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FILOSOFICKÁ FAKULTA MASARYKOVY UNIVERZITY ÚSTAV ROMANSKÝCH JAZYKŮ A LITERATUR Portugalský jazyk a litaratura
CRISTÃOS-NOVOS EM PORTUGAL Bakalářská diplomová práce Jana Hamerská Brno 2006 Vedoucí práce: Mgr. Maria de Fátima Néry-Plch
2
Prohlašuji, že jsem závěrečnou bakalářskou práci vypracovala samostatně za použití
uvedených pramenů a litaratury. Děkuji Mgr. Marii de Fátimě Néry-Plch za trpělivost a cenné
rady a připomínky při psaní této práce.
V Brně 1.ledna 2007 Jana Hamerská
3
ÍNDICE:
I.INTRODUÇÃO…………………………………………………………….....4
II. A SITUAÇÃO DOS JUDEUS PELO FIM DO SÉCULO XV E A
IMPORTÂNCIA DESTA COMUNIDADE PARA PORTUGAL……………..5
III. A DILIGÊNCIA DE D. MANUEL SOBRE A INTEGRAÇÃO DOS
CRISTÃOS-NOVOS NA SOCIEDADE CRISTÃ..............................................8
IV. O PROCESSO DA INSTAURAÇÃO DA INQUISIÇÃO EM
PORTUGAL........................................................................................................12
V. ÉPOCA FILIPINA ........................................................................................17
VI. A LIMPEZA DE SANGUE..........................................................................21
VII. ATITUDE DE D. JOÃO IV E D. PEDRO NO RESPEITANTE AOS
CRISTÃOS-NOVOS..........................................................................................23
VIII. O FIM DA DISCRIMINAÇÃO DOS CRISTÃOS-NOVOS....................28
IX. CONCLUSÃO..............................................................................................31 X. BIBLIOGRAFIA............................................................................................33
4
I. INTRODUÇÃO
Como tema do trabalho de bacharelato escolhi o tema dos cristãos-novos em Portugal.
A classificação cristãos-novos, arcaicamente chamados também homens de negócios ou gente
da nação, designa os judeus convertidos à força ao cristianismo. Esta designação surgiu no
século XV durante o reinado de D. Manuel, perdurando até o século XVIII.
O objectivo do meu trabalho é analizar as condições vitais e a posição dos cristãos-
novos na sociedade cristã em Portugal no decurso destes quatro séculos e aproximar esta
problemática ao público na República Checa, onde faltam as informações necessárias.
O trabalho está dividido em sete capítulos. No primeiro capítulo referência-se a vida
dos judeus antes da conversão forçada e a importância desta comunidade para Portugal seja
no sector económico seja na sua contribuição para o desenvolvimento da inteligência.
Apresentam-se os primeiros sinais do ódio da aristocracia e do povo artesão, sentindo-se
ameaçados pelos judeus.
No segundo capítulo abordam-se as tentativas de D. Manuel em evitar o abandono dos
judeus de Portugal e demostra-se como a sua política tinha como objectivo integrar os
cristãos-novos a sociedade cristã.
O terceiro capítulo descreve, não só, o fim da política tolerante de D. Manuel, mas
ocupa-se sobretudo com o estabelecimento da Inquisição em Portugal, pelo papel de Roma
neste assunto e pelas diligências dos cristãos-novos, esforçando-se sobre o alívio da
discriminação.
Nos seguintes dois capítulos abordam-se as atitudes e influência dos Filipes para a
posição dos cristãos-novos, evocando-se várias petições e protestos da sua parte e desrevendo
o processo da gradação das leis discriminatórias contra eles.
A sexta parte do trabalho é dedicada à situação dos cristãos-novos durante o reinado
de D. João IV e D. Pedro, mencionando vários conflitos e brigas entre os monarcas e a
Inquisição e referenciando também o papel de Padre António Vieira.
No último capítulo ocupa-nos o fim do terror e da perseguição dos cristãos-novos e a
importância de Marquês de Pombal neste assunto.
5
II. A SITUAÇÃO DOS JUDEUS PELO FIM DO SÉCULO XV E A
IMPORTÂNCIA DESTA COMUNIDADE PARA PORTUGAL
Tanto na Península Ibérica como no resto da Europa as burguesias judaicas
encontravam-se separadas das burguesias cristãs devido a sua origem e orientação religiosa.
Na Península Ibérica o processo de perseguição dos judeus provocou a discriminação e
formou da antiga minoria extinta, uma nova minoria de estatuto social inferior. Esta nova
minoria perdeu a sua realidade étnica e religiosa e foi submetida à pressão exterior, por leis,
hábitos e prejuízos.
A situação em Portugal foi um pouco diferente da na Espanha, uma vez que em
Portugal, antes da expulsão geral, ordenada pelo rei D. Manuel em 1496, não ocorreram
grandes perseguições em cadeia, nem conversões massivas.
Os judeus viviam à margem da sociedade comum, dado que não tinham os direitos
nem as obrigações da população em geral. Cumpriam uma função social que se considerava
por uma parte indispensável e por outro lado degradante no mundo feudal.1 Como escreveu
Saraiva: «O favor que pudessem receber dos poderosos não era, portanto, sinal de valia social,
mas a expressão do apreço caprichoso e interessado que se pode ter por um animal doméstico,
um escravo, uma mulher comprada, um bobo da corte, um jogral, apreço cuja manifestação
pode ser justamente uma exibição de poder. O rei protegia contra o cristão o seu judeu. Mas
os mesmos princípes, que protegiam os judeus detentores do dinheiro, encarregavam-nos de
funções odiosas, como a de cobrança de impostos e direitos, colocando-os numa posição que
tem analogias com a do carrasco.»2
Podemos dizer que até 1497, o ano que ficará na história da comunidade judaica
portuguesa , a sociedade hebraica vivia quase intactamente, nas judiarias. Nome dado aos
ghettos, onde residiam os membros da comunidade judaica. Aqui os judeus apesar de não
estarem formalmente separados do reino, preservavam a sua intimidade, viviam em gestão
autónoma e possuiam uma sinagoga, que por vezes funcionava não somente como lugar de
culto mas também como escola. Até então a lei protegia o seu culto. Segundo as Ordenações
Afonsinas, os judeus não podiam ser convertidos pela força e além disso as Ordenações
Afonsinas permitiram que ao Sábado, dia santo da religião mosaica, os judeus não eram
obrigados a participar em tribunal.3 Como apresenta Saraiva: « As judiarias eram governadas
1 António José Saraiva, Inquisição e cristãos –novos, Editorial Estampa, 1985 2 Idem, p. 32 3 António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985
6
pelos seus magistrados próprios, aos quais presidia o Arrabi-mor, que estava directamente
subordinado ao rei, como uma espécie de ministro para os negócios hebraicos. Regulavam-se
pelo seu direito nacional.».4 Muitas vezes as leis segundo as quais se orientavam divergiam
das leis do reino, por exemplo o direito da família tolerava o divórcio e no comércio as
transações financeiras toleravam o juro, o que na lei dos cristãos era proibido. As judiarias
pagavam ao rei ou aos donatários impostos pelos seus privilégios e prerrogativas. Entre as
judiarias mais consideráveis pertenciam: as de Lisboa, Santarém, Évora, Porto, Guarda,
Setúbal, Portalegre e Faro.
A importância da comunidade judaica deve-se ao seu poder económico, a sua riqueza
era na verdade muito notável em Portugal. Em 1478, o rei lançou uma contribuição para
defender o Reino, representando a contribuição dos judeus uma boa parte da quantia
recolhida. Os judeus além de se ocuparem de operações financeiras, ocupavam também
funções importantes. O seu poder económico garantia-lhes uma certa posição de força.5 Como
declara Saraiva: «Já desde a primeira dinastia eram os hebreus os tesoureiros-mores do rei,
bem como os seus banqueiros e arrematantes da cobrança de rendas. Nesta função de técnicos
financeiros eram indispensáveis à Coroa.»6 Mas eram também perfeitos artesãos. Em Portugal
as suas profissões mais características eram: ferreiros, alfaiates e sapateiros. Os ferreiros,
latoeiros, malheiros e armeiros eram muito necessários, mas o seu número em Portugal não
era suficiente. Este facto levou o rei D. João II a atrair a Portugal os judeus expulsos de
Espanha.
Será de notar a realidade que os judeus se destacavam como portadores da
inteligência. Interessavam-se pela astronomia e astrologia, inspirando-se pela ciência árabe,
por isso tiveram um papel primacial com refêrencia sobre a navegação atlântica portuguesa do
ponto de vista científico. Por exemplo, o hebreu Mestre José Vizinho conseguiu determinar a
latitude da Guiné. Entre outras actividades, onde os judeus predominavam, pertence a
medicina, eram médicos da corte e constituiam a maioria dos médicos no país. Ao contrário
dos judeus orientados para as ciências da natureza e exactas, o mundo cristão caracterizava-se
pelo seu interesse sobre as ciências literárias e teológicas. Outro fenómeno muito significativo
para os hebreus foi o exercício da tipografia, porquanto o primeiro livro que terá sido
impresso em Portugal, Pentateuco é de origem hebraica e foi escrito em Faro em 1487. Até
esse momento, a impressão dos livros portugueses era feita por alemães.
4 Idem., p.27 5 António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985, p. 28 6 Idem.
7
Com esta camada social hebraica concorria uma burguesia mercantil cristã e uma
classe de artesões cristãos. Estas duas classes sociais não se misturavam, a população judaica
tinha a sua pureza religiosa e étnica. Existia muita rivalidade entre estes dois grupos e também
da parte da aristocracia podemos observar certo rancor. Por exemplo em 1383, depois da
morte do rei, D. Fernando, os representantes da aristocracia burguesa exigiram à rainha
enviuvada certas mudanças. Uma delas era o desejo, que fossem retirados aos judeus os
ofícios públicos. A rainha aceitou pedido, acabando por prometer alguns destes ofícios a
cristãos, se bem que os judeus por eles pagassem mais do que os cristãos, pois já em vida de
seu marido fora contra a nomeação dos judeus para estes postos. As mesmas manifestações
surgem cem anos depois, em 1481-1482, quando se exigia nas cortes a demissão dos judeus
que cobravam rendas da Coroa, argumentando que estes oprimiam a população cristã. Desta
feita contudo não foram bem sucedidos e segundo a opinião do rei, D. João II os arrendatários
cristãos eram ainda mais avarentos que os judeus.7
Nesta altura surgem também queixas da comunidade artesã, exigindo que os artesãos
judeus trabalhassem só nas judiarias, por causa das torpezas e adultérios que os judeus
cometiam, por ocasião dos seus ofícios, quando ficavam sós em casa dos lavradores cristãos
com as suas filhas e mulheres.
Apesar desta pressão a Coroa e a alta nobreza defendia os judeus, fazendo promessas,
mas infelizmente somente verbais, de forma a acalmar e satisfazer os seus inimigos. Naquela
altura, graças à protecção do rei a situação do povo judaico em Portugal era todavia
satisfatória.
As primeiras migrações de judeus na Península Ibérica iniciaram em meados do
século XIV em Aragão e Navarra, seguiram-se as de Maiorca e de Castela e datam desta
época as primeiras conversões forçadas. A migração aumentou na primeira metade do século
XV e intensificou-se no fim deste século com os conversos de Castela expulsos pelos Reis
Católicos em Março de 1492.8
Segundo o decreto de expulsão de 31 de Março de 1492, os judeus estavam
autorizados a levar consigo toda a sua fortuna, mas de acordo com as leis do reino, era
proibida a saída de ouro, prata, jóias e moedas. Sinagogas, cemitérios e outros bens judaicos
7 Joaquim de Assunção Ferreira, Estatuto Jurídico dos Judeus e Mouros na Idade Média Portuguesa, Universidade Católica Editora, 2006 8 Maria José Ferro Tavares, A expulsão dos Judeus de Portugal: conjuntara peninsular, in Oceanos 29, 1997
8
foram confiscados e muitas das sinagogas foram convertidas em igrejas cristãs ou concedidas
a instituções.9
Uma parte das centenas de milhares de emigrantes forçados partiu pelos portos
marítimos, mas a maioria deles passou a fronteira portuguesa. A postura do rei de Portugal
neste assunto é outra vez favorável aos judeus. O rei não fechou a fronteira aos fugitivos,
exigindo deles, segundo o cronista da corte Damião de Góis, um imposto de 8 cruzados,10
sendo aqueles que desempenhavam a profissão de ferreiros, malhoeiros, latoeiros e armeiros
somente obrigados a pagar metade da quantia.11
Além disso era-lhes concedido um prazo de saída de 8 meses, terminado este ficariam
cativos e seriam reduzidos à escravidão, vendidos ou doados pelo rei. Os que não ficaram,
rumaram para o Norte de África. A escravidão terminaria poucos meses depois, em 1495, com
o novo rei D. Manuel.12
III. A DILIGÊNCIA DE D. MANUEL SOBRE A INTEGRAÇÃO
DOS CRISTÃOS NOVOS À SOCIEDADE CRISTÃ
Alguns meses depois da subida ao trono, o novo rei queria casar-se com a princesa D.
Isabel, filha dos Reis Católicos, e deveria tornar-se assim o heredeiro do trono de Castela e
Aragão, por esta razão comprometeu-se a expulsar o povo judaico do seu reino. A 5 de
Dezembro de 1496 foi publicado o édito de expulsão dos judeus e mouros do reino, embora
no decreto espanhol de 1492 se tratasse somente dos judeus. Se não fossem expulsos, os reis
de Espanha levariam a mal e poderiam aproveitar a oportunidade para exercer represálias
sobre Portugal. Todas as concessões atribuídas aos judeus foram anuladas e quem não
quisesse receber águas do baptismo era expulso. O rei foi pressionado também pela infanta D.
Isabel, que declarou: «só entrarei em Portugal, quando estiver limpo de infiéis».13
Era visível que o rei queria evitar a saída dos judeus de Portugal, pelo que tomou
algumas medidas para impedir esta realidade. Ao contrário da Espanha, onde a população
9 F. Sierro Malmierca, Judíos, moriscos y inquisición en Ciudad Rodrigo, Salamanca, 1990 10 António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985 11 Joaquim de Assunção Ferreira, Estatuto Jurídico dos Judeus e Mouros na Idade Média Portuguesa, Universidade Católica Editora, 2006 12 António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985 13 Joaquim de Assunção Ferreira, Estatuto Jurídico dos Judeus e Mouros na Idade Média Portuguesa, Universidade Católica Editora, 2006
9
judaica tinha apenas 4 meses para a partida, em Portugal com o novo rei obtinha um prazo de
10 meses.14
Durante este tempo, a 19 de Março, véspera do Domingo de Ramos e talvez
coincidindo com a Páscua mosaica o rei fez baptizar à força as crianças hebraicas com menos
de 14 anos. Estas foram isoladas das suas famílias e entregues a famílias cristãs, que as
educassem na fé cristã. Esta entrega tinha por objectivo uma pressão psicológica sobre as
famílias judaicas. Depois fez-se o mesmo com adolescentes e jovens até aos 25 anos, que se
encontravam em Lisboa. Embora o baptismo das crianças se fizesse em todas as partes de
Portugal, o dos adolescentes restringiu-se só a Lisboa. 15
Entre outras medidas realizadas por D. Manuel pertence por exemplo, a de isenção de
inquirição, como aludiu Saraiva: «Outra medida tomada por D. Manuel, enquanto corria o
prazo para a saída dos Judeus, foi isentar de qualquer inquirição religiosa os novos cristãos,
durante um prazo de 20 anos ( provisão de 30 de Maio de1497). Isto significava que não
seriam admitidas durante esse tempo acusações por judaísmo. Trata-se evidentemente de uma
garantia contra uma eventual inquisição e contra violências semelhantes àquelas de que
estavam sendo objecto os cristãos-novos espanhóis, garantia que tinha em vista tranquilizar
aqueles que o medo, mais que a fé, podia incitar à expatriação.»16
A 31 de Dezembro de 1497 D. Manuel autorizou o embarque do povo judaico só em
barcos da confiança régia e reclamou-lhes a licença régia para a saída, sob condição de perda
dos seus bens. Uma metade destes recaiu sobre o acusador e a segunda parte sobre a arca da
piedade. Desta maneira, o rei queria reduzir a baixa de moedas, metais preciosos e
mercadorias defesas de Portugal.17
Como já foi dito, o rei tentou fazer tudo para impedir o embarque dos que persistiram
em partir. Inclusivamente, por fim só podiam embarcar num único porto, o de Lisboa.
Segundo Damião de Góis, ali se reuniram aproximadamente vinte mil judeus, que vieram de
diversos lugares em Portugal. Mas um grupo de frades, aproveitou a sua concentração e
atacou-os, lançando sobre eles a água de baptismo. Por isso, a partir daquele momento eram
considerados cristãos e deveriam respeitar a Igreja. Só uma reduzida percentagem de judeus
conseguiu o embarque, quer quisessem quer não a maioria deles foi obrigada a ficar em
Portugal.18
14 António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985 15 Maria José Ferro Tavares, A expulsão dos Judeus de Portugal: conjuntara peninsular, in Oceanos 29, 1997 16 António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985, p.34 17 Maria José Ferro Tavares, A expulsão dos Judeus de Portugal: conjuntara peninsular, in Oceanos 29, 1997 18 António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985
10
A conversão geral dos adultos Judeus começou ao fim de Maio de 1497 e continuou
por Junho até ao fim de Setembro, quando era pressuposta a chegada da rainha. Durante este
tempo os judeus foram baptizados em todo o reino e recuperaram os seus filhos e bens. Deste
modo terminaram em Portugal os judeus e nasceram os cristãos- novos.
Depois do baptismo dos judeus, o rei praticou uma política que tinha em vista a sua
integração na sociedade cristã . Realizou, por isso, algumas medidas, como a proibição do
casamento entre os cristãos-novos para que se tornasse mais rápido o processo da sua
catequização e assimilação. No caso de não obedecerem, perdiam os bens, que passariam a
pertencer à Coroa.
A 21 de Abril de 1499 proibia-se a emigração dos cristãos-novos, sobretudo quando
levassem as famílias, sob pena de confisco de bens. Podiam sair do país exclusivamente em
negócios com a condição de que os filhos e as mulheres ficassem em casa.19 Esta medida
discriminatória resulta do facto de os Reis Católicos terem pedido a D.Manuel a entrega dos
judeus espanhóis que se refugiavam em Portugal, o que ele recusou.20
O rei tentou fixar o maior número possível de judeus no reino, para ele quantos mais
judeus tanto melhor, podendo estes vender a sua fortuna somente com a autorização do rei.
Em sequência do massacre dos cristãos-novos em Lisboa em 1506 é criada a lei de 1
de Março de 1507 que punha fim a esta discriminação, abolindo a interdição de não poderem
vender os seus bens livremente e viajarem para o estrangeiro.21 O massacre de Lisboa de
1506, também denominado a matança da Páscoa de 1506 foi provocado por um grupo de
fanáticos religiosos que atacou, torturou, matou e também queimou no Rossio cerca de duas
até quatro mil pessoas, culpadas do judaísmo.
Tudo começou a 19 de Abril de 1506, um domingo, durante a missa no Mosteiro de
São Domingos em que os fiéis rezavam para que terminasse a época da seca e pelo fim da
peste.22 «Alguém jurou ter visto no altar o rosto de Cristo iluminado – fenómeno que, para os
católicos presentes, só poderia ser interpretado como uma mensagem de misericórdia do
Messias, um milagre. Um cristão-novo que também participava da missa tentou explicar que a
luz era apenas o reflexo do sol, mas foi calado pela multidão, que o espancou até à morte.A
partir daí os judeus da cidade foram o bode expiatório da determinada situação de seca, fome
e peste: três dias de massacre sucederam, incitados por frades dominicanos que prometiam
19 Maria José Ferro Tavares, A expulsão dos Judeus de Portugal: conjuntara peninsular, in Oceanos 29, 1997 20 António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985 21 Maria José Ferro Tavares, A expulsão dos Judeus de Portugal: conjuntara peninsular, in Oceanos 29, 1997 22 http://pt.wikipedia.org/wiki/Massacre_de_Lisboa_de_1506
11
absolviação dos pecados dos últimos 100 dias para quem matasse os hereges.»23 Os Judeus
foram considerados a causa da peste e seca. Não se encontrando em Lisboa, o rei enviou
magistrados para porem termo ao massacre.
Tudo terminou três dias depois, a 22 de Abril de 1506 com a morte de um escudeiro
do rei, João Rodrigues Mascarenhas, que era judeu e com a chegada das tropas reais. D.
Manuel castigou as pessoas culpadas e os dominicanos, que instigaram às agressões, foram
condenados à morte.24 Mas após trinta e seis anos os dois frades condenados à morte,
apareceram vivos em Roma, onde se engajaram na Inquisição, ao serviço de D.João III.25
Como já foi mecionado, em Portugal ainda não se pode falar sobre uma data da
expulsão ou sobre a limpeza de sangue. Os novos convertidos conservaram a sua fortuna e
continuaram isentos de pesados impostos. D. Manuel praticou uma política maquiavélica,
visível na combinação da violência e sedução, tendo como objectivo que os judeus ficassem
no país e atraindo os de Castela para fortificar a economia portuguesa.26
Para melhorar a integração dos cristãos-novos na comunidade cristã, no ano 1507, o
soberano declarou a igualdade de direitos e deveres entre eles. Mas esta realidade causou
infelizmente um desequilíbrio da economia que era evidentemente vantajoso para os cristãos-
novos, sobretudo, no que toca a expansão portuguesa mas também no que diz respeito ao
comércio e serviços.
Os cristãos-velhos não estavam contentes com esta situação e sentiam ressentimentos
contra os conversos, considerando-os agiotas e oportunistas, não diferenciando cristão-novo
de judeu.
Apesar de todos os esforços da Coroa em integrá-los, os conversos continuavam a
casar entre si e faziam tudo para viver separados dos cristãos-velhos. Podemos aqui concluir
que a política de integração seguida foi um fracasso.
Paralelamente, muitos deles não conseguiram desvincular-se da sua religião e dos seus
antecessores. Deram-se por infelizes inseridos numa nova religião estranha e confusa. E
quando a mais adicionamos a sua marginalização voluntária por medo dos cristãos-velhos e
dos contínuos choques, vemos a impossibilidade de integração.27
Outro dos esforços visando a sua integração na sociedade data de 6 de Maio de 1512,
quando o soberano determinou que um converso participasse no governo em Lisboa e que
23 Idem 24 Idem 25 António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985 26 António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985 27 Elvira Cunha de Azevedo Mea, Resistência da minoria judaica transmontada à assimilação (século XVI), in Oceanos
12
fosse eleito paralelamente com os quatro cristãos-velhos da Mesa da Casa dos Vinte e
Quatro.28 Mas simultaneamente como declara M. J. F. Tavares: «Por outro lado, talvez para
não conflituar com os homens de ofícios e respectivos hospitais, determinava em data que
desconhecemos que nenhum cristão-novo pudesse ser escolhido para um dos representantes
dos mesteres na Câmara e Mesa, excepto quando fosse eleito pelos vinte e quatro
procuradores, o que tornava mais contingente a sua eleição.»29 Apesar desta restrição o
soberano forçava que os convertidos integrassem a vida política lisboeta.
Em 1512 D. Manuel prolongou o tempo, em que os conversos não eram submetidos
pelas inquirições religiosas, ainda de dezasseis anos. Mas muito cedo quebrou a sua palavra e
inclinou à ruptura dos seus compromissos anteriores. Já em 26 de Agosto de 1515 incubiu o
seu embaixador em Roma de uma tarefa que pedisse ao Papa uma inquisição que copiasse o
modelo castelhano.
É interessante que esta carta, escrita por D. Manuel, tenha tratado quase unicamente
dos refugiados, explicando assim que estes não seguiam as regras e não davam bom exemplo
aos outros. Isto é claro da citação desta carta: « Pelo que, e porque satisfaçamos ante Deus
com a obrigação que nisto lhe temos, não somente acerca destes que assim são vindos de
Castela a estes nossos reinos e senhorias, mas ainda acerca dos Cristãos-Novos naturais deles,
que neles se converteram em tempos passados à nossa Fé, nos parece que devemos mandar
entender com fiel e justa inquisição para castigar os faltosos.» É muito provável que este facto
foi realizado para satisfazer as pressões do rei de Espanha.30 Mas desgraçadamente, o
soberano morreu no ano 1521 sem que tivesse sido posto em marcha o assunto.31
Terminando o reinado de D. Manuel, a integração não se dava por concluida, porque a
maioria dos cristãos-novos continuavam a sentir-se judeus e continuavam a ser considerados
assim por parte dos cristãos-velhos, vivendo lado a lado.32
IV. O PROCESSO DA INSTAURAÇÃO DA INQUISIÇÃO EM
PORTUGAL
O rei D. João III subiu ao trono em Dezembro de 1521.33 Foi influenciado, pela sua
mulher D. Catarina, irmã do rei de Espanha, Carlos V, na instauração do Tribunal do Santo
28 Maria José Ferro Tavares, A expulsão dos Judeus de Portugal: conjuntara peninsular, in Oceanos 29, 1997, 29 Idem, p.18 30 António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985, p.36 31 S. Alexandre, Judeus, Cristãos-novos e a Inquisição, Prefácio, 2002 32 Maria José Ferro Tavares, A expulsão dos Judeus de Portugal: conjuntara peninsular, in Oceanos 29, 1997
13
Ofício, pois D. Catarina concordava com as leis severas do seu irmão, dirigidas contra os
judeus e cristãos-novos.
No início do seu reinado D. João III confirmou as leis manuelinas de 1497 contra a
discriminação dos cristãos-novos. Mas encontramo-nos pouco tempo antes do establecimento
da Inquisição em Portugal. A atmosfera ia de mal a pior, adensando-se em torno do povo
judaico. Por exemplo nas Cortes de 1525 os judeus foram acusados de terem abarcado os
trigos, que causou a sua falta no mercado e o aumento dos preços.
Ainda por cima, a situação agravava com a chegada de um cristão-novo, David Rubeni
a Santarém, em 1525. Este entousiasmou os judeus com a declaração da vinda do Messias e
a próxima restauração do reino de Judá. 34 Com a importância deste homem está de acordo
também E. C. De Azevedo Mea que declara: «David Reubeni em 1525 esteve em Portugal
cerca de um ano e meio e a partir daí nada ficou como antes – desde a exaltação religiosa
judaica, que tomou foros de provocação, levando cristãos-novos a deliberadamente atentarem
contra objectos sagrados, incluindo hóstias, à angariação de fundos para o rei dos judeus, à
elaboração de várias profecias (sendo paradigmas Santo Isidoro e Bandarra), até ao
estabelecimento da Inquisição em Portugal, já que todo este clima pressionou a decisão final
do Papa.»35
O centro da recolha dos presentes para ajuda do rei judaico foi em Trás-os-Montes, em
Miranda do Douro, além de ser também o centro de estudos de teor messiânico. Existiam
várias datas e teorias possíveis para a vinda do Messias. Por tudo isso, os transmontanos
encontravam-se entre as primeiras vítimas da Inquisição.36
Antes do estabelecimento da Inquisição, o clero aproveitava todas as ocasiões para
sujar os conversos. Como se pode verificar no ano 1531, quando um sismo abalou Portugal.
Os frades de Santarém divulgaram informacões, afirmando, que se tratava de um castigo de
Deus, porque os portugueses toleravam os judeus no seu seio. Naquela altura, o poeta Gil
Vicente foi a Santarém e protestou contra os frades, argumentando que um sismo é um
fenómeno natural e que os judeus deviam ser convertidos pela sua própria convicção.Escreveu
uma carta, explicando as suas razões e mandou-a a D. João III. Daqui podemos depreender
que ainda se podia defender a política tolerante de D. Manuel.37
33 http://www.arqnet.pt/dicionario/joao3.html 34 S. Alexandre, Judeus, Cristãos-novos e a Inquisição, Prefácio, 2002 35 Elvira Cunha de Azevedo Mea, Resistência da minoria judaica transmontada à assimilação (século XVI), in Oceanos, p. 72, 74 36 Idem 37 António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985
14
Mas esta situação não durou muito tempo, inclusivamente, no mesmo ano D. João III
envia Brás Neto, o embaixador de Portugal, a Roma solicitar uma bula a Clemente VII que
estabelecesse a Inquisição. Em Dezembro de 1531, o papa nomeava Frei Diogo da Silva como
o inquisidor de Portugal e seus domínios.38 Sem embargo o Papa duvidava sobre os honestos
propósitos de rei. Estava convencido que apenas se queria apoderar dos bens dos cristãos-
novos que lhe podiam servir como uma nova fonte de recursos a acrescentar aos tradicionais
rendimentos feudais. Por isso o rei não obteve condições convenientes do Papa e não tinha
poder para nomear os inquisidores.
Esta bula de 17 de Dezembro de 1531 provocou muitas violências, começaram a
aparecer os primeiros tribunais inquisitoriais em algumas dioceses. Mas o Papa mudou de
atitude e com a bula de 7 de Abril de 1534 suspendeu a Inquisição, argumentando, que D.
João III o tinha enganado, encobrindo-lhe a conversão forçada dos judeus no reinado de D.
Manuel. Em consequência recomendou a escusa geral das culpas de judaísmo, a libertação
dos prisioneiros e em seguida também a restituição da fortuna confiscada.
Clemente VII desejava que os conversos fossem recebidos e instruídos de caridade e
que não fossem vítimas de um poder bárbaro e tirânico. Mas a morte de Clemente VII fez
com que a bula de perdão não tivesse entrado em vigor.
Mesmo que o seu continuador, o Papa Paulo III, depois de longa reflexão, a
confirmasse com a bula de 17 de Março de 1535, libertando assim vários prisioneiros e
suspendendo os processos existentes, em 23 de Maio de 1536 sob pressão por parte de seu
cunhado Carlos V deu autorização ao restablecimento da Inquisição em Portugal.
Esta bula de 1536 ordenava que durante os três anos seguintes os nomes das
testemunhas de acusação não fossem ocultos e garantia que durante dez anos os bens dos
condenados não fossem confiscados.39 O Papa determinava três inquisidores gerais- os bispos
de Coimbra, Lamego e Ceuta e o rei tinha direito nomear um outro.40 Além disso Paulo III
reservava-se o direito de controlar a realização da bula e de decidir em última instância
mediante o seu núncio em Lisboa.
Resumindo ainda não se tratava da Inquisição pela qual o rei se tinha esforçado, sem a
fiscalização do Papa sobre a Inquisição. Por isso queria obrigar a partir o núncio pontifício
Capodiferro, que podia suspender o tribunal, no caso de não serem respeitadas as condições
de protecção aos conversos. O soberano determinou ainda como inquisidor, o seu irmão, o
38 Joaquim de Assunção Ferreira, Estatuto Jurídico dos Judeus e Mouros na Idade Média Portuguesa, Universidade Católica Editora, Lisboa 2006 39 António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985 40 S. Alexandre, Judeus, Cristãos-novos e a Inquisição, Prefácio, 2002
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infante D. Henrique, que era naquela época arcebispo de Braga, apesar de não ter idade
suficiente para desempenhar essas funções.
Não omitiu nem uma oportunidade para provocar os pretextos para fazer crer na
maldade dos cristãos-novos. Por exemplo aparecendo um papel colocado nas portas das
igrejas em Lisboa, declarando a chegada próxima do Messias, produziu um grande escândalo
e um homem foi queimado sem que fosse provada a sua culpa. O mesmo se verifica com o
caso de um alfaiate de Setúbal que se anunciou como Messias. Embora fosse um feito sem
repercussão, o rei decidiu queimá-lo numa grande fogueira a fim de que convencesse Roma
dos perigos do judaísmo português.
Os conversos tinham em Roma os seus agentes seja declarados seja secretos que
dispunham de muito dinheiro designado para oprimir os esforços do rei. Primeiramente, o seu
papel foi impedir o establecimento da Inquisição e após a sua implantação pedir a aplicação
das normas dos tribunais comuns.
Depois da resignação com a sua instauração em Portugal, os cristãos–novos queriam
conseguir pelo menos certas garantias de processo comum.41 Por exemplo estas que menciona
Saraiva: « que os nomes das testemunhas de acusação não sejam secretos; que não aceitem
testemunhos de pessoas presas por Judaísmo («porque culpam os nossos por medo»), nem de
escravos e pessoas vis; que os presos possam comunicar; que se ponham prazos para a
conclusão do processo; que os réus possam escolher os seus próprios advogados, etc.»42 Estas
propostas provêm de quatro cristãos-novos que consultaram secretamente com D. João III
sobre o modo de como evitar a partida dos cristãos-novos do país, que apesar dos pesares
continuava, embora fosse ilegal e proibida. Os mesmos protestavam contra a confiscação dos
bens e também contra o facto que os cristãos-novos não poderem participar nas misericórdias,
nas corporações de ofícios da cidade, nos «ofícios de honra» etc. Exigiam a D. João III que
não permitisse no país nenhuma lei que separasse os conversos dos cristãos-velhos. Se isto
fosse cumprido, garantiam o fim da fuga dos cristãos-novos e a volta dos que fugiram de
Portugal em grande parte.
A aplicação das regras do processo comum e a interferência incessante do núncio nas
questãos inquisitoriais causaram a ira da corte portuguesa. Por causa das numerosas
provocações da sua parte, o núncio foi obrigado a sair. Sem compensação, o Papa, com a bula
de 12 de Outubro de 1539, dava várias garantias aos acusados, é o caso da proibição das
testemunhas secretas. A mais importante é sem dúvidas o direito de apelação para o Papa.
41 António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985 42 Idem, p.52
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Mas desgraçadamente esta bula nunca foi publicada em Portugal. A única mudança, depois da
saída do núncio, foi a de os inquisidores terem as mãos livres.
Em 20 de Setembro de 1540 decorria o primeiro auto-de fé em Lisboa e seguiam-se
outras fogueiras em Coimbra, Lamego, Tomar, Évora e no Porto. Por isso, o Papa, pelo breve
de 22 de Setembro de 1544 suspendeu uma vez mais a Inquisição. Este breve foi trazido em
segredo por um novo núncio.O rei mandou uma carta ao Papa, onde pedia o fim da suspensão
e o restablecimento da Inquisição sem nenhuma limitação.Nesta carta mostrou a
desobediência ao Papa. Escolheu seguir o exemplo do Henrique VIII e declarou a rebeldia
com o pedido de instituir um tribunal como um instrumento do rei.
Finalmente, o Papa acabou por aceitar as reivindacações de D. João III. A bula de 16
de Julho de 1547 nomeia Infante D. Henrique como o inquisidor-geral, o que significava o
fim do processo comum e a aplicação do processo inquisitorial. Paralelamente o Papa
publicava uma bula de perdão com várias restrições. Por um breve suspendeu o confisco dos
bens por dez ano, por outro a entrega dos condenados ao poder secular por um ano. Em outro
permitiu a saída dos conversos para estrangeiro. Pouco tempo antes da sua morte publicou
ainda um breve que ordenava os testemunhas públicos, mas que nunca foi aplicado.43
Com a bula de 1547 foram ratificados os estilos da Inquisição. Estes estilos
caracterizou o padre António Vieira44 pela frase «divinha quem te deu». O culpado era
encarcerado sem saber a causa da acusação.45 A inquisição também instaurou a censura da
imprensa. Em 1547 era editada uma lista de livros proibidos, chamado Index Expurgatório.46
Até 1580 os conversos obtiveram vários perdões e isenções de confisco, mas muitas
vezes os reis portugueses para evitarem crises financeiras, procuravam subterfúgios para
conceder a liberação de confisco, que lhes era pago pelo povo judaico.Estas atitudes eram
negadas pelos inquisidores, por causa do medo do prejuízo económico. Mas por exemplo o rei
D.Sebastião otorgou pelo prazo de dez anos a isenção dos confiscos aos judeus por 225 000
cruzados.47
Até 1580 os cristãos-novos podiam entrar nas ordens religiosas, frequentar a
Universidade e navegar. Estavam engajados no apresto das armadas e no comércio
43 António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985 44 Padre António Vieira é um dos homens mais consideráveis de Portugal, era um dos primeiros pregadores do seu tempo,quase toda a vida vivia em Baía onde catequizava os indígenas. 45 António Borges Coelho, Judeus e Cristãos-Novos Portugueses (séculos XVI e XVII), in Oceanos 29,1997 46 Jan Klíma, Dějiny Portugalska, Nakladatelství Lidové noviny 1996 47 S. Alexandre, Judeus, Cristãos-novos e a Inquisição, Prefácio, 2002
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monopolista da pimenta. Contudo, a Inquisição organizava o seu poder e ia perseguindo os
tremalhados do rebanho.48
Segundo a opinião de A. B. Coelho entre os acontecimentos mais cruéis pertence sem
dúvida o que ocorreu em Évora: «no auto de 1572, em que foram relaxados em carne 18
homens e mulheres cristãs-novas, envolvidos na chamada «conjuração de Beja.» O rei D.
Sebastião, um jovem de dezasete anos, dignou-se solenizar o acto com a pompa da autoridade
régia.»49
V. ÉPOCA FILIPINA
O governo dos Filipes em Portugal iniciou com o reinado de Filipe I em 1580. Durante
algum tempo do seu reinado o poder eclesial, inquisitorial e político ficou nas mãos do
Cardeal Alberto, seu sobrinho. Os cristãos-novos que não protestaram contra a coroação do
novo soberano, conseguiam por algum tempo manter-se na direcção do Consulado, um tipo
de bolsa e tribunal de mercadores do comércio internacional. Apesar disso muitos mercadores
de Lisboa e do Porto fugiram para Amsterdão, onde formaram a comunidade judaica.50
Pouco tempo depois, por causa da intensificação da fuga dos cristãos-novos Filipe I
anulou a permissão de cristãos-novos puderem sair do reino e publicou as leis de 30 de
Janeiro de 1567 e de 2 de Junho de 1573. Segundo estas, era proibido às famílias dos cristãos-
novos, o uso de objectos que representavam riqueza e honraria, como eram por exemplo jóias,
sedas etc. De pronto lhes foi vedado o desempenho de funções de honra. A situação ia de mal
a pior, porque a legislação punitiva era cada vez mais dura. Por esta razão, os conversos
escreveram uma petição,onde pediram ao rei que lhes outorgasse solicitarem do papa um
perdão geral, prontificando-se a ajudar ao tesouro real com uma quantia atraente.51
Segundo Maria Benedita Araújo: « As reclamações do Santo Ofício e do clero em
geral não obstaram a que fosse ordenado o citado Tribunal que reconsiderasse a posição
assumida, contrária ao favorecimento dos cristãos-novos. Era então Inquisidor-mor o bispo de
Elvas, D. António de Matos Noronha, que não parecia disposto a modificar o seu parecer,
48 António Borges Coelho, Judeus e Cristãos-Novos Portugueses (séculos XVI e XVII), in Oceanos 29,1997 49 Idem 50 António Borges Coelho, Judeus e Cristãos-Novos Portugueses (séculos XVI e XVII), in Oceanos 29,1997 51 Maria Benedita Araújo, Família e grupo social no criptojudaísmo português (século XVII), in Oceanos 29, 1997
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afirmando-o fundamento nos prejuízos da fé, do reino, dos cristãos-velhos e de suas famílias e
manifestando-se contrário à concessão do requerido.»52
Como a situação não se mudou, depois da morte de Filipe I , apresentaram o seu
pedido uma vez mais. A Inquisição de novo protestou, sendo apoiada pelo alto clero.Os
arcebispos de Évora, Braga e Lisboa partiram para Madrid para delinearem ao rei os possíveis
perigos da política actual, que segundo eles era contra os interesses do reino.53
No início do reinado de Filipe II a repressão diminui de intensidade.54 Filipe II dirigiu
a Roma o pedido manifestado pelos cristãos-novos e estableceu em Portugal um vice-rei, D.
Pedro de Castilho. Em 1605, o vice-rei deixou proclamar na Sé de Lisboa o perdão geral que
foi ordenado, seguindo o desejo do rei, pelo papa. Naquela altura foram postas em liberdade
centenas de presos. Esta realidade causou muitas agitações do povo.55 Mas segundo A. B.
Coelho os convertidos lograram um perdão geral e os presos foram libertados, graças à
promessa que pagariam considerável contribuição de 1 700 000 cruzados. Este facto provocou
muitos protestos em Coimbra e Lisboa.
Contudo, até 1605, os inquisidores conseguiram queimar 1 900 pessoas.56
Naquela época, citando António Borges Coelho: «desaparecem a língua e os livros hebraicos
que a fogueira extingue em arcas envolvidas em samarras. As cerimónias judaicas, quando as
há, reduzem-se ao estereótipo do Edital da Fé: acender candeias, vestir camisa lavada ao
sábado, não comer carne de porco ou peixe sem escama.»57
A saída dos convertidos continou constante. No fim do século XVI regista-se uma
emigração forte dos homens de negócio portugueses para Espanha, onde as perseguições por
judaísmo eram cada vez mais escassas. Os emigrantes sentiam-se aí menos ameaçados e a
Espanha oferecia aos mercadores convenientes oportunidades de negociar. Quase podemos
dizer que naquela época a designação português em Espanha, era o sinónimo para judeu. Os
emigrantes formavam parte muito importante do comércio com as Índias Ocidentais,
facilitavam o caminho da prata da América, concediam empréstimos ao rei e mesmo na parte
da América pertencente aos espanhóis dominavam sobre tudo com relação ao comércio dos
escravos, do dinheiro e do açúcar. Por causa da difusão extensa, cumulação de dinheiro e
52 Maria Benedita Araújo, Família e grupo social no criptojudaísmo português (século XVII), in Oceanos 29, 1997, p.54 53 Idem 54 António Borges Coelho, Judeus e Cristãos-Novos Portugueses (séculos XVI e XVII), in Oceanos 29,1997 55 Maria Benedita Araújo, Família e grupo social no criptojudaísmo português (século XVII), in Oceanos 29, 1997 56 António Borges Coelho, Judeus e Cristãos-Novos Portugueses (séculos XVI e XVII), in Oceanos 29,1997 57 Idem, p.43
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também graças à perfeita organização os cristãos-novos portugueses ocupavam uma das
posições financeiras mais importantes na Europa.58
O vice-rei queria impedir a emigração maciça de Portugal, exigindo ao cardeal, que
convencesse Filipe II a não aceitar o dinheiro prometido e em vez disso vedasse o êxodo dos
cristãos-novos do país. Em 1610 foi renovogada a lei de 1601 que proibia a sua saída de
Portugal, assim como a possibilidade de vender os bens sem permissão.
A situação dos convertidos em Portugal começou a ser aflitiva, também os autos-da-fé
eram cada vez mais crueis.Um dos casos piores ocorreu em 1619 em Évora, como descreve
M.B. Araújo: « Os saidos na ceremónia totalizaram 120 réus, dos quais 12 foram relaxados à
justiça secular, estando presente à ceremónia o rei, a princesa e o infante, além de todos os
grandes da corte. Como sempre, o grupo parental era fortemente afectado. Os processos
decorrentes no Tribunal do Santo Ofício devassavam em pormenor a vida familiar e social
dos delatos, forçando as denúncias dos próprios parentes e amigos.»59
No início do reinado de Filipe III os cristãos-novos pediram ao soberano certas
mudanças, por exemplo: um edicto de graça por três meses, a proibição da designação cristão-
novo ou gente de nação, o acesso a todas as honras e cargos, a reforma das práticas da
Inquisição e a possibilidade de sair livremente de Portugal.60 Num memorial os mercadores
cristãos-novos apresentaram o seu pedido sobre o alívio da sua pena ao rei uma vez mais,
garantindo-lhe recompensas. Neste memorial os cristãos-novos argumentaram com a
influência que tinham no desenvolvimento do comércio ultramarino. E porque, graças às
guerras, epidemias e crise económica, a situação em toda a Península Ibérica era miserável, o
rei era de certo modo indulgente, não queria perder ouro, que recebia dos cristãos-novos e os
seus serviços vantajosos, porque a situação do tesouro real era miserável. Estes factores
levaram o rei a empenhar-se de forma a impedir o êxodo incontrolável dos cristãos-novos e
dos seus bens. Em Agosto de 1627 proclamou que os convertidos e mesmo os judeus que se
convertessem na fé cristã, seriam libertos da confiscação dos seus bens.61 No mesmo ano
proclamou a habilitação dos cristãos-novos para desempenharem cargos e honras seculares.
Em 1628 declarou a liberdade dos casamentos e também ordenou aplicar os modos da
Inquisição espanhola à portuguesa, porque as praxes e processos inquisitoriais em Espanha
58 António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985 59 Maria Benedita Araújo, Família e grupo social no criptojudaísmo português (século XVII), in Oceanos 29, 1997, p.54 60 António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985 61 Maria Benedita Araújo, Família e grupo social no criptojudaísmo português (século XVII), in Oceanos 29, 1997
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eram muito mais justos que os portugueses. Os conversos ofereceram em troca disso um
empréstimo. Este facto causou muitos protestos da Inquisição, do clero e do povo em todo o
reino.62 Não conseguiram nenhum resultado e ainda por cima como escreve M. B. Araújo: «A
10 de Setembro desse mesmo ano, o bispo do Algarve, D. Fernando Mascarenhas,
promulgava o «Edicto da Graça», onde era ratificado o perdão real, pelo período de três meses
para os que residissem no reino e por um prazo de seis meses para os ausentes.»63 As tréguas
não duraram muito tempo e com a expiração deste prazo as perseguições e autos-da-fé
recomeçaram.64 Continuando os cristãos-novos a emigrar para a Espanha, França, Inglaterra e
sobretudo para a Holanda, para onde emigravam já desde 1593 e onde haviam logrado de
grande estima e prestígio.65 Os exilados na Holanda eram muito frutuosos, dispondo dos
capitais dos cristãos-novos da Península Ibérica, investiam intensamente nas Companhias
Holandesas das Índias Orientais e Ocidentais.66
No que se refere à Inquisição, durante o reinado de Filipe III, o seu poder e a
ferocidade foi ainda maior. Segundo os inquisidores os cristãos-novos saíam do país,
receando a confiscação dos seus bens e capitais pela Inquisição.67
Neste período as relações entre o rei e os inquisidores resultaram em conflito aberto.
Em 1627 Filipe III ordenou examinar os serviços do fisco. O resultado foi escandaloso. Ainda
por cima o soberano queria prolongar o edicto de graça por mais três meses e vedar o decurso
de um auto-de-fé.68 E por isso, como alude Saraiva: «O inquisidor-geral, D. Fernão Martins
de Macarenhas invocou a doutrina da Inquisição: «As matérias do Santo Ofício são
espirituais, e portanto não é lícido a Vossa Majestade chamar a si tais causas ou de alguma
maneira meter de permeio a sua autoridade.» No seu contra-ataque os inquisidores utilizaram
uma arma poderosa: a mobilização do sentimento popular.»69 Em 1630 da Igreja de Santa
Engrácia em Lisboa foi roubada a hóstia sagrada. Deste acto foi acusado um cristão-novo, que
acabou queimado sem que verificasse a sua culpa. Como a reparação do sacrilégio foram
colocados na cidade cartazes proclamando: «Louvado seja para sempre o Santíssimo
Sacramento.» Foi divulgada a informação que estes letreiros eram retirados e em vez deles
62 António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985 63Maria Benedita Araújo, Família e grupo social no criptojudaísmo português (século XVII), in Oceanos 29, 1997, p.59 64 Idem 65 Maria Benedita Araújo, Família e grupo social no criptojudaísmo português (século XVII), in Oceanos 29, 1997 66 António Borges Coelho, Judeus e Cristãos-Novos Portugueses (séculos XVI e XVII), in Oceanos 29,1997 67 António Borges Coelho, Judeus e Cristãos-Novos Portugueses (séculos XVI e XVII), in Oceanos 29,1997 68António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985 69 Idem, p.183-184
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apareciam outros dizendo: «Viva a lei de Moisés». Contava- se que um desacamento tinha
ocorrido também em Portalegre, onde se tinha encontrado um esqueleto de um cão descoberto
em cima de um crucifixo. Mas é muito provável que estes feitos se tenham operado somente
na imaginação popular.
Os inquisidores consideram esta época como o melhor tempo para aprofundarem o
sentimento do ódio aos conversos. Os inquisidores eram uma vez mais bem sucedidos, porque
se desencadeavam muitas agitações e rebeliões em diversas cidades. Por exemplo em Lisboa,
Coimbra, Braga e Évora os estudantes rejeitaram compartilhar as aulas com os cristãos-novos.
No mesmo ano uma Junta de bispos apresentou ao rei algumas medidas, salientando a
expulsão de todos que se confessassem culpados de judaísmo. Primeiro, o soberano estava
indeciso, mas acabou por se deixar convencer e desistiu ante pressão exercida pelo clero.
Ratificou os poderes da Inquisição, as leis de limpeza de sangue, os modos do processos
inquisitoriais e também, seguindo a proposta dos bispos, ordenou a expulsão geral de todos os
acusados de judaísmo. Mas a expulsão geral nunca entrou em vigor, porquanto o Santo Ofício
perdia assim as somas, que obtinha, dos autos-de-fé e dos processos. Os inquisidores
opunham que por causa da saída dos cristãos-novos perdiam os testemunhas para os novos
processos.
A ferocidade da Inquisição aumentou, segundo Lúcio de Azevedo entre 1633 e 1640
ocorreram mais de 280 processos e cerca de 2000 pessoas saíram nos autos-de-fé. Em
consequência aumentou o número da emigração portuguesa para Espanha. Esta realidade foi
fomentada pelo decreto real que dava liberdade de entrada e saída aos conversos. Deste modo
cristãos-novos entraram em Espanha até à Restauração da Independêcia portuguesa.70
Resumindo a época filipina significa a intensificação da discriminação dos cristãos-
novos, o aprofundamento do ódio a eles e o aumento da ferocidade da Inquisição.
Infelizmente as diligências dos cristãos-novos sobre o alívio do processo inquisitorial ficavam
sem resultado.
VI. A LIMPEZA DE SANGUE
A implantação da Inquisição em Portugal foi um dos factores que contribuiu para a
decadência da nacionalidade portuguesa.71 O seu estabelecimento teve como consequência a
introdução gradativa das leis discriminatórias referentes aos cristãos-novos.
70 António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985 71 S. Alexandre, Judeus, Cristãos-novos e a Inquisição, Prefácio, 2002
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Quando os estatutos da limpeza de sangue todavia não eram legalizados geralmente,
existiam os regulamentos particulares das várias ordens militares, religiosas etc. Também foi
decidido que os cristãos-novos não pudessem ser admitidos na Companhia. Por exemplo em
1573 os delegados portugueses evitaram a eleição do padre Polanco para Geral da Companhia
por ser cristão-novo.
Depois da subida de Filipe I ao trono, os cristãos-novos requereram ao rei que lhes
reconhecesse o direito aos cargos e honras, que era válido para outros vassalos. Além disso,
neste memorial pediram o direito de casar-se com cristãos-velhos. Assim os conversos
conseguiam desempenhar todos os cargos, excluindo os cargos eclesiásticos. Com o reinado
de Filipe I começaram a aumentar as leis pontifícias, exigindo para o desempenho dos cargos
eclesiásticos a «limpeza». Seguiram-se diversos breves como por exemplo o de 1612
regulando que os sacerdotes cristãos-novos não tivessem possibilidade ser curas de almas nem
vigários.
A situação na legislação civil mudava-se pouco a pouco no mesmo sentido. Em 1604
Filipe II ordenou a proibição do acesso dos cristãos-novos às funções militares. Nas Cortes
em 1622 os cristãos-novos declararam perante o novo soberano Filipe III que fossem
considerados capazes para todas as honras e cargos independentes da limpeza de sangue com
a única condição que os seus pais ou avós não tivessem sido punidos pela Inquisição. Filipe
III concedeu a idoneidade dos conversos para os cargos e honras seculares-laicos, mas
simultaneamente em 1621 e 1623 Filipe III publicou duas leis em que exigia a limpeza de
sangue para o desempenho dos postos docentes universitários.
Poucos anos depois foi estatuído pelo Regimento do Santo Ofício no livro de 1640,
como escreve Saraiva: « que o filho o neto de condenado pelo Santo Ofício não possa ser juiz,
meirinho, alcaide, notário, escrivão, procurador, feitor, almoxarife, secretário, contador,
chanceler, tesoureiro, médico, boticário,sangrador, contador de rendas reais, nem ter qualquer
ofício público, nem usar insígnia de qualquer dignidade civil ou eclesiástica.»
No respeitante aos condenados, não era possível que além do mais dessempenhassem
as funções de mestres de navios ou bombardeiros.Tinham proibido andar a cavalo e o uso de
vestidos da seda, de ouro, prata e pedraria, referindo-se sobretudo aos descendentes próximos
dos condenados.
A aplicação dos estatutos e leis de discriminação nunca foi sistemática e por isso
sempre quando se reuniam as Cortes se renovava o desejo desta aplicação.As excepções eram
constantes, ainda em 1622, o Inquisidor-Geral, D. Miguel de Castro fez saber ao rei que
23
durante os últimos oito anos nos autos-de-fé tinham aparecido entre outros eclesiásticos ainda
sete cónegos.
Um bom exemplo das dificuldades e problemas com os estatutos de limpeza de sangue
é Dr. Fransisco Velasco de Gouveia, cristão-novo bem conhecido e não obstante, professor da
Universidade. O próprio Inquisidor Geral pediu em Roma para que Gouveia fosse provido
num benefício eclesiástico. Mas poucos anos depois disso foi preso e saiu penitenciado em
auto-de-fé. Apesar dos pesares, em 1650 foi nomeado por D. João IV desembargador da Casa
da Suplicação. A Casa da Suplicação era um tipo de Tribunal supremo que processava em
última instância. Mas outros colegas deste Tribunal não o queriam receber, então Dr. Gouveia
convidou o rei e no seu memorial enumerou nove cristãos-novos que antes dele tinham
desempenhado as mesmas funções, durante os reinados de D. João, D.Sebastião e D.Filipe I.
Por fim com o apoio do rei Gouveia pôde ocupar a sua função no Tribunal.
Apesar das muitas excepções, a regra discriminatória foi mantida. Esta regra não
correspondia a uma realidade objectiva e era aplicada da forma mais arbitrária, porque com
ela existia um instrumento que permitia perseguir e discriminar certas pessoas. A perseguição
destas pessoas dependia da finalidade e estragédia da Inquisição.
A essência da limpeza de sangue na sociedade portuguesa deste tempo era irreal e por
isso tinha carácter arbitrário e aleivoso. Mesmo que não deixasse de ter uma presença
efectiva.72
VII. ATITUDE DE D. JOÃO IV E D. PEDRO NO RESPEITANTE
AOS CRISTÃOS-NOVOS
Na segunda metade do século XVII em Portugal aumentaram os problemas
financeiros. Quase todos os cristãos-novos disponíveis com grandes capitais tinham
abandonado o reino. As fortunas dos que ficaram, foram bem guardadas pelos amigos ou
parentes. Os processos de restituição dos conversos que foram declarados inculpados duravam
muito tempo e em certos casos acabavam sem conclusão.73
Com o fim do reinado dos Filipes em Portugal, que terminou pela quartelada no 1° de
Dezembro de 1640, foi restaurada a independência de Portugal.74 Depois desta revolução a
72 António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985 73 Maria Benedita Araújo, Família e grupo social no criptojudaísmo português (século XVII), in Oceanos 29, 1997 74 Jan Klíma, Dějiny Portugalska, Nakladatelství Lidové noviny 1996
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Espanha queria proteger e Acalmar os cristãos-novos portugueses, vítimas da ira do povo que
se rebelou numas cidades onde viviam os conversos ricos. Por isso em 28 de Dezembro
proclamou a proibição da sua perseguição e repressão no reino. A mais as Cortes de Janeiro
de 1641 negociaram um novo acordo com os conversos em Espanha, mas o novo rei de
Portugal, o duque de Bragança, D. João IV, protestou contra isso em Roma.
Ao contrário do rei de Espanha, D. João IV encontrava-se numa situação muito
difícil.75 Como afirma Saraiva: «Sem tesouro, reduzido em extremo o negócio do Oriente,
perdidas para a natureza as dávidas e beneses do rei de Castela, a grande e indispensável fonte
de recursos, capaz de financiar a guerra da independência, era, além do Brasil, donde vinham
o açúcar, o tabaco e outros produtos, os capitais dos «homens de negócio». Acrescente-se que
o comércio do Brasil, assim como os engenhos produtores do açúcar estavam igualmente na
mão dos chamados «cristãos-novos».76 Por causa de tudo isso, o rei começou a perceber que a
Inquisição obstaculizava respeito ao interresse do reino e da sua independência e que era
necessário escolher entre os cristãos-novos e o Santo Ofício.
Muito interessante é também a posição da Companhia de Jesus que até então tinha
colaborado estreitamente com a Inquisição. Desde a formação da Companhia em Portugal os
jesuítas portugueses eram fervorosos defensores da limpeza de sangue, muitos deles
desempenhavam funções inquisitoriais, como por exemplo a de censor dos livros, e nos autos-
de-fé serviam como confessores dos condenados à morte. Mas em 1643 a sua aliança com a
Inquisição acabou.77 Nesse ano os jesuítas protestaram contra o Santo Ofício e queriam atingir
à insenção das suas competências, a dispensa do cargo dos inquisidores de Évora e que
fossem abolidas as ordens sobre os conversos e suas famílias. Neste caso D. João IV foi de
opinião dos inquisidores e por isso os jesuítas recorreram a pedir ao Papa.78 E já em 1644
pediram da Santa Fé grandes reformas da Inquisição.
Em 1643 O jesuíta e conselheiro de João IV o Padre António Vieira apresentou a sua
primeira proposta a favor dos cristãos-novos. O país estava sem dinheiro e quase incapaz de
resistir à pressão militar da Espanha e somente o capital dos conversos podia resolver esta
situação. Por isso o Padre António Vieira sugeria a liberdade do comércio e a nobilitação dos
comerciantes para conseguir novos recursos financeiros para a guerra com a Espanha.
Infelizmente os resultados das suas propostas não foram imediatos.
75 António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985 76 Idem, p.185 77 Idem 78Maria Benedita Araújo, Família e grupo social no criptojudaísmo português (século XVII), in Oceanos 29, 1997
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Em 1646 escreveu novo documento em que exigiu a mais a reorganização dos
processos inquisitorias e a anulação da discriminação dos cristãos-novos. A situação
agravava-se. A Baía estava colocada em perigo pelos holandeses e os portugueses não tinham
dinheiro para a sua ajuda. Mas em boa hora, Vieira consegui a quantia necessária de dois
conversos lisboetas e graças à esta realidade a Baía foi salva. A seguir, Vieira redigiu o
terceiro documento, onde solicitou a liberação do fisco para as fortunas imóveis dos
mercadores. Desta feita é escrito a desejo do soberano e submetido ao Conselho Geral do
Santo Ofício. Os inquisitores não tinham medo de recusá-lo, ainda por cima ameaçavam com
perseguições de todos que tentassem fazer mudanças na sua legislação. Mas cada vez mais
teólogos, sobretudo os jesuítas, inclinavam para os argumentos de Vieira.
Nessa época ocorreram muitos conflitos entre os inquisidores e os teólogos jesuítas
que pretendiam que D. João IV suspendesse a pena do confisco das fortunas dos conversos.
Quando se reuniu o número suficiente de teólogos, apoiando esta ideia, formou-se o projecto
secreto da suspensão do fisco em troca da fundação de uma companhia comercial financiada
pelos homens de negócios. Este alvará foi elaborado pelo confessor do soberano, o padre
agostino Frei Manuel Fernandes com a ajuda de outros agostinos e jesuítas. Mesmo D. João
IV conspirou em segredo com os seus primeiros ministros. A conspiração foi bem sucedida e
os protestos dos inquisidores contra este alvará de 1649 não foram frutuosos.
O rei assegurou que por causa da guerra o comércio livre seria necessário. Proclamou
que as fortunas e os capitais dos cristãos-novos acusados de heresia, apostasia ou judaísmo
não fossem confiscados e inventariados durante a sua prisão, nem sequer integrados ao fisco
real durante o tempo dos julgamentos condenatórios.
Os anos seguintes do reinado de D. João IV até ao seu falecimento em 1656 são anos
de luta contínua entre ele e a Inquisição. Os inquisidores conseguiram do Papa a anulação do
decreto real. Por outro lado o soberano submeteu os inquisidores a uma condição ainda mais
desfavorável e desvantajosa, anulando a nomeação dos depositários das fortunas confiscadas
por eles. A seguir os inquisidores decidiram ainda aumentar as penitências pecunárias, que
podiam atingir até um terço das fortunas dos acusados. Ao contrário da confiscação que era
aplicada pela autoridade secular, a penitência pecunária era considerada como uma pena
espiritual.79
Em 1653 os inquisidores com o apoio do povo e da nobreza solicitaram nas cortes a
aboliação do alvará de 1649. Citando M. B. Araújo:« A Inquisição ressentia-se da falta de
79 António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985
26
dinheiro e parece que para a celebração do auto-da-fé realizado em Outubro de 1654 foram
tomados valores emprestados. Por isso, o Conselho Geral exigira que os juízes do fisco
entregassem os bens dos condenados ou diziam-se forçados a encerrar os tribunais. Ao
mesmo tempo, alegando falta de fundos, proibia que se dessem tornas aos familiares dos réus
ou aos próprios que exigissem contas de seus dinheiros, em manifesta oposição ao estipulado
pelo monarca.»80 O rei foi obrigado a submeter-se aos inquisidores. Embora não estivesse de
acordo com as práticas da Inquisição, achando que não era nada mais que uma «companhia de
ladrões», tinha que mostrar-se solidário com ela por causa do povo que a apoiva.
Pouco tempo depois da morte de D. João IV os inquisidores publicaram um edital,
declarando excomungados todos que se engajavam na lei que suspendia o confisco
inquisitorial. Era um modo de excomungar D. João IV sem indicar o seu nome. No mesmo
edital de 1657 os inquisidores anularam o alvará da Companhia do Brasil,ordenaram
continuar nas confiscações, ameaçando pela excomunhão todos que protestassem contra o
edital. Deste modo mostraram a sua superioridade à Coroa. Ambos os poderes estavam
definitivamente separados. Do lado dos cristãos-novos encontravam-se os jesuítas, rei e
algumas pessoas cultas enquanto que a Inquisição era apoiada por parte do clero, da nobreza e
do povo.81
Os prelados recusavam com renitência o perdão geral, argumentando com os
reduzidos resultados dos perdões anteriores e verificando que a quantia dos judeus nos autos-
de-fé continuava a aumentar. Segundo a sua opinião os cristãos-novos que regressavam do
estrangeiro, ofereciam os conhecimentos aprofundados do judaísmo aos conversos que nunca
tinham abandonado o reino. No caso de desaparecer a discriminação dos cristãos-novos os
seus inimigos tinham medo que os criptojudeus pudessem desempenhar cargos públicos e da
Igreja.
Nessa época apareceu novamente a ideia da expulsão geral. Mas os autores desta
proposta negligenciaram nas relações parentais entre as famílias, porque em grande número
das famílias já havia sangue converso. Outro factor negativo foi que a saída dos conversos,
dos seus bens e de todas as suas riquezas, podia enriquecer os países inimigos. Não há dúvida
que também a Inquisição não melhorou de posição, perdendo assim a possibilidade do
confisco dos bens dos réus de seus familiares. 82
80Maria Benedita Araújo, Família e grupo social no criptojudaísmo português (século XVII), in Oceanos 29, 1997, p.60 81 António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985 82 Maria Benedita Araújo, Família e grupo social no criptojudaísmo português (século XVII), in Oceanos 29, 1997
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Nas cortes em 1668 foi proclamado D. Pedro regente de Portugal por causa da
mentalidade instável do seu irmão, D. Afonso VI.83 Nestas cortes também apareceram uma
vez mais os protestos dos três estados contra os cristãos-novos, sempre considerados
criptojudeus.84 E como alude M. B. Araújo: « Na sequência, pelo decreto de 22 de Junho de
1671 era autorizado o relaxamento à justiça secular dos considerados criptojudeus já saídos
em cerimónias de desgravo, ou que viessem a sair em futuros autos-da-fé, ficando as suas
famílias igualmente sob justiça. Mas, se a privação das rendas dos bens apreendidos era o
tema económico e político do maior interesse para os governante, a repetição dos desacatos e
ultrajes praticados nas igrejas era o que mais estimulava e horrorizava o zelo popular. Os
casos sucediam-se em todo o reino, com igrejas assaltadas, roubo da hóstia consagrada,
conspureação e flagelação de imagens. De tudo isto eram acusados os criptojudeus. O povo
acorria às cerimónias dos autos-da-fé, vibrava com os sofrimentos, glorificava o tribunal.»85
Doutras profanações e furtos de objectos de culto continaram sendo acusados os
cristãos-novos o que levou o Regente a prometer a expulsão dos judeus para sossegar as
agitações.
Sobretudo com o decreto de 1671 a situação dos conversos tornava-se ainda pior.
Eram proibidos os matrimónios mistos, o exercício de cargos públicos e a possibilidade de
estudar na Universidade. Além do mais, em 1672 a Inquisição interditou aos réus de judaísmo
o uso das sedas, jóias e outros objectos de luxo assim como andar de cavalo e de coche.86
Com o apoio dos jesuítas os cristãos-novos novamente tentaram conseguir o perdão
geral e as reformas da Inquisição e também o regente D. Pedro avisou o Papa que apoiava os
esforços dos conversos. Mas a sua posição no trono ainda não era estável e os inquisidores
dispunham de perfeitas medidas de pressão. Divulgado o boato sobre o desterro de D. Pedro e
sugerida a liberdade de alguns judeus nobres, rebentaram rebeliões por parte do povo em
Lisboa. D. Pedro atemorizado, desde então não alentou o descontentamento para com o Santo
Ofício.
Nas Cortes seguintes, desafiados pela Inquisição, também os três Estados pediram a D.
Pedro que não favorecesse cristãos-novos em Roma. A seguir os conversos mandaram um
documento ao papa, em que afirmavam que os três Estados não cumpriam bem a sua função.
83 http://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_II_de_Portugal 84 Maria Benedita Araújo, Família e grupo social no criptojudaísmo português (século XVII), in Oceanos 29, 1997 85Idem, p. 62 86Maria Benedita Araújo, Família e grupo social no criptojudaísmo português (século XVII), in Oceanos 29, 1997
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Por causa da sua posição enfraquecida D. Pedro permitiu que cada um dos três Estados
escrevesse ao papa a aconselhar as diligências dos delegados da Inquisição em Roma.87 Se
gundo Saraiva: «Ele próprio escreveu no mesmo sentido, assim como, por conta própria, a
Rainha. Entre os representantes dos inquisidores e os representantes dos cristãos-novos, que
também tinham sido recomendados pelo Regente, o residente de Portugal em Roma não sabia
que posição tomar. E no meio desta confusão, o papa e os Cardeais, favoráveis aos cristãos-
novos, suponham ou fingiam supor que estes eram favorecidos por D. Pedro.»88
Sobretudo graças às Notícias reconditas o papa Clemente X pelo Breve de Outubro de
1674 mandou suspender o Santo Ofício até a premeditação do pedido do perdão geral e fez
saber ao regente e aos padres da Companhia de Jesus a sua complacência e respeito à
protecção dos oprimidos. Mas este breve não entrou em vigor porquanto o papa morreu.
Em 1676 o seu sucessor Inocêncio XI publicou um novo breve, em que prometia a
avaliação dos processos pedidos e a protecção dos familiares.89 Mas apesar disso os
inquisidores não o aceitaram, as rebeliões continuaram e apareciam os pasquins, ameaçando
os cristãos-novos, a Companhia de Jesus e também D. Pedro, que ao fim retrocedeu. Em
consequência, citando M. B. Araújo: «Roma abandonara entretanto a sua política de protecção
e por bula de 22 de Agosto de 1681, o Tribunal do Santo Ofício reassumiu funções, depois de
um interregno de 7 anos.»90
VIII. O FIM DA DISCRIMINAÇÃO DOS CRISTÃOS-NOVOS
Depois do triunfo do Santo Ofício sobre os cristãos-novos e os jesuítas, em 1681, a
Inquisição conseguiu um poder ilimitado e ainda reforçou o terror nos autos-de-fé, que foram
durante o reinado D. João V bem nutridos.91 Por exemplo desde o Maio de 1682 até
Fevereiro de 1692 processaram-se 16 autos públicos, onde foram condenadas
aproximadamente 400 pessoas.92 É o tempo do ancronismo bárbaro o que expressa bem a
situação que se vivia em Portugal. O padre António Vieira proclamava que os índios
selvagens brasileiros eram menos atrasados que Portugal.
87 António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985 88 Idem, p.194 89 Maria Benedita Araújo, Família e grupo social no criptojudaísmo português (século XVII), in Oceanos 29, 1997 90 Idem, p.63 91 António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985 92 Maria Benedita Araújo, Família e grupo social no criptojudaísmo português (século XVII), in Oceanos 29, 1997
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Nesta altura diversas personalidades bem consideradas começaram a tomar
consciência do mal provocado pela Inquisição e a manifestar-se contra ela.93 Por exemplo, D.
Luís da Cunha, famoso diplomata, desembargador do Paço, comendador da Ordem de Cristo,
filósofo etc.,94 chama a atenção para a nefasta acção da Inquisição que fazia sair os que eram
mais capazes para o comércio; que sentencia do judaísmo cristãos verdadeiros; que as
perseguições inquisitoriais davam lugar ao declínio das manufacturas da Beira e Trás-os-
Montes e também das fábricas brasileiras. Apresentava os autos-de-fé como uma prova da
barbaridade que depreciava Portugal antes o resto da Europa civilizada. Seguindo o interesse
do estado, sugeria uma reforma completa do tribunal da Inquisição, a liberdade da fé, permitir
a existência de um ghetto, estabelecer o processo comum, anular o confisco etc. D.Luís sabia
que era impossível que estas reformas fossem realizadas imediatamente, dado que o príncipe
havia sido educado em respeito à Inquisição. Mas logo o rei D. João V mostrou que não tinha
nenhum escrúpulo no contacto com os heréticos, por exemplo pela nomeação de Alexandre de
Gusmão como seu secretário, que era odiado pelos inquisidores. Outro representante da crítica
anti-inquisitorial foi o cristão-novo emigrado Francisco Ribeiro Sanches que estava
convencido de que a saída dos bens dos cristãos-novos era a causa do empobrecimento de
Portugal.Também Cavaleiro da Oliveira, que era fidalgo da Casa Real, cavaleiro da Ordem de
Cristo e diplomata, apesar da sua educação católica, tinha dúvidas sobre a justiça do Santo
Ofício. Comparava Portugal a um relógio que se atrasava bastante.
A gente portuguesa que se sentia europeizada, percebia a procedência das propostas de
Vieira e também que o comércio era de verdade a justa medida para melhorar a situação em
Portugal. Mas ainda não tinha chegado o tempo das mudanças e o terror dos autos-de-fé
continuava.95
Também o marquês de Pombal, o primeiro ministro de D. José I (1750-1777),
transformador das leis, da sociedade e economia portuguesa, era um dos oponentes à
discriminação dos cristãos-novos.96 Era o realizador dos planos do grupo esclarecido formado
sobretudo pelos estrangeirados. Primeiramente durante o reinado de D. João V trabalhara
como diplomata em Londres e Viena, onde preparava em segredo a modernização e
europeização de Portugal. Um dos mais esclarecidos Luís António Verney viu no Marquês de
Pombal a pessoa capaz de acabar finalmente com a Inquisição.
93 António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985 94 http://www.arqnet.pt/dicionario/cunhaluis.html 95 António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985 96 http://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_I_de_Portugal
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A legislação pombalina sobre a Inquisição consistia em duas mudanças principais. A
primeira era que o Tribunal da Inquisição não dependeria do papa mas do rei.97Como
escreveu Saraiva: « Este princípio estava, de resto, dentro da teoria do absolutismo régio de
que Pombal foi um dos expoentes. Depois de ter nomeado inquisidor-geral o próprio irmão, o
Marquês declarou a Inquisição tribunal régio e transferiu-o da protecção pontifícia para a
protecção régia, atribuindo-lhe o título de «majestade», próprio dos conselhos do rei.»98 Outra
reforma tratava-se da distinção entre cristãos-novos e cristãos-velhos que segundo a sua
opinião não tinha nenhuma procedência e era somente o resultado da leis da limpeza de
sangue e dos prejuízos. A seu ver as leis da Inquisição não eram o efeito da quantidade de
judeus em Portugal mas a razão.99
Antes da reforma inquisitorial quis impedir a discriminação. Em Maio de 1768 foram
destruídas as listas tributárias, que careciam de autenticidade e onde se encontravam os nomes
dos cristãos-novos.100 Deste modo desapareceram todos os documentos com a classificação
de cristãos-novos. A distruição destas listas foi tão sistemática que até hoje não foi descoberto
nem um exemplar destas listas.
A lei de 25 de Maio de 1773 ordenou a distinção entre cristãos-novos e cristãos-velhos
e anulou as provas de limpeza de sangue respeito ao exercício das funções honrosas e
públicas, excluindo os condenados pelo Santo Ofício, seus filhos e netos. Na mesma época foi
mandado castigar todos que continuassem a usar a designação cristão-novo ou outro nome
discriminatório.101 Este decreto finalmente situou os cristãos-novos em posição semelhante
ao resto do povo e assim motivou os descendentes dos judeus à actividade empresarial e
administrativa.102
O próprio rei ordenou entrar em vigor novamente as leis manuelinas de 1507 e as de
D. João III de 1524 que interditavam a diferenciação entre cristãos-novos e cristãos-velhos.
A lei de 1773 foi completada em 1774 pela lei que proclamava capazes de exercer as
funções públicas também os netos e filhos dos condenados, incluindo os condenados do Santo
Ofício sob a condição que não fossem acusados impetinentes condenados à fogueira.
O novo regimento da Inquisição, subordinado ao rei e fundado em 1774 impedia os
autos-de-fé públicos e anulava a pena de morte, a não ser para os casos excepcionais que não
97 António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985 98 Idem, p.204 99 António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985 100Maria Benedita Araújo, Família e grupo social no criptojudaísmo português (século XVII), in Oceanos 29, 1997 101 António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985 102 Jan Klíma, Dějiny Portugalska, Nakladatelství Lidové noviny 1996
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fossem verificados. É o tempo da aboliação do processo comum, da proibição das
testemunhas secretas, das torturas etc.103 A velha Inquisição transformou-se num tribunal e
policía de estado com o objectivo de perseguir os delitos de opinião. O Tribunal continuaria a
defender a religião católica, deveria contribuir para a unidade dos súbditos e não os dividir
pelas leis da limpeza de sangue e também impedir a superstição, que parecia quase absurda
neste século iluminista e racionalista.104
Qualquer resistência às leis pombalinas, era sempre imediatamente suprimida. Por
exemplo quando cristãos-novos pediram o acesso às misericórdias, confrarias e irmandades,
argumentando pela lei régia de 1774 que proibia a sua discriminação, foram rejeitados pelos
respectivos directores, alegando as disposições dos estatutos. D. José I reagiu ordenando a
revisão destes estatutos e retirando deles tudo o que se referia de algum modo aos cristãos-
novos.105 Citando Saraiva: « Seriam presos todos os dirigentes de misericórdias, irmandades e
confrarias que se recusassem a admitir «os chamados antecedentemente cristãos-novos» e a
suprimir nos estatutos os artigos que se lhes referiam.»106
Apesar das leis pombalinas, o ódio aos cristãos-novos continuava, mas nunca mais
ninguém em Portugal foi processado por judaísmo. Os cristãos-novos que foram quase três
séculos perseguidos e terrorizados , finalmente desapareceram. O seu único resto guardado no
arquivo da Torre do Tombo, foi destruído pelo terramoto em 1755. Finalmente graças às leis
pombalinas os cristãos-novos passaram novamente a pessoas livres.As causas principais que
dividiram os cristãos-novos dos cristãos-velhos eram sobretudo as leis da limpeza de sangue,
as listas de contribuintes dos perdões e os autos-de-fé.
Com o desaparecimento destas leis, com a queima destas listas e com a proibição dos
espectáculos espantosos realizados nestas cerimónis inquisitorias, acabou a designação
cristão-novo para sempre.107
IX. CONCLUSÃO
É evidente que o surgimento da nova classe social, dos cristãos-novos influi o
desenvolvimento de Portugal e deixou marcas também no seu atraso económico. A presença
deste fenómeno também impediu durante muito tempo a afluência das ideias ilustradas, que
apareciam no resto da Europa mais cedo.
103 António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985 104 S. Alexandre, Judeus, Cristãos-novos e a Inquisição, Prefácio, 2002 105António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985 106Idem, p.208 107 António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, Editorial Estampa, 1985
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Esta minoria étnica de judeus, que até ao reinado de D. Manuel enriquecia o povo
português pelos seus conhecimentos do campo da ciência e medicina e que contribuía pelos
seus capitais ao melhoramento da situação económica em Portugal, beneficiando de forma
positiva a sociedade portuguesa, convertia-se pouco a pouco numa étnia com estatuto social
inferior.
Ao contrário da Espanha, onde os judeus poderam optar entre a expulsão e a
conversão, os cristãos-novos em Portugal não tiveram alternativa, em Portugal toda a
comunidade judaica era forçada à conversão.
Embora fosse D. Manuel quem ordenou a conversão geral, a situação dos convertidos
durante o seu reinado ainda foi favorável, a sua política era muito tolerante em relação com a
dos seus sucessores e tinha como objectivo impedir o abandono dos cristãos-novos e
sobretudo dos seus bens de Portugal.
A posição dos cristãos-novos mudou-se rápidamente com a instauração da Inquisição,
provocado pelo ódio acrescido de parte da sociedade cristã e por causa do aumento dos
prejuízos e das falsas informações sobre eles. A sociedade cristã não cria na verdadeira
convicção religiosa dos convertidos, predominando a opinião que a sua maioria continuava
secretamente fiel à sua religião original
Com o reinado de Filipes as condições vitais dos cristãos-novos tornaram-se ainda
difíceis. Durante esta época, que durou sessenta anos, apareceram as leis de limpeza de
sangue e as leis discriminatórias aumentaram a sua intensidade.
Os soberanos D. João IV e D. Pedro tomaram consciência da necessidade do apoio
financeiro dos convertidos. E finalmente começaram a preceber que a Inquisição prejudicava
aos interesses do reino, causando o declínio da economia portuguesa e que era necessário
defender cristãos-novos. Mas apesar das suas diligências para acabar com a discriminação
ainda não foram frutuosos. Sem embargo, a ideia da separação do poder inquisitorial é um
sinal muito significativo para o destino futuro desta minoria.
A disriminação só viria a ter o seu termo com Marquês de Pombal, que finalmente
eliminou as distinções entre cristãos-novos e os velhos.
33
X. BIBLIOGRAFIA António José Saraiva, Inquisição e cristãos –novos, Editorial Estampa, 1985 Joaquim de Assunção Ferreira, Estatuto Jurídico dos Judeus e Mouros na Idade Média Portuguesa, Universidade Católica Editora, 2006 F. Sierro Malmierca, Judíos, moriscos y inquisición en Ciudad Rodrigo, Salamanca, 1990 S. Alexandre, Judeus, Cristãos-novos e a Inquisição, Prefácio, 2002 Maria José Ferro Tavares, A expulsão dos Judeus de Portugal: conjuntara peninsular, in Oceanos 29, 1997 Elvira Cunha de Azevedo Mea, Resistência da minoria judaica transmontada à assimilação (século XVI), in Oceanos, 1997 António Borges Coelho, Judeus e Cristãos-Novos Portugueses (séculos XVI e XVII), in Oceanos 29,1997 Maria Benedita Araújo, Família e grupo social no criptojudaísmo português (século XVII), in Oceanos 29, 1997 Jan Klíma, Dějiny Portugalska, Nakladatelství Lidové noviny, 1996 FONTES ELECTRÓNICOS: http://pt.wikipedia.org/wiki/Massacre_de_Lisboa_de_1506 http://www.arqnet.pt/dicionario/joao3.html http://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_II_de_Portugal http://www.arqnet.pt/dicionario/cunhaluis.html http://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_I_de_Portugal