequência na toponímia.191

Por fim, como um dos melhor conhecidos topónimos árabes em Portugal é preciso

mencionar o nome da província mais meridional do país. O topónimo Algarve provém da

palavra al-ġarb, que significa “o Ocidente”. Como vimos atrás192, este termo geográfico

incluía originalmente o inteiro Ġarb al-Andalus, ou seja, o Ocidente da Península Ibérica,

que compreendía na concepção dos Árabes a maior parte da antiga Lusitânia. Com o

avanço da Reconquista, o território do al-Ġarb foi diminuindo até se tornar reduzido à

actual região do Algarve, o último reduto dos muçulmanos no Ocidente.193 É interessante

que com este topónimo passou à língua portuguesa também o adjectivo algarvio,

proveniente do árabe al-ġarbī (“ocidental, relativo ao ocidente”), um dos raros adjectivos

árabes existentes nesta língua românica.194

5.1.2. Nomes antroponímicos

Como exemplos desta categoria de topónimos árabes traz o professor Melo Lopes os

nomes195:

189 Assim em: Fernandes, M.A., Khawli. A., Silva, L.F. da: A viagem de Ibn Ammâr de São Brás a Silves [online], pág. 62 [cit.2011-01-11]. O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa define o vocábulo alcaria como “casa campestre para guardar instrumentos de lavoura” (“Alcaria”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [online]. 2011 [cit.2011-01-11].).190 Fernandes, M.A., Khawli. A., Silva, L.F. da: A viagem de Ibn Ammâr de São Brás a Silves [online], pág. 62 [cit. 2011-01-12].191 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 123.192 Veja o capítulo 4.1.2.193 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 63. Ao que parece, J. Vallvé supõe o uso do termo al-Ġarb como denominação do Algarve, então compreendido pela kūra de Ossónoba, já na época anterior à Reconquista. No entanto, não apresenta nenhumas informações adicionais que possam corroborar esta suposição. Vallvé, J.: La división territorial de la España musulmana, pág. 182.194 Ribeiro, O.: A formação de Portugal [online]. Lisboa: Ministério da Educação-Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1987, pág. 103 [cit. 2011-01-10]. Disponível em:<http://cvc.instituto-camoes.pt/component/docman/doc_download/112-a-formacao-de-portugal.html>.195 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 28.

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Page 41: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

Faro de Hārūn

Fátima de Fāṭima

Mafamudes de Maḥmūd

Mamede de Muḥammad

Marvão de Marwān

Murça de Mūsā

Soeima de Sulaymān

A esta sequência podemos ainda acrescentar como exemplos os seguintes topónimos

das regiões setentrionais do país196:

Aboadela de Abū ‘Abdallāh

Almançor, Mansores de al-Manṣūr

Almodafa de al-Muẓaffar

Beiúves de Ibn Ayyūb

Maçode de Mas‘ūd

Marame de Maryam

Marou de ‘Umar

Meimão de Maymūn

Moção de Mūsā

Nazes de Nāṣir

Saímes de Sālim

Identificar os muçulmanos cujo nome permaneceu na toponímia portuguesa, pode ser

uma tarefa difícil por causa da já mencionada escassez de textos árabes relativos ao

território do ocidente da Península Ibérica. Não obstante, duas excepções importantes são

os nomes das cidades de Faro e de Marvão. No caso de Faro, julga-se que este topónimo

provenha do nome de ibn Harun197, o primeiro governador da taifa de Santa Maria no

século XI, membro da família Banu Harun198. Quanto ao segundo topónimo, relaciona-se

196 Ferreira, M.S.C.: O Douro no Garb Al-Ândalus: a Região de Lamego durante a presença árabe [online]. Dissertação de mestrado. Universidade do Minho, 2004, pág. 87-104 [cit. 2010-12-20]. Disponível em: <http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/3001>.197 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 58.198 Sa'id ibn Harun (1016-1042).

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Page 42: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

com a figura de Abd ar-Rahman ibn Marwan al-Jilliqi199, governador do al-Ġarb autónomo

no século IX. Além destes dois exemplos, parece razoável estabelecer também uma relação

entre os topónimos Almançor e Mansores e al-Mansur ibn Abi Amir200, célebre político na

época do califado omíada no século X.

Alguns nomes antroponímicos têm origem no patronímico árabe, formado a partir da

palavra ibn ou bin („filho“), acrescentada ao nome do pai. Esta categoria representam, por

exemplo, os topónimos Bencatel e Bensafrim. Da mesma forma são formados vários nomes

tribais, compostos da palavra benī ou banū (“filhos”), e do progenitor da tribo ao que está

acrescentada.201 Como exemplo deste tipo de nomes, abundantes na geografia portuguesa,

podemos citar os seguintes nomes: Bem Amor, Benafim, Benagaia, Benagil, Benalfange,

Benfarras, Bengado.

À categoria dos nomes tribais pertencem também alguns topónimos que não são

formados a partir do patronímico. São, por exemplo, estes do vale do Tejo202:

Alcanena de al-Kināna (tribo de Árabes do norte)

Cains de Qayn (tribo de Árabes iemenitas)

Lobata de Luwāta (tribo de Berberes)

Mistasa de Misṭāsa (tribo de Berberes)

Zorro de Zuhra (tribo de Árabes do norte).

O estudo destes vestígios da presença de grupos tribais é particularmente importante

para o conhecimento da composição étnica do Portugal muçulmano, já que nos podem

servir como indicador da intensidade do povoamento árabe e berbere em várias regiões do

país e complementar assim os relatos de historiadores muçulmanos. O professor Oliveira

Marques oferece as seguintes informações sobre a sua difusão no território de Portugal:

“Tribos berberes e árabes difundiram-se um pouco por toda a parte. A análise dos topónimos começados por Ben- ou Bem- (muitos deles posteriormente latinizados e aportuguesados) revela a abundância desses grupos etno-sociais. Examinando 75 dos mais evidentes, verifica-se que quase uma terça parte se localiza no Algarve, seguido pelos distritos de Beja (15%), Setúbal (12%) e

199 Ferreira, M.S.C.: O Douro no Garb Al-Ândalus: a Região de Lamego durante a presença árabe [online], pág. 88-89 [cit. 2010-01-05].200 Ibid., pág. 88.201 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 170.-171.202 Conde, M. S. A.: Ocupação humana e polarização de um espaço rural do Garb-al-Andalus: o Médio Tejo à luz da toponímia arábica [online], pág. 377-385 [cit. 2010-12-20].

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Page 43: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

Évora (9,5%). Só menos de 10% se situa a norte dos distritos de Lisboa-Santarém-Castelo Branco.”203

Desta maneira, a evidência toponímica testemunha o historicamente atestado

povoamento árabe, concentrado sobretudo no Algarve e no Alentejo.204

No contexto português é notável o topónimo Algoz (do árabe “al-Ġuz”), no concelho

de Silves (distrito de Faro), derivado do nome da confederação tribal turca Oghuz.205 No

território de Portugal é atestada a presença de membros desta etnia em 1191, quando um

grupo participou na reconquista de Silves aos cristãos e possivelmente tenha-se

estabelecido como milícia defensiva nos arredores desta cidade algarvia, ocupando o

espaço que, eventualmente, ficaria com o seu nome sob a forma Algoz.206

5.1.3. Nomes de localidades islâmicas

É a categoria mais rara entre os topónimos recolhidos. O professor Melo Lopes

explica a sua origem como resultado provável da presença de indivíduos provenientes dos

países islâmicos, trazendo os seguintes exemplos207:

Alquerubim de al-Qayruwān (Cairuão, cidade na Tunísia)

Marrocos de Marrākuš (Marrocos ou a cidade de Marraquexe)

Meca de Makka (Meca, cidade na Arábia Saudita)

Ourém de Wahrān (Oran, cidade na Argélia)

Tunes de Tūnis (Tunes, cidade na Tunísia)

Um caso interessante é o nome Almograve, pertencente a uma localidade no distrito

de Beja. Em árabe o termo al-maġrib significa “o Ocidente” e na sua aplicação particular

denomina habitualmente Marrocos, no entanto, no caso do topónimo português conserva

203 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 21.204 Veja o capítulo 2.1.205 Também Oguz (do turco Oğuz). 206 Fernandes, M.A., Khawli. A., Silva, L.F. da: A viagem de Ibn Ammâr de São Brás a Silves [online], pág. 16 e 65 [cit. 2011-01-09].207 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 28.

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Page 44: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

ainda o seu sentido genêrico.208 É questionável se o topónimo Marrocos se refira ao país

homónimo ou à cidade de Marraquexe, que lhe deu nome.209

O nome Ceitil, encontrado na toponímia de Lisboa, provém do adjectivo árabe sebtī,

nome relativo do topónimo Sebta (Ceuta, cidade na África do Norte). Era, inicialmente,

nome comum, designativo da moeda cunhada em memória da conquista de Ceuta pelos

Portugueses, em 1415. O topónimo refere-se, talvez, a algum morador ou proprietário

desse lugar, conhecido por este nome.210

5.1.4. Nomes não-árabes que testemunham a presença histórica de

muçulmanos

Além dos topónimos derivados da língua árabe, deixaram os muçulmanos também

um outro tipo de vestígios toponímicos que aludem à sua presença no território de Portugal.

Nos séculos que se seguiram após a terminação da Reconquista, os muçulmanos foram

reduzindo-se a um grupo pequeno, devido à emigração e à absorção na comunidade

cristã.211 A lembrança da sua presença permaneceu, contudo, na memória da população, o

que reflectem vários topónimos derivados da palavra Mouro, designação de muçulmanos

nos idiomas românicos peninsulares.212 No meio urbano pertencem a este grupo

particularmente as assim chamadas mourarias, ou seja, bairros destinados à moradia de

muçulmanos após a tomada das cidades do al-Ġarb pelos cristãos213, sendo o representante

mais conhecido a Mouraria de Lisboa. Outras localidades com este nome registámos

também nos concelhos de Albufeira, Beja, Caldas da Rainha, Évora, Moura e Tavira. A sua

distribuição geográfica coincide plenamente com a historicamente atestada presença de

208 Ribeiro, O.: A formação de Portugal [online], pág. 125 [cit. 2010-12-20]. O. Ribeiro regista este topónimo como “Almagrave”, afirmando que se encontra no concelho de Aljezur (distrito de Faro). Corrigimos as suas informações, ignorando se se trata de um erro ou de uma simples mudança administrativa e ortográfica.209 Segundo Melo Lopes, deve-se este topónimo ao nome da “Cidade de Marrocos” (Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 28.). J.P.Machado relaciona-o com a possível “presença no local de alguém que tivesse andado por aquela região norte-africana”. Machado, J. P.: Arabismos na toponímia lisboeta. pág. 36.210 Machado, J. P.: Arabismos na toponímia lisboeta, pág. 30.211 Oliveira Marques, A.H. de. História de Portugal: Volume I, pág. 290.212 Veja o capítulo 2.2.213 “Mouraria”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [online]. 2011 [cit.2011-01-11].

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Page 45: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

numerosas comunidades de muçulmanos sob o domínio cristão nos arredores de Lisboa, no

Alentejo e especialmente no Algarve.214

Outros topónimos derivados do termo Mouro são, por exemplo, Poço dos Mouros,

Rua dos Mouros e a Quinta da Mourisca em Lisboa, Castelo dos Mouros e o Rio de Mouro

no concelho de Sintra, Algar dos Mouros no concelho de Loulé, São Martinho de Mouros

no concelho de Resende, Vilar de Mouros no concelho de Caminha, e inúmeros outros

nomes locais através do país. Muitos sítios relacionados com “Mouros”, frequentemente

construções antigas, anteriores ao período islâmico ou até pre-históricas como dólmenes ou

mamoas com antas, estão ligados com lendas e contos populares em que os “Mouros” e as

“Mouras” têm carácter de seres sobrenaturais ou míticos, o que faz suspeitar que se trata de

algumas divindades pré-cristãs, só posteriormente associadas com os invasores

muçulmanos.215

À categoria de nomes que aludem à presença histórica dos muçulmanos pertence

ainda o topónimo Mesquita, designativo de edifício em que os muçulmanos practicam as

suas cerimónias religiosas. Supõe-se que em muitos casos este nome, frequente, sobretudo,

para sul do Tejo, se deva à existência ou à tradição da existência de mesquitas nas

localidades em que se encontra.216 Embora a palavra “mesquita” seja de origem árabe (de

“masǧid”), não passou ao português directamente desta língua, como se deduz pela

presença da oclusiva palatovelar surda [k], no lugar da africada pré-palatal sonora [d ͡ʒ].217

Existem diferentes interpretações acerca da língua transmissora, sugerindo alguns autores a

mediatização do nome através do grego bizantino, arménio ou talvez berbere.218 Na

toponímia registámos, por exemplo, o nome Ponte da Mesquita no concelho de São Brás

de Alportel ou a Rua da Mesquita em Évora. A palavra masǧid, com aglutinação do artigo

árabe al-, será a origem imediata do topónimo Almagede219 no concelho de Santiago do

Cacém e, talvez, do nome Almoçageme no concelho de Sintra.220

214 Oliveira Marques, A.H. de: História de Portugal: Volume I, pág. 290.215 Sarmento, F. M..: A Mourama [online]. Revista de Guimarães, n.º 100, 1990, pág. 343-353 [cit.2011-01-11]. Disponível em: <http://www.csarmento.uminho.pt/docs/ndat/rg/RG100_11.pdf>.216 Machado, J. P.: Arabismos na toponímia lisboeta, pág. 36.217 Ibid.218 Fernandes, M. A., Khawli. A., Silva, L.F. da: A viagem de Ibn Ammâr de São Brás a Silves [online], pág. 65-66 [cit. 2011-01-12].219 Machado, J. P.: Arabismos na toponímia lisboeta, pág. 37.220 Coelho, C.: A ocupação islâmica do Castelo dos Mouros (Sintra): interpretação comparada [online]. Revista Portuguesa de Arqueologia, vol. 3, n.º 1, 2000, pág. 209 [cit. 2011-01-14]. Disponível em: <http://www.igespar.pt/media/uploads/revistaportuguesadearqueologia/3_1/8.pdf>. J. Mattoso regista este topónimo como moçárabe, em contradição à etimologia acima apresentada (Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 457).

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Page 46: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

5.2. Difusão geográfica dos topónimos árabes

Embora não seja possível no âmbito deste trabalho avaliar com precisão a difusão

geográfica dos topónimos árabes em Portugal ou até fazer uma estimativa relativamente ao

seu número total, atreveremo-nos a chegar a algumas concluões com a evidência parcial

que temos à disposição.

Se analisarmos em soma 151 topónimos recolhidos do ponto de vista geográfico,

deixando ao lado os de ocorrência muito frequente, dispersos pelo país, como Alcaria,

Aldeia, Arrabalde, Azenha e Laranjeira, ou os nomes derivados de outros topónimos como

Alcantarilha ou Algueirinho, podemos constatar os seguintes números para cada distrito:

1) Distrito de Lisboa 43 topónimos:

Açucenas, Adelas, Adiça, Albarrã, Alcaçarias, Alcainça, Alcântara, Alcoentre, Alcolena, Alcúdia, Alecrim, Alfaiates, Alfama, Alfândega, Alfarrobeira, Alferes, Alfinete, Alfofa, Alfurja, Algés, Algibebes, Algueirão, Almazém, Almargem, Almoçageme, Almocavar, Almotacé, Alverca, Arraçário, Arrais, Azambuja, Borratém, Ceitil, Chafariz, Fangas, Meca, Nora, Odiana, Queluz, Odivelas, Saloio, Xadrez, Xarca

2) Distrito de Santarém 32 topónimos:

Açougues, Açude, Alcaide, Alcanena, Alcolura, Alferrarede, Algudi, Almares, Almargio, Almegue, Almeirão, Almixaris, Almoxarife, Almuinha, Alvorão, Arrife, Arroz, Asno,Assacaias, Azemel, Azinhaga, Bem Amor, Árgea, Arracefe, Cains, Couço, Fátima, Lobata, Mistasa, Ourém, Safas, Zorro

3) Distrito de Faro 23 topónimos:

Albufeira, Alfeição, Algarve, Algoz, Aljezur, Almancil, Almeijoafas, Alvor, Arrifana, Benafim, Benagaia, Benagil, Benfarras, Bengado, Bensafrim, Loulé, Faro, Mesquita, Odeáxere, Odeleite, Odelouca, Odesseixe, Tunes

4) Distrito de Viseu 13 topónimos:

Aboadela, Almodafa, Almofala, Beiúves, Lafões, Maçode, Moção, Mafamudes, Marame, Marou, Marvão, Nazes, Saímes

5) Distrito de Setúbal 9 topónimos:

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Page 47: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

Alcácer do Sal, Alcochete, Almada, Almagede, Almaraz, Alpeidão, Alvalade, Arrábida, Azeitão

6) Distrito de Beja 6 topónimos:

Algodor, Almodôvar, Almograve, Atafona, Cuba, Marrocos

7)Distrito de Castelo Branco 5 topónimos:

Alcains, Alcamim, Algar, Isna, Meimão

8) Distrito de Leiria 5 topónimos:

Alfeizerão, Alqueidão, Alvaiázere, Alvorge, Azoia

9) Distrito de Évora 5 topónimos:

Alcalá, Alcárcova, Alcáçovas, Benalfange, Bencatel

11) Distrito de Aveiro 3 topónimos:

Almançor, Alquerubim, Mansores

12) Distrito de Portalegre 2 topónimos:

Assumar, Mamede

13) Distrito de Guarda 2 topónimos:

Almeida, Murça

14) Distrito de Coimbra 2 topónimos:

Alfafar, Almedina

15) Distrito de Bragança 1 topónimo:

Soeima

Visto que os dados toponímicos que foram utilizados para este trabalho foram

suficientemente extensos somente no caso dos distritos de Lisboa e Santarém, em

detrimento das demais regiões, seria imprudente fazer uma estimativa acerca da divulgação

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Page 48: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

dos nomes árabes apenas em base destes números. Sem embargo, felizmente dispomos de

outra evidência que os até certo grau completa. Segundo o mapa incluído no livro The

Individuality of Portugal do professor D. Stanislavski221, o número de topónimos árabes e

arabizados por 1000 km² em vários distritos de Portugal é222:

1) Distritos de Faro, Lisboa e Beja:

10.1-20.0 nomes por 1000 km²

2) Distritos de Évora, Setúbal, Santarém, Leiria, Coimbra e Aveiro:

5.1-10.0 nomes por 1000 km²

3) Distritos de Viseu e Guarda:

3.9-5.0 nomes por 1000 km²

4) Distritos de Portalegre e Castelo Branco:

2.9-3.8 nomes por 1000 km²

5) Distritos de Porto, Braga e Viana do Castelo:

1.9-2.8 nomes por 1000 km²

6) Distritos de Vila Real e Bragança:

1.1-1.8 nomes por 1000 km²

Como podemos observar, estes dados correspondem num grau considerável não só

com a anteriormente reproduzida lista dos nomes recolhidos, mas também com o nosso

conhecimento da situação demográfica no Portugal muçulmano em que a maior parte da

população se concentrava no Algarve, no vale do Tejo, na região de Lisboa e Setúbal e em

alguns sítios do Alentejo, de maneira que estas áreas também indicam a maior

concentração de topónimos árabes. Do mesmo modo, estes dados não contradizem às já

mencionadas informações sobre os vestígios toponímicos de tribos árabes e berberes, que

221 Dan Stanislavski (1903-1997), professor da Universidade do Texas de 1949 a 1962 e da Universidade do Arizona de 1963 a 1973.222 Stanislawski, D.: The Individuality of Portugal: A Study in Historical-political Geography [online], Charts: Figure 14 [cit. 2010-12-21]. O mapa está incluído no apêndice deste trabalho.

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Page 49: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

sugerem uma maior difusão destes elementos étnicos no Algarve e nos distritos de Beja,

Setúbal e Évora.

Quanto à relativa escassez de nomes árabes nos distritos alentejanos de Beja, Évora e

Portalegre, em comparação com os distritos vizinhos, parece ser surpreendente numa

região que foi definitavamente reconquistada pelos cristãos só no século XIII, e pode

levantar dúvidas acerca do valor informativo dos dados recolhidos para a região do

Alentejo. No entanto, J.M.Piel223 confirma este facto, oferecendo também algumas

explicações possíveis:

„Evidentemente que não podem faltar nomes árabes, mas estes não desempenham, principalmente no Alentejo, o papel que seria de esperar numa região submetida ao domínio muçulmano durante quatro séculos e meio, e mais sendo menos numerosos, p. ex. que no Ribatejo. É verdade que o Ribatejo e a região ao norte de Lisboa deveriam oferecer desde sempre um povoamento mais denso e consequentemente maior cópia de nomes de lugar, mas não é menos certo que a proporção dos arabismos do léxico comum regional alentejano e algarvio se revela sensivelmente superior à dos arabismos toponímicos. Será, pois, legítimo concluir que deveria ter havido em muitos casos uma substituição, espontânea ou intencional, de denominações primitivamente árabes por novas denominações portuguesas.“224

O que pode captar a nossa atenção é a numerosa ocorrência de topónimos árabes nas

regiões setentrionais, sobretudo nos distritos de Viseu e Guarda. Embora estas áreas

tenham estado na posse dos muçulmanos por menos tempo do que as regiões a sul do

Tejo225, para o centro e o norte do país vinham vagas successivas de moçárabes que traziam

consigo também alguns elementos da cultura árabe que haviam assimilado. Estas

migrações foram particularmente intesas nas décadas centrais do século IX.226 Além dos

moçárabes vinham para o Norte vários muçulmanos renegados ou captivos, reduzidos à

condição servil.227 Como vestígios da sua presença deixaram topónimos derivados dos

nomes das localidades do Sul donde tinham vindo, por exemplo Coimbrões, Cordoveses,

ou os que apontam para a sua origem étnica (melhor dito religiosa), como Vilar de Mouros

ou Sarracenos, e sobretudo vários nomes antroponímicos de origem árabe, por exemplo

Beiúves, Meimão Moção etc.228 Segundo os dados de O.Ribeiro, registam-se no noroeste do

país, particularmente nos distritos de Porto, Braga, Aveiro, Viseu e Vila Real, ao todo, 267

223 Joseph M. Piel (1903-1992), filólogo e linguista alemão.224 Piel, J. M.: Aspectos da Toponímia Pré-árabe ao Sul do Tejo, pág. 44.225 O Porto e Braga foram reconquistadas pelos cristãos cerca de 868, Lamego em 1057 e Viseu em 1058.226 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 456.227 Ribeiro, O.: A formação de Portugal [online], pág. 96 [cit. 2010-12-20].228 Ferreira, M.S.C.: O Douro no Garb Al-Ândalus: a Região de Lamego durante a presença árabe [online], pág. 87-104 [cit. 2010-12-20].

49

Page 50: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

topónimos relativos à presença dos muçulmanos e moçárabes.229 Com as seguintes palavras

comenta O. Ribeiro a contribuição toponímica destes grupos religiosos nas regiões

setentrionais do país:

„Esta densidade, à primeira vista, poderia parecer significativa de um repovoamento mais intenso; mas como ocorre, por um lado, na região mais povoada do país, por outro lado na de maior disseminação e, portanto, de maior número de lugares, todos os grupos de topónimos que apareçam com certa frequência têm aí sempre larga (ou a mais larga) representação. (…) A toponímia arábica do Noroeste indica um afluxo modesto de povoadores numa região onde só se falavam os dialectos romances; por isso ela está apenas representada pelos nomes próprios que eles trouxeram. A toponímia arábica do Sul tem outra fisionomia: além de mais densa, compreende, como o vocabulário comum da mesma origem, grande variedade de sentidos.“230

Os dados do professor Stanislawski mostram que densidade da toponímia árabe e

arabizada em Portugal é notável até no contexto peninsular, sendo a densidade de nomes

árabes no Algarve, Alentejo e Estremadura igual àquela nas regiões espanholas mais

marcadas pela presença dos Árabes como o sudeste da Andaluzia, Comunidade Valenciana

ou as Ilhas Baleares, superando as demais áreas da Península.231

5.3.Características fonéticas dos topónimos árabes

O português e o árabe, duas línguas que entraram aleatoriamente em contacto após o

século VIII, tendo origem em famílias linguísticas distintas, possuem um sistema fonético

bastante diferente. Por isso não é de surpreender que durante a transição de uma língua

para a outra, os topónimos de origem árabe tenham sofrido várias adaptações fonéticas,

causadas pelo seu aportuguesamento posterior.232

Um problema específico, encontrado durante a escrita deste trabalho, foi a

transliteração fonética de palavras árabes que apresenta várias dificuldades. A língua árabe,

escrita num alfabeto próprio, possui numerosos sons inexistentes no português e na maioria

das línguas indo-europeias e consequentemente têm sido desenvolvidos vários sistemas de

tranliteração que procuram resolver este problema, reproduzindo os sons árabes com

229 Ribeiro, O.: A formação de Portugal [online], pág. 97 [cit. 2011-01-08].230 Ibid., pág. 98.231 Stanislawski, D.: The Individuality of Portugal: A Study in Historical-political Geography [online], Charts: Figure 14 [cit. 2010-12-21].232 Fernandes, M.A., Khawli. A., Silva, L.F. da: A viagem de Ibn Ammâr de São Brás a Silves [online], pág. 44 [cit.2011-01-11].

50

Page 51: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

exactidão. A maior difusão e aceitação parece ter o DIN 31635, adoptado pelo Deutsches

Institut für Normung (Instituto Alemão para Normatização) em 1982, e utilizado neste

trabalho maioritariamente. No entanto, muitos autores não observam esta norma, nem

utilizam o Alfabeto fonético internacional (International Phonetic Alphabet, IPA), e

frequentemente reproduzem os vocábulos árabes numa forma simplificada e de maneira

pouco sistemática, o que dificulta consideravelmente a identifição e reprodução fonética

destes vocábulos.233 Na seguinte descrição fonética combinaremos os dois sistemas de

transcrição, utilizando o DIN 31635 para a reprodução de vocábulos inteiros e o IPA para

os sons individuais entre colchetes.234

Como os nomes locais de origem árabe preservados em Portugal foram transmitidos

aos falantes do português por intermédio dos falantes do árabe andaluz, que era a língua

espontaneamente utilizada na vida quotidiana, à diferença do árabe padrão (clássico),

restringido ao uso administrativo e literário, é natural que apresentem na sua forma

características deste árabe dialectal. Atenderemos, portanto, a este facto quando for útil,

com base nas informações recolhidas por A.S.M. Zayed.235

5.3.1. Sistema vocálico

Em comparação com o português, o sistema vocálico do árabe clássico é

relativamente limitado, consistindo de três vogais curtas [a], [i], [u], três longas [a:], [i:],

[u:] e dois ditongos [aj], [aw]. Este sistema foi herdado pelo árabe dialectal, mesmo se

fosse com algumas modificações.

1. [a] (vogal central fechada)

O fenómeno que afectou profundamente o sistema vocálico do árabe andaluz e

deixou, portanto, os seus traços também na toponímia foi o imāla, ou seja, a frequente

palatalização do longo [a:], que passa a ser pronunciado como [e:] ou menos

frequentemente como [i:]. Esta mudança não se realizava num contexto consonântico velar

ou faringal e ocasionalmente na vizinhança de [r], [l] e [w]. Na toponímia portuguesa 233 Por exemplo: a transliteração de [tˤ] e [t] como t, [ɣ] como g etc.234 A tabela comparativa entre estes dois sistemas de transcrição fonética está incluída no apêndice.235 Zayed, A. S. M. Datos dialectales andalusíes (gramaticales y léxicos) en algunos documentos tardíos granadinos y moriscos [online], pág. 48-67 [cit. 2010-12-14].

51

Page 52: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

podemos observar os efeitos do imāla em vários nomes locais, por exemplo: Açucenas,

Alcanena, Alferes, Almeida, Azemel, Azenha, Loulé, Queluz, provenientes das formas do

árabe padrão as-sūsāna, al-kināna, al-fāris, al-mā’ida, az-zammāl, as-sāniya, al-‘ulyā e qā

al-lūz.

No geral, constatamos a conservação do [a] curto, que não sofre mudanças ao passar

ao português: Alcalá, Alcaria, Alfama, Azambuja, provenientes de al-qal‘a, al-qarya, al-

ḥamma, az-zanbūǧa.

Um facto notável é a preservação do [a] inicial do artigo al-, abundante na toponímia

árabe de Portugal, à diferença dos dialectos árabes do noroeste da África, em que é comum

a aférese da vogal inicial236: Alferes, Algueirão, Almofala, Almargem, Alvalade, de al-fāris,

al-ġeyrān, al-maḥalla, almarǧ, al-balāṭ, embora também tenhamos registado casos

contrários: Lafões, Lezíria, Loulé, de al-’aḫwān, al-ǧazīra, al-‘ulyā.

2. [i] (vogal anterior fechada)

Sabemos que esta vogal podia converter-se em [e] no árabe andaluz.

Nos topónimos recolhidos estão representadas ambas as variantes: Alecrim, Alfurja,

Almagede, Almoxarife, Alverca, Arrábida, Arrife, Ceitil, de al-’iklīl, al-furǧa, al-masǧid,

al-mušrīf (ou al-mušārif237), al-birka, ar-rābiṭa, ar-rīf, sebtī.

As formas Alvor, Alvorão, Borratém, de al-būr, al-būrān, būr at-tīn, devem-se à

existência da palavra būr no árabe dialectal, no lugar da forma clássica bi’r.238

3. [u] (vogal posterior fechada)

Podia converter-se em [o] no árabe andaluz.

Na toponímia encontrámos exemplos de ambas as realizações fonéticas: Açougues,

Albufeira, Almançor, Almotacé, Almoxarife, Almuinha, Alvorge, Arroz, Couço, Cuba,

236 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 25.237 Segundo M. Nimer, a palavra almoxarife provém de al-mušārif, uma variante dialectical do clássico al-mušrif (Nimer, M.: Influências Orientais na Língua Portuguesa [online], pág. 141 [cit.2011-01-06].) No entanto, a primeira forma, registada por D. Oliver, parece mais plausível, já que na palavra portuguesa o acento está na penúltima sílaba, dificilmente explicável se proviesse do étimo al-mušārif (Oliver, D.: Los arabismos del "Libro conplido" y otras huellas árabes [online]. Anuario de lingüística hispánica, vol. 21-22, 2005-2006, pág. 85 [cit. 2011-01-06]. Disponível em: <http://www.anuarioling.files.wordpress.com/2008/12/02_oliver1.pdf>.)238 Fernandes, M.A., Khawli. A., Silva, L.F. da: A viagem de Ibn Ammâr de São Brás a Silves [online], pág. 70 [cit.2011-01-06].

52

Page 53: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

Lobata, de as-sūq, al-buḥayra, al-Manṣūr, al-muḥtasib, al-mušrīf (ou al-mušārif), al-

munya, al-burǧ, ar-ruz, qūs, qubba, Luwāta.

4. Ditongos

O dialecto andaluz conservou, de maneira geral, os ditongos [aw], [aj], embora

existissem também casos de monotongação. Durante a transição para o português converte-

se o ditongo [aj] frequentemente em [ej]: Albufeira, Azeitão, de al-buḥayra, az-zaytūn. Em

alguns casos é o som [ej] na palavra portuguesa resultado da ditongação da vogal [e] ou [i]

do árabe dialectal: Alpeidão, de al-bīḍān.

5.3.2. Sistema consonântico

À diferença das vogais, o sistema consonântico do árabe é consideravelmente mais

complexo do que o português. Por esta razão, podemos observar nos topónimos árabes uma

simplificação consonântica no caso dos sons que não existiam na língua portuguesa e

portanto foram substituídos pelos sons mais próximos.

1. [b] (oclusiva bilabial sonora)

Na toponímia registámos vários casos de preservação deste som: Algibebes,

Arrabalde, Arrábida, Azambuja, Borratém, de al-ǧabbāb, ar-rabāḍ, ar-rābiṭa, az-zanbūǧa,

būr at-tīn. Frequentemente converteu-se o [b] na fricativa labiodental sonora [v], sobretudo

depois da aproximante lateral alveolar [l]: Alcáçova, Algarve, Almocavar, Alvaiázere,

Alvalade, Alverca, Alvorge, Tavira239, de al-qaṣba, al-ġarb, al-maqabar, al-bayāz, al-balāṭ,

al-birka, al-burǧ, ṭabīra, embora tenhamos encontrado também algumas excepções a esta

regra: Albufeira, Albarrã, de al-buḥayra, al-barrān.

2. [f] (fricativa labiodental surda)

239 Topónimo provavelmente de origem pre-árabe. Ciberdúvidas da Língua Portuguesa [online]. 1997 [cit.2011-01-04]. Disponível em: <http://www.ciberduvidas.com/pergunta.php?id=407>.

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Page 54: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

Como existia este som também no sistema consonântico da língua portuguesa,

preservou-se nos topónimos em que se encontrava: Alfurja, Arracife, Arrife, Fátima, Safas,

de al-furǧa , ar-raṣīf, ar-rīf, Fāṭima, ṣaff.

3. [m] (bilabial nasal sonora)

Na maioria dos casos não sofreu este som mudanças durante o processo do

aportuguesamento: Alfama, Almedina, Almixaris, de al-ḥamma, al-madīna, al-manšar.

Uma excepção são os finais de sílaba, em que cai e nasaliza a vogal anterior, em

conformidade com a evolução fonética da língua portuguesa: Alcamim, de al-qamīm.

4. [w] (constritiva bilabial)

Dentro da palavra pode estar substituída pela fricativa labiodental sonora [v]:

Almodôvar, Marvão, de al-mudawwar, Marwān, elidida: Azoia, Saloio, de az-zāwiya,

ṣaḥrāwī (através da forma dialectal ṣaḥrōī240), converter-se na vogal [o], como no caso de

muitos topónimos derivados do árabe wād, em que se monotonga o ditongo crescente [wa]:

Odiana, de wādī yāna, e converter-se na oclusiva bilabial sonora [b]: Lobata, de Luwāta.

5. [t] (oclusiva dental surda)

É um som corrente na língua portuguesa. Por consequente, observamos a sua

preservação na maioria dos topónimos árabes: Almotacé, Azeitão, Borratém, Ceitil, de al-

muḥtasib, az-zaytūn, būr at-tīn, sebtī.

6. [d] (oclusiva dental sonora)

Não sofreu mudanças fonéticas: Alcaide, Alfândega, Almeida, Almedina, Odiana, de

al-qā’id, al-funduqa, al-mā’ida, al-madīna, wādī yāna.

7. [tˤ] (oclusiva dental velarizada surda)

240 Machado, J. P.: Arabismos na toponímia lisboeta, pág. 40.

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Page 55: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

Como uma das consoantes enfáticas241 do árabe, não existe na língua portuguesa. Na

toponímia observamos a sua substituição pela oclusiva dental surda [t] ou pela oclusiva

dental sonora [d], particularmente em posições intervocálicas: Alcântara, Alvalade,

Arrábida, Atafona, Fátima, Tavira, de al-qanṭara, al-balāṭ, ar-rābiṭa, aṭ-ṭāḥūna, Fāṭima,

ṭabīra.

8. [n] (alveolar nasal sonora)

Pode ter várias realizações fonéticas: manter-se, por exemplo em: Alcântara, Atafona,

Almançor, Almedina, Arrifana, de al-qanṭara, aṭ-ṭāḥūna, al-Manṣūr, al-madīna, ar-rīḥāna,

converter-se numa vogal nasal em fim de sílaba: Albarrã, Algueirão, Azeitão, Borratém,

Marvão, de al-barrān, al-ġeyrān, az-zaytūn, būr at-tīn, Marwān, cair e desaparecer por

completo após a desnazalização da vogal: Faro, de Hārūn (através das formas intermédias:

Haron Farom Fárão Faro242), e, por fim, converter-se na palatal nasal [ɲ] na

vizinhança do som [j]: Azenha, de as-sāniya.

9. [r] (alveolar vibrante)

Assim como no português, podia ser pronunciado como vibrante múltipla ou simples

na língua árabe. Não observamos, portanto, mudanças significativas nas formas

portuguesas: Alcaria, Almargem, Arrabalde, de al-qarya, al-marǧ, ar-rabāḍ.

10. [θ] (alveolar fricativa surda)

Às vezes convertia-se em [t] no árabe andaluz. Talvez a este facto se deva a sua

ausência nos topónimos examinados.

11. [ð] (fricativa alveolar sonora)

Não tendo equivalente na língua portuguesa, converteu-se, no geral, na oclusiva

dental sonora [d], com que se confundia já no árabe dialectal. Como único exemplo de

241 [tˤ], [dˤ], [sˤ], [q], [ðˤ] e [zˤ].242 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 49.

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Page 56: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

topónimo com este som encontrámos o nome Alcabideche, de al-qibḏāq. Trata-se, contudo,

de um nome de origem pre-árabe.243

12. [dˤ] (oclusiva dental sonora velarizada)

Um som ausente no sistema fonético do português. Converte-se na oclusiva dental

sonora [d]: Aldeia, Alpeidão, Arrabalde, de aḍ-ḍay’a, al-bīḍān, ar-rabāḍ. Quando está

precedido da vogal [a], insere-se antes da oclusiva dental a consoante epentética [l]:

Aldeia, Arrabalde, de aḍ-ḍay’a, ar-rabāḍ.

13. [ðˤ] (Fricativa interdental sonora)

Confundía-se com a oclusiva dental [dˤ] no árabe andaluz.

Nos topónimos examinados registámos apenas um caso da ocorrência deste som, em

que o [ðˤ] converteu-se na oclusiva dental sonora [d]: Almodafa, de al-Muẓaffar.

14. [s] (fricativa predorsal surda)

Na maioria dos topónimos examinados não sofreu mudanças fonéticas: Açougues,

Almotacé, Arraçário, Ceitil, de as-sūq, al-muḥtasib, ar-rās, sebtī. Quando geminada podia

converter-se na fricativa alveolar sonora [z]: Azenha, de as-sāniya. É notável que os

grafemas c e ç, utilizados no caso dos topónimos árabes para a fricativa predorsal, ainda

representavam a africada dental [ts] na grafia do português arcaico.244

15. [z] (fricativa alveolar sonora)

Manteve-se nos topónimos recolhidos: Aljezur, Arroz, Azemel, Azoia, Azinhaga,

Queluz, Zorro, de al-ǧuzur, ar-ruz, az-zammāl, az-zāwiya, az-zinayqa, qā al-lūz, Zuhra.

243 Fuentes, A.G. de.: Toponimia: Mito e Historia [online]. Madrid: Real Academia de la Historia, 1996, pág. 46 [cit. 2011-01-04]. Disponível em:<http://www.books.google.cz/books?isbn=849598394X>.244 Castro, I.: Introdução à História do Português, pág. 144.

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Page 57: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

Assim como no caso dos grafemas c e ç, a letra z tinha um valor fonético diferente no

português arcaico, representando a africada dental [dz].245

16. [sˤ] (fricativa predorsal surda velarizada)

De maneira geral, converte-se em [s]: Alcáçova, Almançor, Arracefe, Asno, Saloio,

Safas, de al-qaṣba, al-Manṣūr, ar-raṣīf, ḥiṣn, ṣaḥrōī (ṣaḥrāwī), ṣaff. Registámos também

um caso, dificilmente explicável246, em que se converteu na africada [tʃ]: Chafariz247, de

ṣahrīǧ.

17. [ʃ] (fricativa pré-palatal surda)

Não sofreu transformações fonéticas durante o processo do aportuguesamento:

Almixaris, Almoxarife, Xadrez, Xarca, de al-manšar, al-mušrīf, šaṭranǧ, aš-šaqqa.

18. [dʒ] (africada pré-palatal sonora)

Passou à língua portuguesa com o mesmo valor fonético, já que o português arcaico

possuía este som, evoluído mais tarde na fricativa palatoalveolar sonora [ʒ]: Alfurja, Algés,

Algibebes, Aljezur, Almargem, Alvorge, Azambuja, de al-furǧa, al-ǧiss, al-ǧabbāb, al-

ǧuzur, al-marǧ, al-burǧ, az-zanbūǧa.

19. [l] (lateral alveolar)

Mantém a sua pronúncia: Alcaide, Almancil, Alverca, Lobata, de al-qā’id, al-manzil,

al-birka, Luwāta. Em alguns casos converte-se em outra consoante através de dissimilação:

Alecrim, Alfinete, de al-’iklīl, al-ḫilālāt.

20. [k] (oclusiva palatovelar surda)

245 Ibid.246 Machado, J. P.: Arabismos na toponímia lisboeta, pág. 30247 Até o século XVIII, o dígrafo ch representava a africada palatal surda [tʃ] na grafia portuguesa. Castro, I.: Introdução à História do Português, pág. 198.

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Page 58: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

Não sofreu transformações fonéticas: Alcainça, Alcains, Alverca, de al-kanīsa, al-

kanā’is, al-birka.

21. [q] (oclusiva uvulovelar surda)

Não existe na língua portuguesa. Na toponímia converteu-se no som mais próximo,

que era a oclusiva palatovelar surda [k]: Alcaide, Alcaria, Alcântara, Alcácer, Alcoentre,

Couço, Queluz, de al-qā’id, al-qarya, al-qanṭara, al-qaṣr, al-qunayṭira, qūs, qā al-lūz, ou

eventualmente também na oclusiva sonora [g]: Azinhaga, de az-zinayqa.

22. [x] (fricativa uvular surda)

À diferença da língua moderna, este som não tinha nenhum equivalente no português

arcaico. Logo costuma estar sistematicamente substituído248 pela labiodental fricativa surda

[f]: Alfafar, Alfarrobeira, Alferrarede, Alfofa, Lafões, de al-faḫḫār, al-ḫarrūba, al-

ḫarrārāt, al-ḫawḫa, al-’aḫwān.

23. [ɣ] (fricativa uvular sonora)

Este som uvular foi substituído pela oclusiva sonora [g]: Algar, Algarve, Algodor,

Algudi, Algueirão, Almogreve, de al-ġār, al-ġarb, al-ġudur, al-ġadīr, al-ġeyrān, al-maġrib.

24. [ʕ] (fricativa faringal sonora)

Não existe no sistema fonético da língua portuguesa e consequentemente caiu nos

topónimos examinados: Alcalá, Aldeia, Almada, de al-qal‘a, aḍ-ḍay‘a, al-ma‘dana

(derivado da forma padrão al-ma‘din249).

25. [ħ] (fricativa faringal surda)

248 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 50.249 Machado, J. P.: Arabismos na toponímia lisboeta, pág. 16.

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Page 59: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

Assim como a fricativa uvular surda [x], este som foi no geral substituído pela

fricativa labiodental surda [f]: Albufeira, Alfama, Almofala, Arrifana, Atafona, Mafamudes,

de al-buḥayra, al-ḥamma, al-maḥalla, ar-rīḥāna, aṭ-ṭāḥūna, Maḥmūd. Quando estava no

início da palavra ou antes de outra consoante podia cair: Almotacé, Isna, Saloio, al-

muḥtasib, ḥiṣn, ṣaḥrōī (ṣaḥrāwī).

26. [h] (fricativa glotal surda)

Assim como nos casos de [x] e [ħ], é habitual a sua substituição pela fricativa [f] na

toponímia de origem árabe: Chafariz, Faro, de ṣahrīǧ, Hārūn.

5.3.3. Fenómenos fonéticos

Além das mudanças regulares descritas acima, podemos também observar outros

fenómenos característicos durante o aportuguesamento dos topónimos. São, sobretudo:

1. Perda da geminação

Com a excepção do som [r], que pode ser articulado como vibrante múltipla, a língua

portuguesa desconhece a geminação. Portanto, os topónimos árabes com consoantes

geminadas perdem este traço: Alfama, Almofala, Atafona, Azemel, de al-ḥamma, al-

maḥalla, aṭ-ṭāḥūna, az-zammāl. Pelo contrário, o [r] geminado manteve-se: Alferrarede,

Arrabalde, Arrifana, de al-ḫarrārāt, ar-rabāḍ, ar-rīḥāna.

2. Epêntese

Os topónimos árabes frequentemente recebem vogais epentéticas que servem para

desfazer alguns encontros consonânticos: Alcácer, Alcáçova, Chafariz, Mafamudes, de al-

qaṣr, al-qaṣba, ṣahrīǧ, Maḥmūd.

3. Paragoge

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Page 60: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

Analogicamente à epêntese, é muito frequente a paragoge na toponímia árabe de

Portugal, particularmente depois de uma consoante dental: Alcaide, Almargio, Alvaiázere,

Alvalade, Alvorge, Arrabalde, Isna, de al-qā’id, al-marǧ, al-bayāz, al-balāṭ, al-burǧ, ar-

rabāḍ, ḥiṣn.

4. Metátese

Nos topónimos examinados registámos também a ocorrência da metátese,

concretamente nas situações em que a alveolar nasal sonora [n] está numa posição

intervocálica: Alcainça, Alcains, Alcoentre, Azinhaga, de al-kanīsa, al-kanā’is, al-

qunayṭira, az-zinayqa.

5.3.4. Fenómenos morfológicos

1. Preservação do artigo árabe

Uma particularidade interessante dos topónimos de etimologia árabe é a conservação

do artigo definido al-, que perde o seu valor gramatical: Alcântara, Alcamim, Alverca, de

al-qanṭara, al-qamīm, al-birka. No caso de palavras que começam com os sons [t], [θ], [d],

[ð], [r],[z],[s], [ʃ], [sˤ], [dˤ],[ tˤ], [ðˤ] , [zˤ], [l] e [n]250, o [l] do artigo assimila-se com a

consoante inicial da palavra seguinte na língua árabe, o que também se reflecte em vários

topónimos: Arrábida, Atafona, Azemel, de ar-rābiṭa, aṭ-ṭāḥūna, az-zammāl.

2. Acréscimo de um sufixo português ao nome árabe

Em vários casos encontrámos na toponímia um nome árabe ao qual foi acrescentado

um sufixo português (diminutivo, sufixo de plural etc.): Alcantarilha, Algarves,

Algueirinho, Almargens, Arraçário, de al-qanṭara (Alcântara), al-ġarb (Algarve), al-

ġeyrān (Algueirão, a terminação –ão, idéntica com um dos sufixos do aumentativo

português, foi neste caso jocosamente substituída pelo sufixo do diminutivo -inho251), al-

250 Em árabe conhecidos como ḥurūf šamsīyya, (“letras solares”), em oposição às ḥurūf qamarīyya (“letras lunares”), que não se assimilam com o som [l] do artigo.251 Machado, J. P.: Arabismos na toponímia lisboeta, pág. 15

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Page 61: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

marǧ (Almargem), ar-rās. Na toponímia do país são também frequentes nomes comuns

derivados de outros substantivos de etimologia árabe através da sufixação e tornados

topónimos, por exemplo: Alfarrobeira, Azambujeiro, Laranjeira, de alfarroba (al-

ḫarrūba), azambuja (az-zanbūǧa), laranja (naranǧa).

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Page 62: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

6. TOPONÍMIA PRE-ÁRABE E MOÇÁRABE

Ao tentarmos avaliar a extensão da influência árabe na toponímia portuguesa, não

podemos restringir-nos apenas aos topónimos que têm origem na língua árabe ou referem

de alguma forma à presença dos muçulmanos. Como já mencionámos antes, a conquista

muçulmana não causou uma ruptura com a época anterior, pois no território do Andaluz

continuou a viver uma grande população cristã, falando a sua própria língua de origem

românica, o idioma moçárabe.

A mesma continuidade é evidente na toponímia da parte meridional do país, em que

encontramos nomes que remontam à época pre-arábe, sejam de origem romana, céltica ou

outra. De origem pre-árabe são, por exemplo, os nomes de todas as sedes das kuwar

islâmicas e de várias outras povoações importantes : Beja, Évora, Coimbra, Idanha-a-

Velha, Lamego, Lisboa, Mértola, Santarém, Setúbal, Silves, Viseu, de Pace252 (de Pax

Iulia), Ebora253, Conimbriga254, Olisipone (ou Olisipo)255, Myrtili256 (ou Myrtilis), Sancta

Irena257 (ou Sancta Irene), Caetobriga258, Cilpes259. Este facto é coerente com o carácter da

conquista árabe, que manteve as unidades administrativas existentes, instalando-se os

novos detentores do poder nas antigas cidades romanas.

Não obstante, a presença árabe deixou a sua marca na forma em que os topónimos

pre-árabes entraram na língua portuguesa, devido às particularidades fonéticas do árabe,

que funcionou como língua transmissora. Como nota o Prof. David Lopes:

“Os antigos nomes geográficos, que os Árabes encontraram na nova conquista, sofreram na sua boca algumas modificações de adaptação, que, em regra, não são profundas. (...) A forma que os Árabes deram a esses nomes é o intermediário que explica a forma cristã posterior”.260

As diferenças fonéticas entre os topónimos românicos do território muçulmano e os

do Norte cristão não se devem apenas à interferência do árabe, mas também às

características da lígua moçárabe, um idioma arcaizante que evoluiu independentemente do

galego-português ou do castelhano, relegado ao uso familiar e rural pela dominância do 252 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 23.253 Ibid., pág. 102.254 Riiho, T.: Evolução linguística interna [online]. Lexikon der Romanistischen Linguistik, vol. VI/2, 1994, cap. 4 [cit.2011-01-14]. Disponível em: <http://cvc.instituto-camoes.pt/hlp/biblioteca/lexicon2.pdf>.255 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 116.256 Ibid., pág. 125.257 Ibid., pág. 113.258 Fernandes, M.A., Khawli. A., Silva, L.F. da: A viagem de Ibn Ammâr de São Brás a Silves [online], pág. 67 [cit.2011-01-14].259 Ibid.260 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 23.

62

Page 63: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

árabe.261 Embora estivesse o uso do moçárabe em declínio durante a última fase do período

islâmico, dispomos de evidência que indica o surgimento de nomes locais provenientes

desta língua ainda nesses séculos. É, por exemplo, o caso da cidade de Faro, referida no

século XI pelo nome Santa Maria. Esta nova denominação seria impensável sem a

presença poderosa de uma comunidade cristã, que assim homangeava a sua cidade.262

6.2. Características fonéticas da toponímia pre-árabe e moçárabe

Os nomes de etimologia não-árabe, transmitidos através do árabe ou moçárabe,

caracterizam-se por vários aspectos fonéticos e morfológicos que os distinguem dos nomes

locais das regiões setentrionais do país. Para os fins deste trabalho, vamos focalizar nos

fenómenos mais regulares.

6.1.1. Sistema vocálico

1) Substituição das vogais finais -u,-e, e -i do latim263:

As terminações -u,-e, e -i do nominativo latim foram, no geral, substituídas

pela terminação –a, ao passar à língua árabe: Beja, Mértola, Lisboa, de Bāǧa

(Pace), Mārtula (de Myrtili ou Myrtilis), Lušbūna (Olisipone).

2) Apócope da vogal final -o264:

À diferença do português padrão, nos falares moçárabes foi suprimida a vogal

final -o durante a sua evolução fonética. Por exemplo: Aljustrel (do latim

vulgar Oleastrellu, “azambujinha”265), Portel, Sousel, em que a terminação –el

vem do sufixo –elo (do latim –ellu). Esta tendência foi transmitida ao

romance moçárabe do árabe andaluz, o qual apocopava a vogal fina –o das

261 Fernandes, M.A., Khawli. A., Silva, L.F. da: A viagem de Ibn Ammâr de São Brás a Silves [online], pág. 43 [cit. 2010-12-20]. 262 Mattoso, J.: História de Portugal: Vol. I, pág. 409.263 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 23.264 Piel, J. M.: Aspectos da Toponímia Pré-árabe ao Sul do Tejo, pág. 48.265 Ibid.

63

Page 64: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

formas românicas, em virtude de os substantivos masculinos árabes

terminarem em consoante.266

3) Palatalização do longo [a:]267:

O processo da palatalização do longo [a:] (imāla), corrente no árabe andaluz,

afectou também os nomes não-árabes: Beja, Tejo, de Bēǧa (em árabe padrão

Bāǧa), Tēǧuh (em árabe padrão Tāǧuh).

6.1.2. Sistema consonântico

1) Substituição de [g] por [dʒ]268:

O sistema fonético do árabe andaluz não possuía a oclusiva velar sonora [g],

portanto era habitualmente substituída pela prepalatal africada sonora [dʒ]:

Tejo, de Tēǧuh (Tagus).

David Melo Lopes traz como outro exemplo deste fenómeno também a

evolução do nome da cidade de Beja, afirmando que a pronúncia do nome

desta cidade (em latim Pace) deve ter sido Pake ou Pague na época da

conquista muçulmana, no entanto sabemos que a pronúncia habitual do

grafema c antes de i e e no latim tardio era /tʃ/, o que levanta dúvidas sobre

esta teoria.269

2) Substituição de [p] por [b]270:

266 Fernandes, M.A.: O dialecto algarvio: abordagem histórica [online], pág. 17 [cit. 2010-01-11]. 267 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 24.268 Ibid., pág. 69.269 Piel, J. M.: Aspectos da Toponímia Pré-árabe ao Sul do Tejo, pág. 46-47.270 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 104.

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Page 65: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

O árabe não possui o som [p] e substitui-o, portanto, pela bilabial oclusiva

sonora [b]. Daí resultam formas como: Beja, Lisboa, de Bāǧa (Pace),

Lušbūna (Olisipone).

3) Preservação de [l] e [n] intervocálico no moçárabe271:

À diferença do galego-português, o moçárabe preservou as [l] e [n]

intervocálicas, o que se também reflecte na toponímia das regiões centro-

meridionais: Fontana, Grândola, Madroneira, Mértola (de Myrtilis), Molino.

6.2. Características morfológicas da toponímia pre-árabe e moçárabe

A situação de bilinguismo árabo-românico no sul de Portugal levou a

criação de vários topónimos híbridos que combinam elementos de ambas as

línguas.

1) Aglutinação do artigo árabe à palavra românica272:

Em muitos casos foi o artigo definido do árabe adicionado al-, aglutinado com

uma palavra moçárabe, especialmente quando se tratava de um nome

comum273: Alcabideche (do latim caput aquae274), Alfontes (do latim vulgar

fontes275), Almoster (do latim monasterii276), Almourol (do latim vulgar moru,

“amoreira”277), Alpalhão, Alpan, Alpontel, Alportel (do latim vulgar portēllu-,

“passagem”278), Arruda (do latim ruta279).

271 Castro, I.: Introdução à História do Português, pág. 64.272 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 26.273 Ibid., 104.274 Fuentes, A.G. de.: Toponimia: Mito e Historia [online]. 1996, pág. 46. [cit. 2011-01-04].275 Fernandes, M.A., Khawli. A., Silva, L.F. da: A viagem de Ibn Ammâr de São Brás a Silves [online]. 2006 [cit. 2011-01-09].276 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 26.277 Ibid., pág. 166.278 Fernandes, M.A., Khawli. A., Silva, L.F. da: A viagem de Ibn Ammâr de São Brás a Silves [online]. 2006 [cit. 2011-01-08].279 Ibid., pág. 26.

65

Page 66: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

2) Aglutinação do termo wād ao hidrónimo românico280:

Em alguns casos addiciona-se a um hidrónimo românico a palavra wād (“rio,

vale”): Odeáxere, Odeleite, Odelouca, Odesseixe, Odivelas.281

CONCLUSÃO

Vista superficialmente, a contribuição da civilização islâmica na formação da cultura

portuguesa pode parecer relativamente minúscula. Por causa dos infortúnios políticos, a

evolução da distintiva cultura islâmica no solo português foi terminada violentamente e

durante três séculos após o fim da Reconquista extinguiu-se nele por completo o uso da

280 Ibid., pág. 27.281 Veja o capítulo 5.2.3.

66

Page 67: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

língua árabe. Não obstante, a evidência toponímica comprova, sem qualquer sombra de

dúvida, uma ampla difusão deste idioma semita, que tinha, pelo visto, as melhores

condições para se tornar a língua nativa de todos os habitantes do Ġarb al-Andalus, tal

como aconteceu na maior parte da Áfrice do Norte.

O processo da arabização foi, contudo, muito gradual e é questionável se se já tinha

completado pelo menos nas partes mais meridionais do país, que permaneceram nas mãos

dos muçulmanos até o século XIII. A toponímia pre-árabe e moçárabe preservada nas

regiões centro-meridionais testemunha uma longa e pacífica convivência dos cristãos e

muçulmanos e uma continuidade demográfica desde o período romano. Visto que o

domínio islâmico isolou os conservadores dialectos românicos no sul da Península dos

setentrionais, muitos nomes locais nas partes meridionais de Portugal podem ser na sua

forma fonética mais arcaicos do que aqueles no Norte, na área primitiva do galego-

português.

Como mencionámos na parte histórica, a invasão muçulmana consistiu

principalmente na chegada de contingentes de soldados e administradores, pertencentes a

várias tribos árabes e berberes, que se espalharam pela Península, estabelecendo a nova

ordem, um facto corroborado pela difusão dos seus nomes tribais através do país. No

entanto, analisando a evidência toponímica, podemos plenamente apoiar a conclusão que a

contribuição dos muçulmanos foi sobretudo civilizadora e não militar. A maior parte dos

nomes locais que examinámos neste trabalho tem evidentemente alguma relação com

artesanatos, objectos arquitectónicos e, particularmente, com a agricultura, atestando o grau

do desenvolvimento urbano e económico na época islâmica.

A análise geográfica, mesmo que apenas aproximativa, mostra que os topónimos

árabes estão difundidos por todo o país, com a maior concentração nas regiões da

Estremadura, do Ribatejo, Algarve e do Alentejo, nas partes do país que permaneceram na

posse dos muçulmanos até os séculos XII e XIII. A densidade dos topónimos árabes e

arabizados que observamos nestas áreas não é considerável só no contexto português, mas

é comparável àquela nos centros do Andaluz islâmico no sul e oriente da Espanha.

Na parte linguística procurámos descrever as alterações fonéticas que os nomes

árabes sofreram durante a sua adaptação pelos falantes do português, língua com um

sistema fonético considerávelmente diferente do árabe, o que explica o aparente abismo

entre muitos destes topónimos e a sua forma original no árabe. Se abstrairmos de alguns

casos particulares, fica claro que muitas destas alterações são relativamente regulares, o

que facilita a reconstrução etimológica dos topónimos árabes.

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Page 68: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

Embora Portugal tenha nascido principalmente como resultado da Reconquista, o

estudo da história do Portugal islâmico mostra que sob outras condições históricas podia ter

surgido um Portugal muito diferente, arabofono e estreitamente aparentado com as culturas

dos países da África do Norte e do Médio Oriente. A toponímia árabe permanece como o

mais evidente vestígio deste processo nunca concluído.

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APÊNDICE

1. Lista dos topónimos de etimologia árabe examinados no trabalho

Como este trabalho não teve a ambição de registar todas as localidades com nomes árabes no território de Portugal, a seguinte lista toponímica tem, sobretudo, um valor ilustrativo. Visto que alguns nomes locais têm várias ocorrências, escolhemos sempre apenas uma localidade (no geral, a primeira indicada pelo autor), omitindo as demais. No caso de alguns nomes frequentíssimos e de emprego generalizado na língua portuguesa (por exemplo Aldeia ou Laranjeira), não está indicada a sua localização geográfica. Em contrapartida, incluímos na

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lista alguns topónimos que têm a mesma etimologia, mas seria útil reproduzir todas as variantes, devido às particularidades da sua forma fonética (por exemplo Alvalade e Vale de Beja). Durante a selecção foram escolhidos preferivelmente os nomes cuja forma árabe podia ser reconstruída e transliterada. Nos casos em que isso não foi possível, a forma árabe está indicada em aspas, tal como foi encontrada no texto original. Quando não foi possível encontrar nos recursos o seu significado ou a forma árabe de algum topónimo, está indicado como “ignorado“.

Nome Distrito Forma árabe SignificadoAboadela Viseu Abū ‘Abdallāh Nome pessoalAçougues Santarém as-sūq “Mercado”Açucenas Lisboa as-sūsāna Nome de unidade de

sūsān (lírio)Açude Santarém as-sudd “Barreira, tudo o que

forma obstáculo entre duas coisas”

Adelas Lisboa ad-dallāl “Corrector, leiloeiro”Adiça Lisboa “ad-dīçâ” “Espécie de junco”Albarrã Lisboa al-barrān “De fora, exterior,

camponês”Albufeira Faro al-buḥayra “Lago”Alcaçarias Lisboa al-qayṣarīya “Bazar, casa grande

rodeada de pórticos”Alcácer (Alcácer do Sal)

Setúbal al-qaṣr “Castelo, casa que atinge grande altura”

Alcáçovas Évora al-qaṣba “Citadela”Alcaide Santarém al-qā’id “Conductor”Alcainça Lisboa al-kanīsa “Igreja”Alcains Castelo Branco al-kanā’is “Igrejas”Alcalá Évora al-qal‘a “Castelo”Alcamim Castelo Branco al-qamīm “Hortaliça”Alcanena Santarém al-Kināna Nome de uma tribo

árabeAlcântara Lisboa al-qanṭara “Ponte, parte elevada de

um edifício”Alcantarilha Faro Idem IdemAlcárcova Évora (ignorado) “Fosso, vala”Alcaria Vários al-qarya “Aldeia, povoado rural

de tipo disperso”Alcochete Setúbal “al-coxete” “Forno”Alcoentre Lisboa al-qunayṭira “Ponte pequena”Alcolena Lisboa al-qunīna ou al-

qullīna“Coelhos”

Alcolura Santarém “al-qalula” „Esgalho de cacho“Alcúdia Lisboa “al-kudīīâ” “Colina, cabeço,

montículo”Aldeia Vários aḍ-ḍay‘a “Propriedade fundiária,

povoação rústica”Alecrim Lisboa al-’iklīl “Alecrim”Alfafar Coimbra al-faḫḫār “Oleiro”Alfaiates Lisboa al-ḫayyāṭ “Alfaiate”Alfama Lisboa al-ḥamma “Termas, fonte de água

quente”Alfândega Lisboa al-funduqa “Estalagem, hospedaria”Alfarrobeirra Lisboa al-ḫarrūba “Alfarroba”

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Page 74: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

Alfeição Faro al-Ḥusayn ou al-Haiṯam

Nome pessoal

Alfeizirão Leiria “al-fēzeran“ “Cana, canavial”Alferes Lisboa al-fāris “Cavaleiro”Alferrarede Santarém al-ḫarrārāt “Cascatas”Alfinete Lisboa al-ḫilālāt “Instrumentos para

furar, palitos”Alfofa Lisboa al-ḫawḫa “Porta do postigo”Alfurja Lisboa al-furǧa “Buraco, fenda”Algar Castelo Branco al-ġār “Cova, gruta”Algarve Faro al-ġarb “Ocidente”Algarve (A travessa dos Algarves)

Lisboa Idem Idem

Algés Lisboa al-ǧiss “Gesso”Algibebes Lisboa al-ǧabbāb “Vendedor de aljubas”Algodor Beja al-ġudur “Ribeiros, riachos”Algoz Faro al-Ġuz “Oghuz“ (confederação

tribal turca)Algudi Santarém al-ġadīr “Ribeiro, riacho ou lago

de águas estagnadas”Algueirão Lisboa al-ġeyrān “Covas, grutas“Algueirinho Lisboa Idem IdemAljezur Faro al-ǧuzur “Ilhas, penínsulas”Almada Setúbal al-ma‘dana

(derivado da forma padrão al-ma‘din)

“Mina, mineral”

Almagede Setúbal al-masǧid “Mesquita, lugar de prosternação”

Almancil Faro al-manzil “Estalagem”Almançor Aveiro al-Manṣūr Nome pessoalAlmaraz Setúbal “al-moarrax” “Parreira”Almares Santarém al-marās “Ancoradouros”Almargem Lisboa al-marǧ “Pastagem, prado”Almargio Santarém Idem IdemAlmazém Lisboa al-maḫzan “Lugar onde se

conservam, depositam objectos”

Almedina Lisboa al-madīna “Cidade”Almegue Santarém “al-megta’a“ “Vau de um rio”Almeida Guarda al-mā’ida “Planura, outeiro”Almeijoafas Faro al-miǧwafa “Côncava”Almeirão Santarém “al-mirun“ “Planta, espécie de

chicória”Almixaris Santarém al-manšar “Secadouro”Almoçageme Lisboa al-masǧid “Mesquita, lugar de

prosternação”Almocavar Lisboa al-maqabar “Túmulo, sepulcro”Almodafa Viseu al-Muẓaffar Nome pessoalAlmodôvar Beja al-mudawwar “Edifício ou casa

redonda”Almofala Viseu al-maḥalla “Arraial, aldeia”Almograve Beja al-maġrib “Ocidente”Almotacé Lisboa al-muḥtasib “Funcionário

encarregado da inspecção dos pesos, preços e medidas”

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Page 75: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

Almoxarife Santarém al-mušrīf ou al-mušārif (da forma padrão al-mušrif)

“Inspector, supervisor”

Almuinha Santarém al-munya “Casal, herdade”Alpeidão Setúbal al-bīḍān “As brancas” (nome de

um escolho)Alqueidão Leiria “al-qeddān” “Tufo calcário”Alquerubim Aveiro al-Qayruwān “Cairuão”(cidade na

Tunísia)Alvaiázere Leiria al-bayāz “Falcoeiro”Alvalade Setúbal al-balāṭ “Estrada, caminho

empedrado”Alvaledes Faro Idem IdemAlverca Lisboa al-birka “Lagoa”

Alvor Faro al-būr (da forma padrão al-bi’r)

“Poço”

Alvorão Santarém al-būrān (da forma padrão al-bi’rān)

“Dois poços”

Alvorge Leiria al-burǧ “Pequeno forte, torre“Árgea Santarém arzīya “Cedral”Arrabalde Vários ar-rabāḍ “Subúrbios”Arrábida Setúbal ar-rābiṭa “Convento fortificado”Arraçário Lisboa ar-rās “Cabeça, elevação de

terreno entre dois vales”Arracefe Santarém ar-raṣīf “Calçada, caminho

pavimentado”Arrais Lisboa ar-ra’īs “Patrão de barco”Arrifana Faro ar-rīḥāna “Murta”Arrife Santarém ar-rīf “Parte da terra que está

à beira da água, onde existem verdura, água e cultura, flanco da montanha”

Arroz Santarém ar-ruz (da forma padrão al-’aruz)

“Arroz”

Asno Santarém ḥiṣn “Castelo”Assacaias Santarém as-saqāya “Regueiro”Assumar Portalegre (ignorado) “Junco, junqueira”Atafona Beja aṭ-ṭāḥūna “Moinho”Atalaia Vários aṭ-ṭalāya‘ “Sentinela, vigia”Azambuja Lisboa az-zanbūǧa “Oliveira brava”Azambujeiro (Vale dos Azambujeiros)

Santarém Idem Idem

Azeitão Setúbal az-zaytūn “Azeitona, olival”Azemel Santarém az-zammāl “Almocreve”Azenha Vários as-sāniya “Roda de irrigação”Azinhaga Santarém az-zinayqa “Rua estreita”Azoia Leiria az-zāwiya “Ermida”Bem Amor Santarém Banū ‘Āmir Nome de uma tribo

árabeBenafim Faro (ignorado) IdemBenagaia Faro Idem IdemBenagil Faro Idem IdemBenalfange Évora Idem IdemBencatel Évora Idem Nome pessoal

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Page 76: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

Benfarras Faro Idem Nome de uma tribo árabe

Bengado Faro Idem IdemBensafrim Faro Idem Nome pessoalBorratém Lisboa būr at-tīn (da

forma padrão bi’r at-tīn)

“Poço da figueira”

Cains Santarém Qayn Nome de uma tribo árabe

Ceitil Lisboa sebtī Nome relativo do topónimo Sebta (Ceuta, cidade na África do Norte)

Chafariz Lisboa ṣahrīǧ “Cisterna, bebedouro”Cuba Beja qubba “Pequena torre, cúpula”Couço Santarém qūs “Arco”Fangas Lisboa “fanga” “Medida de cereais,

carvão e sal”Faro Faro Hārūn Nome pessoalFátima Santarém Fāṭima IdemIsna Castelo Branco ḥiṣn “Castelo”Lafões Viseu al-’aḫwān “Dois irmãos” (nome de

dois castelos fronteiros)Laranjeira Vários naranǧa “Laranja”Lobata Santarém Luwāta Nome de uma tribo

berbereLoulé Faro al-‘ulyā “A alta, a altura”Maçode Viseu Mas‘ūd Nome pessoalMafamudes Viseu Maḥmūd IdemMamede Portalegre Muḥammad IdemMansores Aveiro al-Manṣūr IdemMarame Viseu Maryam IdemMarou Viseu ‘Umar IdemMarrocos Beja Marrākuš “Marraquexe” (cidade

em Marrocos)Marvão Portalegre Marwān Nome pessoalMeca Lisboa Makka “Meca” (cidade na

Arábia Saudita)Mesquita (Cerro da Mesquita)

Faro masǧid “Mesquita, lugar de prosternação”

Mistasa Santarém Misṭāsa Nome de uma tribo berbere

Murça Guarda Mūsā Nome pessoalNazes Viseu Nāṣir IdemNora Lisboa na’ūra “Nora“Odeáxere Faro (ignorado) Formado a partir do

étimo wādī (“rio, vale”)Odeleite Faro Idem IdemOdelouca Faro Idem IdemOdesseixe Faro Idem IdemOdiana Lisboa wādī yāna IdemOdivelas Lisboa (ignorado) IdemOurém Santarém Wahrān “Oran” (cidade na

Argélia)Queluz Lisboa qā al-lūz “Vale da amendoeira“Safas Santarém ṣaff “Valado, sebe“Saímes Viseu Sālim Nome pessoal

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Page 77: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

Saloio Lisboa ṣaḥrōī (da forma padrão ṣaḥrāwī)

“Do deserto, do campo”

Soeima Bragança Sulaymān Nome pessoalTunes Faro Tūnis “Tunes” (cidade na

Tunísia)Vale de (Vale de Beja)

Beja balāṭ “Estrada, caminho empedrado”

Xadrez Lisboa šaṭranǧ “Xadrez”Xarca Lisboa aš-šaqqa “Fenda, terreno

despenhado e apertado”Zêzere Vários (rio) (wādī?) zēz “Cigarra”Zorro Santarém Zuhra Nome de uma tribo

árabe

2. Tabela comparativa entre os sistemas de transcrição fonética utilizados no trabalho

O alfabeto utilizado no trabalho para a transliteração de nomes árabes é o DIN 31635, que goza, provavelmente, da maior aceitação no mundo académico. A única modificação efectuada concerne às assim chamadas “letras solares” (t, ṯ, d, ḏ, r, z, s, ʃ, ṣ, ḍ, ṭ, ẓ, l, n), com que se assimila o –l do artigo definido al-, quando estão no início da palavra. Nas nossas transcrições decidimos reproduzir as palavras árabes na forma que resulta desta assimilação fonética, em vez de indicar o -l ortográfico (por exemplo: aṭ-ṭāḥūna em vez de al-ṭāḥūna).

Consoantes VogaisDIN 31635 IPA DIN 31635 IPAb [b] a [a]d [d] ā [aː]ḍ [dˤ] e [e]ǧ [dʒ] ē [eː]

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Page 78: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

ḏ [ð] i [i]ẓ [ðˤ], [zˤ] ī [iː]h [h] o [o]ḥ [ħ] ō [oː]y [j] u [u]k [k] ū [uː]l [l]m [m]

n [n]

ṯ [θ]

q [q]

r [r]

s [s]

ṣ [sˤ]š [ʃ]t [t]ṭ [tˤ]w [w]

ḫ [x]

ġ [ɣ]

z [z]

‘ [ʕ]

’ [ʔ]

Fonte:

<http://transliteration.eki.ee/pdf/Arabic_2.2.pdf>.<http://www.lingfil.uu.se/afro/semitiska/forskarutbildning/transcription-of-arabicEN.pdf>

3. Número de topónimos árabes e arabizados na Península Ibérica por 1000 km² (sem hidrônimos)

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Page 79: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

Fonte:

Stanislawski, D.: The Individuality of Portugal: A Study in Historical-political Geography [online]. Austin: University of Texas Press, 1959, Charts: Figure 14 [cit. 2011-01-12]. Disponível em: <http://libro.uca.edu/stanislawski/portugal.htm>.

4. Mapa do território muçulmano na Península Ibérica até meados do século XI

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Page 80: 1. traçado cronológico da história do portugal islâmico

Fonte:

Ferreira, M.S.C.: O Douro no Garb Al-Ândalus: a Região de Lamego durante a presença árabe [online]. Dissertação de mestrado. Universidade do Minho, 2004. [cit. 2011-01-12]. Disponível em: <http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/3001/34/anexos-Mapa%20do%20al-%C3%82ndalus.pdf>

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